Em 2018, foram mortas 24 mulheres, em Portugal.
Em 2019, já contamos com mais 9 vidas perdidas, devido à violência doméstica.
Se somarmos desde 2004, perto de 500 mulheres foram assassinadas, por namorados, maridos, ex-companheiros e familiares homens. Os números não deixam sombra para dúvidas: o problema do machismo, manifesto nestes crimes violentos, não faz parte do passado, não está resolvido, nem está a ser combatido com todas as armas possíveis. Pelo mundo, milhares de mulheres são vitimas de feminicídio e os governos, políticos e as instituições do Estado assobiam para o lado.
Se olharmos para os dados sobre violência doméstica, podemos verificar que, por um lado, as queixas não correspondem à realidade e, por outro, que muitos dos processos não têm o devido tratamento, de modo a fazer-se justiça às vitimas destes crimes hediondos. Em 2017, foram feitas cerca de 16 mil queixas de violência doméstica à APAV, sendo que a estatística demonstra que, destas queixas, 90% nunca chegam sequer a ser julgadas. Há uma verdadeira impunidade dos agressores, visível nas penas suspensas, advertências leves e na ilibação dos culpados. A Justiça não está do lado das mulheres, o que faz com que muitas nem ponderem apresentar queixa, por saber que o caminho a percorrer, tortuoso e doloroso, provavelmente vai desembocar em nada. Se pensarmos nesse mesmo percurso, desde a agressão (ou agressões) até ao tribunal, podemos verificar que existem muitos obstáculos “invisíveis” no caminho dessas mulheres:
Em primeiro lugar, onde fazer queixa? A APAV é muitas vezes o primeiro ponto de apoio, mas quem se dirige à polícia, não raras vezes, dará de caras com agentes impreparados, muitas vezes eles próprios machistas, cuja primeira reação é a culpabilização da vitima ao invés de a apoiar.
Depois, para onde ir? A mulher agredida sai de sua casa e é acolhida por familiares e amigos ou desloca-se para uma casa-abrigo (poucas e desinvestidas pelo Estado). Muitas vezes, volta para casa, sendo obrigada a suportar mais violência. Se tiver filhos, o cenário é ainda mais difícil. Se for precária ou desempregada, o problema agrava-se.
Só na primeira parte do percurso, muitas mulheres desistem.
Se conseguirem ultrapassar todas estas pedras no caminho, o processo jurídico, para além de longo, é psicologicamente doloroso e há uma grande hipótese de acabar em nada, com o agressor em liberdade. Muitas das reincidências dos crimes de violência doméstica e até das mortes ocorrem depois de queixas apresentadas.
Agora, imaginemos um mundo onde existem gabinetes de apoio às vitimas, por freguesia, onde as forças de segurança são formadas e capacitadas para lidar com os casos de violência doméstica. Um panorama em que a mulher pode optar por permanecer em sua casa e o agressor tem ordem de restrição de proximidade, enquanto ocorre a investigação e o julgamento. Imaginemos que existem advogados/as e juízes com formação especifica para acompanhar o processo judicial. Que a Lei é alterada para efectivar as penas sobre os agressores machistas. Que existe um corpo de juízes capacitados, que já tenha superado a psicologia e o ideário obscurantista da idade média nos seus acórdãos. Que o Governo investe num programa de combate ao machismo, a nível nacional, com o desenvolvimento de um sistema especializado e integrado para a identificação, apoio e resolução de casos de violência doméstica que vá desde os serviços de Saúde, de Educação, às autoridades, aos tribunais e Ministério Público.
Não é um cenário impossível, nem é uma utopia. Tem é de haver vontade política para o fazer, acompanhado de um investimento público sério. Os nossos políticos dizem sempre que temos que ser sérios e respeitar os nossos compromissos. O que nós exigimos é que se comprometam com o combate da violência sobre as mulheres, que, vezes demais, termina na sua morte. Que o Governo PS, apoiado pelo BE e PCP, encontre vontade política para travar a batalha pela vidas destas mulheres, pela vida de todas as mulheres, porque não é só nos dias de festa e nas ocasiões solenes que merecemos ser mencionadas. Exigimos que, em vez de se orgulharem de pagar juros da dívida e salvar bancos, se orgulhem de ter um programa de combate ao machismo, um que funcione e que não seja só uma promessa vazia no papel.
Por isso, perante os nove assassinatos só no passado mês de Janeiro, dizemos basta!! Estamos nas ruas, estamos nas escolas, nas universidades, nos locais de trabalho, nos transportes e somos muitas, muitas mulheres descontentes com a situação atual. Mulheres que querem unir as suas vozes, nacional e internacionalmente, para fazer frente ao machismo, à opressão e aos feminicídios, rumo à Greve Internacional de Mulheres no dia 8 de Março.
Exigimos a prisão efetiva para os agressores, com penas mais duras e o fim das penas suspensas!
Exigimos medidas de restrição de proximidade assim que há uma denuncia de violência doméstica, para proteção imediata da vítima!
Exigimos a criação de infra-estruturas, por freguesia, com equipas especializadas no atendimento e acompanhamento de casos de violência doméstica!
Nem uma menos! Basta de feminicídios!