A Identidade que nos é roubada

Portugal ainda é um país racista. Por mais que se afirme que somos dos povos mais tolerantes da Europa ainda muito há a fazer para que os portugueses negros se sintam, de facto, portugueses.

O racismo em Portugal é apresentado das mais diferentes formas mas, a mais cruel, será o racismo subtil. Aquele que existe mas não é admitido, aquele que expõe diariamente, homens e mulheres negras aos mais diferentes ataques ao nosso sentido de pertença de um pais que é, e sempre será, feito por homens e mulheres negras.

Crescer negro em Portugal ainda é uma luta diária sobre direitos básicos, nomeadamente, o direito ao sentido de identidade.

A identificação da nacionalidade portuguesa no cartão de cidadão ainda não confere aos cidadãos negros o pleno reconhecimento por parte da sociedade como sendo parte dela.

Para se ser considerado português, em Portugal, ainda se tem de ser branco. Crescer a ouvir a famosa frase “De onde és?” (referindo-se ao país africano ao qual se pertence) é uma das situações mais comuns para quem é negro em Portugal.

Sendo uma mulher negra e emigrante posso afirmar que a minha nacionalidade portuguesa é muito mais reconhecida fora de Portugal. O que não deixa de ser irónico quando venho de um país que tem um contexto histórico e cultural negro e com profundas raízes africanas.

Quantos homens e mulheres negras sentem que podem considerar Portugal a sua casa mas não o seu lar?!

O reflexo deste tipo de racismo encontra-se espelhado nas várias esferas da sociedade. Basta acendermos a televisão para constatarmos que Portugal ainda é feito de gente branca e para gente branca.

O noticiário, as telenovelas, os programas de lazer e publicidade tem uma cor de pele predominante e não é a cor de pele negra.

E os negros, pergunto eu? Os negros assistem a tudo isto numa sociedade que lhe diz que fazem parte do país mas que no fundo os coloca à parte na sociedade. Negros e negras ficam relegados para meros figurantes de uma sociedade que se tem por tolerante. Um Portugal que se utiliza dos mesmos para ocupar os postos de trabalho que devem ser feitos pelos “menos” portugueses.

O preconceito do negro coitado, ladrão ou burro é alimentado por piadas de cariz racista, falta de representatividade intelectual nos media e pela representação de papéis estereotipados nas novelas e anúncios televisivos.

O racismo, em Portugal, retira aos cidadãos negros o sentido de pertença e o reconhecimento no seu país e, consequentemente, o seu reconhecimento por parte da restante sociedade. Tudo isto se traduz num ataque à autoestima de tantos homens e mulheres que crescem sem visibilidade. Se já é complicado, para a formação de qualquer pessoa, que lhe seja vedado o acesso a um ambiente propício ao desenvolvimento da autoestima, negros e negras debatem-se com esta questão diariamente, tendo menos força e capacidade de união como oprimidos.

Enquanto mulher negra, que cresceu com a ausência de exemplos de modelos que fossem contra os estereótipos associados à cor de pele, penso que a mudança só se dará quando existir uma recolha séria de dados estatísticos sobre o número de negros existentes em Portugal, as nossas condições de vida no que diz respeito a escolaridade, habitação, emprego e saúde. Partindo destes dados será possível pensar-se em medidas concretas para um maior nivelamento da população negra na sociedade portuguesa, tal como a aplicação de quotas nas várias instituições do país (tais como televisão, justiça, educação e saúde).


Artigo de Cristiana Bruzaca

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