Vistos “green” ou empregos para o clima?

Recentemente, o PAN propôs no Parlamento a criação de “vistos green”. Segundo o jornal Público, o PAN propõe que se dê um visto de residência aos “cidadãos de países terceiros que pretendam exercer actividades com um investimento em montante igual ou superior a 500.000 euros”.

Funcionariam como os “vistos Gold”, mas apenas para investimentos ditos “verdes”, como a agricultura biológica ou o ecoturismo. Porém, o PAN não define como se pode assegurar o suposto impacto ecológico positivo desses investimentos, nem tão pouco como garantir que são criados postos de trabalho estáveis e bem pagos através dos “vistos green”. Independentemente das intenções do PAN, esta proposta parece ser apenas uma forma de mascarar de “green” os vistos “Gold”, criados pelo PSD/CDS-PP e que, até agora, de nada serviram para gerar emprego ou riqueza para o país.

Por isso, discordamos desta proposta. Antes de mais, porque é uma política discriminatória a de entregar vistos de residência a milionários – que na maioria das vezes nem residem de facto no país – enquanto se negam vistos de residência a milhares de imigrantes que aqui vivem e trabalham, assim como a tantos filhos de imigrantes que nasceram em solo português e não tem acesso à nacionalidade. O PAN diz que a sua proposta visa “cimentar uma sociedade multicultural”. Mas na verdade vão no sentido oposto, exatamente como os “vistos Gold”.

Além disso, temos muitas dúvidas sobre o impacto ambiental destes investimentos. Pelo contrário, o investimento busca o lucro e não o bem comum e foi a procura do lucro, a todo o custo, que abriu caminho à crise climática que vivemos. Na maioria dos casos, os investimentos ditos “verdes” são apenas uma forma de os grandes capitalistas disfarçarem os danos dos seus negócios para o planeta e receberem dinheiros públicos ou isenções. Um exemplo são os impostos “verdes” sobre os combustíveis, que não tocam no lucro das multinacionais e dos multimilionários do petróleo, ou o investimento desmesurado em barragens, que arrasa ecossistemas para entregar milhões às grandes construtoras. A busca do lucro e a sustentabilidade ecológica são incompatíveis.

 

A procura do lucro e a justiça climática são incompatíveis

O exemplo mais evidente é que Portugal tem de reduzir as suas emissões Gases de Efeito Estufa (GEE) 60-70%, nos próximos 15 anos. Para isso é necessário um investimento massivo na transição energética – ou seja, a passagem a uma economia que não use combustíveis fósseis. Pelo que não basta criar negócios “verdes”, ou seja, que não libertem GEE. É necessário substituir todo o tecido económico, dependente de combustíveis fósseis. É necessário um investimento massivo em transportes públicos, para reduzir o tráfego automóvel. É preciso que todos os veículos, públicos ou não, sejam movidos a energia elétrica e que toda a energia elétrica provenha de fontes renováveis. Tal como é urgente uma política florestal que, em vez de servir o lobby da madeira e da celulose, trave a calamidade dos incêndios. Nada disso traz lucros rápidos, pelo que não será feito com base em investimento privado.

Uma política assim iria, sem dúvida, beneficiar a maioria da população, sobretudo os mais pobres, que são quem mais sofre com os fenómenos climatéricos extremos como a seca ou os incêndios. Porém, colocaria em causa os grandes grupos económicos e os bancos, altamente ligados à indústria do petróleo, da celulose ou da construção. A verdade é que sem enfrentar os “donos disto tudo” não será possível evitar o desastre climático.

100 mil empregos pelo Clima

Há alternativas à crise climática que vão para além do “capitalismo verde” que o PAN nos propõe.

No nosso país decorre, desde 2015, a campanha “Empregos Pelo Clima” (http://www.empregos-clima.pt/). Esta iniciativa internacional propõe uma saída para a crise climática que não deixa a justiça climática na mão da iniciativa privada. Tão pouco propõe destruir postos de trabalho como muitas vezes temem os trabalhadores de indústrias como a petrolífera ou automóvel. Pelo contrário, segundo o relatório-base, editado em 2017, pela campanha:

“Em 2016, o setor petrolífero em Portugal empregava diretamente 20 mil trabalhadores. Os cálculos neste relatório estimam 120 a 160 mil novos postos de trabalho diretos empregues nos vários setores-chave desta transição. Destes, depois de garantir a substituição de todos os empregos perdidos no fabrico, comércio e transporte de produtos petrolíferos, restam 100 a 140 mil postos de trabalho a ocupar por pessoas atualmente no desemprego (…)Os empregos que é preciso criar em Portugal estão focados em particular nos setores da produção energética, transportes, edifícios e indústria, agricultura e resíduos, e floresta (além de requalificação e formação profissional)”

Claro que as imobiliárias, as empresas de construção, empresas petrolíferas e energéticas, a indústria automóvel ou a grande finança não querem ir por esta via. Só o investimento público, em larga escala, e a planificação económica sustentável, assente no controlo dos ramos estratégicos da economia pelo Estado, pode assegurar este plano. Por isso o PS e a direita não querem ir por aí.

Cabe aos partidos e organizações que se dizem ecologistas, como o PAN e o PEV, e à esquerda sindical e política dar voz a este projeto. Não podemos evitar a catástrofe climática emergente através de nenhum “capitalismo verde”. Pelo contrário, devem ser os ricos, e não os trabalhadores, a pagar pela crise… climática!

Manuel Afonso

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