Editorial – 14 de Dezembro 2018
Ao 38º dia de greve, há fumo branco no porto de Setúbal. Acossado pela luta dos trabalhadores e por uma onda de solidariedade nacional, o grupo turco Yilport, que domina parte dos portos nacionais, teve de ceder aos cerca de 150 bravos e bravas guerreiras de Setúbal.
O acordo que os trabalhadores e o seu sindicato, o SEAL, impuseram aos patrões garante todas as reivindicações que deram origem à greve. Foi assinado hoje, após aprovação em plenário pelos trabalhadores, um acordo que prevê a contratação imediata de 56 estivadores como efetivos, ficando garantida para breve a contratação de mais 37. Foi também garantida a distribuição do trabalho suplementar entre estes 93 trabalhadores, assim como um salário-base de 1400€/mês. Isto permite aos trabalhadores voltarem a estar disponíveis para trabalhar, levantando a greve também ao trabalho suplementar em Setúbal.
Esta era a proposta do SEAL desde Julho. Foi a ganância e prepotência da Yilport e do seu representante, o famigerado Diogo Marecos, que impediu que este mesmo acordo tivesse sido alcançado há 15 dias. Junto com o Governo, os patrões preferiram tentar vencer pelo cansaço, recorrendo a fura-greves, repressão e fake news.
O papel do Governo
Na apresentação do acordo, a Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, quis pousar como o elemento pacificador deste conflito. Nada mais falso. Desde o início que o Governo se colocou contra os trabalhadores. Não só a Ministra do Mar não reconheceu, num primeiro momento, o problema da precariedade em Setúbal, como António Costa veio a público falar sobre um suposto, mas inexistente “concurso” para a contratação dos estivadores em Setúbal, assim como veio provocar os grevistas, felicitando-se por o SEAL não estar “disseminado” por todo o país.
Mais grave foi a tentativa desesperada do Governo de furar a greve ilegalmente, em conluio com os patrões. No dia 22 os patrões contrataram cerca de 50 indivíduos, estranhos ao porto de Setúbal, para carregar 2.000 automóveis da Autoeuropa. O Governo, em vez de impedir esta tentativa de substituição de grevistas, totalmente proibida pelo Código do Trabalho, enviou centenas de polícias de choque para escoltar os fura-greves, usando da força contra o piquete de greve. Desde 1974 nenhum governo tinha tido tal desplante – nem nos Governos de Cavaco ou de Passos Coelho.
Apesar de mostrarem solidários com esta luta, os parceiros de Costa, PCP e BE, mantiveram o apoio ao Governo enquanto este reprimia os estivadores. No momento de maior poder negocial da esquerda, durante a votação do Orçamento, podiam ter encostado o Governo às cordas. Porém, as negociações entre a esquerda parlamentar e o PS continuaram como se nada fosse para aprovar um OE que dá milhões aos banqueiros e tostões a quem trabalha.
A luta contra a discriminação continua
Outras lutas se seguirão. A greve às horas extraordinárias mantém-se no resto do país e cabe ao Governo garantir que a perseguição aos sócios do SEAL, também ela ilegal, cessa imediatamente.
Na verdade, enquanto os portos nacionais forem controlados por um cartel de empresas mafiosas – os grupos Sousa e ETE e a Yilport, além do Estado de Singapura que controla o maior terminal de contentores do país, em Sines – a luta continua. Os portos são essenciais para a economia do país, assim como para a sua soberania. Deviam estar nas mãos do Estado, com emprego de qualidade para todos os seus profissionais, geridos como Serviços Públicos.
Uma luta exemplar
As greves são recorrentes no nosso país, porém vitórias deste calibre não. Da luta dos estivadores de Setúbal podemos colher algumas lições de como alcançar vitórias. Mobilização é a chave: acordos e negociações fazem parte da luta sindical, mas sem usar a força dos trabalhadores organizados, os acordos são sempre contra quem trabalha. Isto aplica-se ao nível de empresa, de sector de actividade e até ao nível nacional. Radicalização: a luta só faz efeito se puser em causa o lucro dos patrões e isso dificilmente se consegue com greves de um dia – foi a duração e radicalização da greve que trouxe resultados. Organizar e sindicalizar os trabalhadores precários: em muitos sindicatos não se aceitam precários como sócios e não se procuram meios para os trazer para a luta, a greve de Setúbal mostra o oposto: que sem os precários não se derrota a precariedade. A onda de solidariedade que o SEAL conseguiu gerar, que mobilizou muitos outros sindicatos e até a CGTP, muitas vezes relutante, além da população em geral ou até do Bispo de Setúbal foi essencial, é impossível vencer sozinho. Internacionalismo: a solidariedade foi para além-fronteiras, tendo os estivadores alemães dificultado o descarregamento dos carros carregados por fura-greves e tendo os estivadores de todo o mundo declarado o seu apoio. E por fim, a democracia de base, infelizmente rara no sindicalismo português, em que nenhum acordo foi assinado sem aprovação dos trabalhadores em Plenário.
É necessário um levantamento geral contra a precariedade e o custo de vida
O drama dos estivadores de Setúbal é o drama de tantos nós, operários, professoras, enfermeiros, operadores de call-center, trabalhadores do turismo e um grande etc. Baixos salários, precariedade e assédio laboral são o dia-a-dia de milhões de trabalhadores, enquanto o Governo anuncia a descida do défice e a subida do PIB. É um escândalo: se o país cresceu, queremos os nossos direitos de volta!
É preciso seguir o exemplo dos estivadores e dos coletes amarelos franceses e vir para a rua em força. Só encostando o governo às cordas é possível obter vitórias. A CGTP, todo o movimento sindical e movimentos sociais, não podem mais continuar com lutas moderadas e divididas. É preciso unir as lutas. A esquerda, em vez de apoiar o Governo no Parlamento, tem de colocar milhares na rua para exigir que o PS faça o que prometeu e devolva todos os direitos roubados.
Esse é o apelo do MAS. Estivemos desde o primeiro dia ao lado dos estivadores e continuaremos a estar – como fizemos com os trabalhadores da Autoeuropa, call-centers, professores, profissionais da saúde e tantos outros. Porque é possível uma vida melhor, em que a riqueza e o trabalho sejam distribuídos por todos, em que o mundo não seja governado por patrões e os seus “Marecos”, nem por governos que estão sempre ao lado dos ricos e poderosos. Convidamos assim todos estes lutadores e lutadoras a conhecer o MAS, as nossas propostas e posições. Porque uma batalha foi vencida, mas ainda há uma guerra a ganhar.