A XI Convenção do Bloco de Esquerda (BE) ocorreu nos passados dias 10 e 11 de Novembro de 2018 em Lisboa. O seu centro político foi o balanço da geringonça e a política para os próximos dois anos, principalmente a política para as eleições que se avizinham. O MAS esteve presente como convidado e lembramos que fizemos parte da fundação do BE, no qual fomos oposição de esquerda à direcção até 2011, momento em que saímos para fundar o MAS.
Queremos fazer um dialogo fraterno com quem está atento à esquerda, à sua política e às suas organizações. É o que tentaremos fazer com este texto embora, possivelmente, tenha conclusões duras.
O balanço que a direcção do BE faz sobre a Geringonça é conhecido: “rompeu com o mito do ‘arco da governação’, foi o primeiro governo a aumentar direitos e a devolver rendimentos à população”.
Nós, do MAS, fazemos um balanço diferente do papel que a Geringonça tem vindo a cumprir. A nosso ver, o Governo de António Costa, apoiado por BE e PCP, por força das profundas mobilizações dos anos de 2011 a 2014, foi forçado a conceder uma determinada recuperação de rendimentos e direitos aos trabalhadores portugueses. Se não acedesse a alguns dos anseios daquelas mobilizações, não teria conseguido formar governo, em 2015. As conceções feitas pela Geringonça não são fruto de uma política de esquerda, não são fruto da boa vontade de António Costa, não são a consequência do apoio de BE e PCP ao Governo PS. São, na verdade, conquistas atrasadas das mobilizações dos anos de 2011 a 2014.
Ao fim de 3 anos de legislatura, a Geringonça retirou com impostos indiretos o pouco que devolveu dos rendimentos e direitos, roubados pelo Governo do PSD/CDS/Troika, ao mesmo tempo que manteve o essencial da Troika: desinvestimento nos serviços públicos, relações laborais precárias e de baixos salários, pagamento religioso da divida e injeção de milhões na banca privada. Além disto, o apoio do BE e do PCP ao Governo de António Costa e a aprovação religiosa dos seus Orçamentos do Estado deu ao PS uma boia de salvação.
Lembremo-nos que o PS estava em crise, não conseguiu sequer ficar à frente do PSD/CDS-PP, nas legislativas de 2015, à semelhança com os seus congéneres europeus, pois a experiência dizia-nos que as suas governações não eram diferentes das da direita. Hoje, após a Geringonça, o PS pode ambicionar uma nova maioria absoluta, enquanto BE e PCP se mantêm ou recuam na sua influência eleitoral. Fora do parlamento as lutas foram deixadas de lado por estes partidos, e quando foram atendidas pelo BE e PCP foram canalizadas para as instituições através de negociações à porta fechada com o Governo. Esta é uma estratégia errada pois retira a confiança da própria classe trabalhadora em si, ao mesmo tempo que enfraquece a luta e, por sua vez, as ditas negociações. O caso dos professores é mais uma vez gritante. BE e o PCP cederam nos compromissos que assumiram, como a recuperação da totalidade do tempo de serviço congelado dos professores.
Como foi unânime na imprensa e aceite como verdade pela sua direcção, o BE é hoje um partido diferente. Pelo que vemos da sua política e o que vimos na sua XI Convenção, concluímos que o BE é um partido mais institucionalizado no aparelho de Estado, sem a irreverência que já o caracterizou, um partido em que os seus parlamentares e funcionários têm um espaço cada vez maior em detrimento dos honestos ativistas da sua base. Não temos dúvidas que no último período muitos activistas terão procurado o BE para se organizar, mas verificámos que estes na sua maioria não se encontravam na convenção. Na política, há um rebaixamento do seu programa para facilitar acordos com o PS. A questão da reestruturação da dívida pública, uma das bandeiras do BE, praticamente não foi falada nesta convenção. A crítica à política da UE é constantemente sonegada. A NATO e o seu financiamento parece que deixou de ser um problema para todos nós. A exigência do défice 0% das elites europeias deixou de ser critério suficiente para não aprovar os sucessivos Orçamentos do Estado do PS e UE. A exigência de investimento nos nossos serviços públicos cedeu lugar à “governabilidade”.
A mensagem que a direcção do BE quis passar resumiu-se a que agora é um partido “sério”, preparado e pronto para governar, e que para isso é importante evitar a maioria absoluta do PS. A conclusão é obvia, reeditar uma nova geringonça, mas com o BE efectivamente num Governo PS, com ministros. Conforme já assinalávamos dentro do BE, achamos que a tendência da direção do BE em governar com o PS é um caminho errado. É um caminho contraditório com o “começar de novo” com que o BE surgiu e com a irreverência que o caracterizava.
O único alento da IX Convenção do BE foi a moção M e os seus integrantes. Apresenta-se como “O bloco que não se encosta” e é composta essencialmente por juventude vinda do activismo, que não se profissionalizou no partido, maioritariamente de sectores oprimidos e que representa um dos sectores sociais que é a vanguarda na luta contra Trump, Bolsonaro e a extrema-direita. Representa o sector que não viu uma real “retoma de rendimentos e direitos” nas suas vidas e que reage à política de abandono e traição das lutas concretas. É composta de activistas feministas, LGBT, antiracista, estudantis e anti-fascistas que percebem a burocratização e adaptação qualitativa do BE às instituições burguesas e que expressa parte da vanguarda do movimento social actual.
Saudamos a resistência destes companheiros e companheiras e sabemos o quão difícil é enfrentar os ataques, por vezes antidemocráticos, da maioria instalada. Basta ver como a direcção do BE fez por ignorar olimpicamente a oposição interna representada pelas moções apresentadas, pois sabe que tem as votações garantidas. Mas, ao mesmo tempo e de modo fraternal, manifestamos a nossa preocupação com a ausência de direcção nos diferentes sectores de oposição interna ao BE. Podemos verificar que existe resistência interna aos rumos do partido, mas que esta não se expressou de forma organizada, com uma direção alternativa bem definida. O facto de não terem apresentado listas alternativas aos órgãos de direção (mesa nacional), deixa toda a oposição descabeçada, sem representação na direção, sob o risco de desmoralizar e não apresentar uma alternativa política. Esperamos que isso não aconteça e que continuem firmes nas lutas que se avizinham.
Faz falta um projeto alternativo à direita, mas também ao PS, que não continue refém do défice e dos ditames das elites da UE. Faz falta um partido anti-capitalista, independente da direita e do PS, que tenha a coragem de construir um projecto de luta e transformação social.