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O Orçamento de Estado de 2019 devia ir muito mais longe

A proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2019 foi preparada para dar a sensação de que contém, maioritariamente, medidas em benefício dos trabalhadores(as) e juventude, tentando agradar ao maior e mais diversificado conjunto de setores da sociedade. As medidas propostas, a serem cumpridas, são, sobretudo, baratas e elementares. Juntas, cumprem a ilusão de que a Geringonça está determinada em defender os interesses de quem foi mais atacado pela direita e a Troika. Será mesmo assim?

Aumento dos abonos de família (€58 milhões); prestação social para a inclusão para pessoas com deficiência (€153 milhões); retoma das progressões na carreira dos funcionários públicos (€274 milhões); aumentos salariais dos funcionários públicos (€50milhões); aumentos com pensões (€229 milhões)[1]; manuais escolares gratuitos até ao 12º ano (€100 milhões); redução das propinas do ensino superior (€50 milhões); redução do preço dos passes dos transportes urbanos (€80 a €100 milhões); e uma expectativa da redução das tarifas elétricas.

Fica evidente que este conjunto de medidas é barato se o compararmos com os até €800 milhões que deverão ser, novamente, enterrados no Novo Banco, mesmo depois de privatizado; os €2.000 milhões de dívida pública, que se quer pagar adiantadamente ao FMI; os €7.000 a €8.000 milhões de juros da dívida pública, pagos anualmente, de que 2019 não será excepção; ou os €1.700 milhões destinados a todas as Parcerias Público-privadas (PPPs), ainda existentes.

No entanto, a festa de medidas anunciadas não é só barata como, após 3 anos de legislatura de um Governo que afirma ser de esquerda e que BE e PCP apoiam, não ultrapassa as mais elementares necessidades de qualquer pessoa que tem de se desdobrar com o seu baixo rendimento.

Com um Governo eleito sob a promessa de “virar de página da austeridade”, ainda estamos a falar de um mínimo aumento do abono para as famílias mais pobres; prestações sociais básicas para pessoas com deficiência; reposição e aumentos salariais de funcionários públicos e de pensões que serão feitos pelo mínimo (em média, 5€ por funcionário público e 10€ por pensionista); alguns benefícios aos jovens estudantes que representam muito pouco na despesa do OE; uma mínima e apertada despenalização das reformas antecipadas; e uma elementar proposta de organização dos transportes metropolitanos que veremos de que forma avançará.

Imaginemos, agora, o que seria possível se a Geringonça tivesse, de facto, o interesse de resolver os problemas de quem vive do seu salário ou pensão.

Questionemo-nos: as beatificadas metas do défice, ditado pela UE, são comportáveis com um nível de pobreza que atinge 25% da população portuguesa? Os até €800 milhões que o OE voltará a enterrar no Novo Banco são compatíveis com os cerca de 500 mil trabalhadores que não conseguem viver do salário mínimo que lhes é pago? Os €7.000 a €8.000milhões anuais, em juros da dívida pública, são compatíveis com um aumento de rendimentos que está a ser proposto? O adiantamento de mais €2.000 milhões, ao FMI, é compatível com a destruição permanente dos serviços públicos de Saúde, Educação, Transportes e Habitação? O dinheiro que será canalizado para ações de guerra da NATO satisfaz as elites da UE e EUA mas é comportável com as necessidades reais das pessoas?

O OE 2019 pode e deve ir muito mais longe, definir outras prioridades, escolher as opções políticas necessárias a tratar os problemas de pobreza, de precariedade laboral e de desenvolvimento do país.

O que é verdadeiramente este OE 2019?

O Orçamento do Estado para 2019, pretende alcançar dois objetivos, até ao fim da legislatura. Fundamentalmente e antes de tudo, corresponder às metas das elites da UE e ir além das metas do défice. Em segundo lugar, mas não menos importante, preparar o terreno que possa vir a assegurar uma possível maioria absoluta do PS ou, na pior das hipóteses, que possa vir a possibilitar uma segunda versão da Geringonça.

Daqui decorrente, o exercício do PS foi o seguinte: o já existente baixo nível de despesa com serviços públicos (praticamente, ainda ao nível deixado pela direita e a Troika) é parte essencial da actual estrutura do baixo défice. Mesmo prevendo um pequeno aumento da despesa pública, este é mantido abaixo do aumento da receita (veja-se a infografia do Público[2]), pelo que o défice ditado pela UE está assegurado, agradando muito aos mercados e às elites europeias.

Com uma previsão de crescimento económico de 2,2%, para 2019, que fará aumentar o emprego, embora precário, e, consequentemente, as receitas fiscais, basta ser conjugado com um novo aumento de impostos indirectos, e está aqui a fonte de uma tranche adicional de dinheiro que, distribuído pelo máximo de setores sociais, poderá servir para reforçar eleitoralmente o Governo PS e, possivelmente, mas em menor escala, como efeito colateral, os seus apoiantes PCP e BE.

Centeno definiu o valor da tranche adicional que será arrecadada com o crescimento da actividade económica e com o aumento de impostos, e seguiu, despreocupado, para as negociações do OE, apenas para definir, com a esquerda, a que setores irão ser distribuídos tal tranche adicional.

O défice está assegurado. Centeno e o Governo reforçam a sua imagem de contas rigorosas. O PS entra, alegremente, nas negociações do OE com tudo sob controlo. E ainda sobra espaço para que as direções de BE e PCP calem as exigências sobre aquilo que estruturalmente tem importância e com o que se comprometeram (como por exemplo, a reposição do tempo de serviços dos professores) e se acotovelem no palco mediático da autoria das medidas que qualquer Governo, dito de esquerda, deveria tomar.

Premeditadamente, António Costa sabe que deve deixar algum espaço para que o protagonismo eleitoral seja repartido, em doses controladas, com BE e PCP. Esta estratégia não só tem sido parte do sucesso de tornar o PCP e BE seus reféns, como, consequentemente, baixa o nível de contestação social, e é ainda a melhor garantia de, sem oposição à esquerda, vir a conseguir uma maioria absoluta do PS.

A UE tem o Governo PS aprisionado, mas este tem a esquerda parlamentar controlada. Daí que BE e PCP tenham calado, entre muitas exigências necessárias, as denúncias sobre a dependência do PS face às elites da UE.

 

Sem oposição de BE e PCP, o Governo PS remodela-se e reforça-se

O Economista Ricardo Cabral, no Público, não podia sintetizar de forma melhor: “as medidas negociadas entre o Governo, autarquias, PS, BE e PCP, que continuaram até ao último momento, são pequenas no cômputo da despesa total e tendem a ser compensadas por aumento de receitas, de forma a cumprir as regras do Tratado Orçamental”[3].

É um OE de manutenção da austeridade sobre os serviços públicos e o mercado laboral e aumento de impostos para pagar os relativos aumentos de rendimentos, tudo patrocinado pelo favorável crescimento europeu, proveniente das injeções do BCE.

Depois do desastre da governação do PSD/CDS-PP e sem oposição à esquerda, este tipo de ilusionismo orçamental tem bastado para ir consolidando a influência política do PS.

António Costa vê-se tão reforçado que não só cria facilmente a narrativa de que o OE é extremamente positivo, como tenta utilizar essa narrativa para abafar a destituição do Ministro da Defesa, após o roubo de Tancos, e ainda proceder a uma remodelação alargada do Governo. Substituiu igualmente o Ministro da Saúde, a braços com a contestação do sector, e os ausentes Ministros da Economia e da Cultura, assim como 10 Secretários de Estado.

A extensão desta remodelação não acontecia há décadas e tem a particularidade de não ser fruto de uma fragilidade do Governo PS, mas antes, da sua consolidação, por contrapartida da fragilidade de BE e PCP. Aliás, se dúvidas houver, a sua consolidação fica comprovada pelo facto de uma remodelação governativa tão extensa não incluir o Ministro da Educação, alvo da maior contestação a este Governo.

Mas não é apenas da desastrosa política do anterior Governo PSD/CSD-PP que vem a força do PS. A esquerda mantém uma posição ambígua, pouco séria, de retórica oposicionista e prática de conciliação com todo e qualquer OE do PS e da UE.

As direções de BE e PCP deixaram cair boa parte das propostas dos sectores em luta, nomeadamente dos funcionários públicos, e têm-se contentado com a negociação de algumas medidas positivas, sem lutar, nas ruas, pelas medidas corretas que reforcem, efetivamente, os nossos serviços públicos e invertam, de uma vez por todas. as Leis laborais da Troika.

A luta dos professores é o melhor exemplo disso. Depois de meses de expectativa, com uma considerável capacidade de mobilização, onde, pelo menos, o BE chegou a condicionar a aprovação do OE ao cumprimento das promessas feitas aos professores, tanto a direção do PCP como a do BE abandonaram os docentes à sua sorte. As direções de BE e PCP deitam fora o seu principal trunfo para não terem de se confrontar com a responsabilidade de destabilizarem o Governo. O resultado é o reforço do PS.

 

BE e PCP não podem aprovar um OE que defenda os interesses dos privados das elites, da banca e da guerra!

Após 4 anos de um Governo que se diz de esquerda, chegaremos a fins de 2019, com os serviços públicos de Educação, Saúde, Transportes e Habitação tão ou mais destruídos que sob a governação de PSD/CSD-PP. Sim, a degradação vai-se arrastando.

A promessa de €500 milhões de investimento na Saúde, ou o investimento de outro tanto em Transportes ou ainda a promessa de investimento público em infraestruturas fundamentais, novamente presente no OE2019, tem sido a promessa constante em todos os OE que não se tem cumprido. As promessas têm sido constantemente cativadas em função do défice 0%.

Porque é que as direções de BE e PCP não se atrevem a discutir as regras impostas pela UE? As regras da UE têm consequências muito concretas sobre a degradação do SNS, da Escola pública, dos transportes e da habitação.

O PCP e o BE em vez de andarem a fazer campanha elogiando algumas medidas do Governo PS, cumprindo assim um papel de lançar a ilusão sobre os trabalhadores(as) que este é o seu governo, deveriam estar preocupados em fortalecer a luta!

BE, PCP e CGTP, em vez de apoiar todo e qualquer OE do PS e de se contentar com a disputa mediática das básicas medidas positivas, deve lutar, nas ruas, para sairmos do ciclo de pobreza em que nos encontramos. Deve rejeitar as regras que são impostas pela UE. Deve renunciar qualquer OE que preveja centenas de milhões públicos para a banca privada e nada ara os serviços públicos. Deve renunciar qualquer OE que não preveja o reconhecimento total da carreira dos professores e de todos os funcionários públicos. Deve rejeitar um OE que não anule todas as PPPs. Deve estar preocupada em reverter a privatização de setores estratégicos tais como a EDP, a PT ou a TAP. Deve questionar o valor dos juros da dívida pública que é pago todos os anos. Deve denunciar o dinheiro que está previsto para o orçamento de guerra da NATO. Nada disto tem sido feito!

Olhando para a realidade portuguesa, o resultado de 3 anos de Geringonça é: muitos foguetes na altura da aprovação dos sucessivos OEs, cujo resultado real é salários estagnados, habitação com valores insuportáveis, serviços públicos arrasados, desemprego jovem nos 19%, emprego absurdamente precário e mal pago e uma carga fiscal que, todos os anos, bate records máximos.

A esquerda não pode aceitar um OE 2019 igual aos anteriores. Este OE pode e deve ir muito mais longe. Se há tanto dinheiro para a banca falida porque não há para serviços públicos e reversão das leis laborais da Troika? Basta de destruir recursos públicos em negócios privados! Se há dinheiro para a NATO e para a guerra porque não há para combater o machismo? Nem mais um euro para a NATO!

Os trabalhadores não estão satisfeitos. Professores, enfermeiros e demais profissionais da saúde, trabalhadores da CP, do Metro, estivadores e muitos outros têm lutado pelos seus direitos. Só exigem o que é seu: salários dignos, reposição do tempo de serviço e respeito pela contratação colectiva. É preciso unir estas lutas, basta de lutar cada um para seu lado.

O BE, PCP e a CGTP e restantes movimentos sociais, em vez de apoiar o PS, devem unir-se para lutar. É necessário um plano alargado e nacional de lutas, onde se inclui a greve geral da função pública, no próximo dia 26 de Outubro, para conquistar o respeito pelas carreiras e pelo investimento na Saúde, Educação, Transportes e Habitação.

É possível unir milhares de trabalhadores e trabalhadoras para lutar pela devolução dos nossos direitos, pelo que é necessária uma alternativa política que saia às ruas pela revogação das leis laborais da Troika. No plano governativo, BE e PCP devem romper com o PS e começar, desde já, a preparar um governo alternativo, sem o PS, para as eleições legislativas do próximo ano. Este é o conjunto de tarefas face ao OE 2019 e, sobretudo, face à política do Governo.

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