Após vários meses em que a negociação orçamental tem sido apresentada, por BE e PCP, como “dura” e estando “atrasada”, em poucos dias, o discurso mudou radicalmente. Aquele que parecia vir a ser o Orçamento do Estado (“OE”) mais “intransigente” do PS, parece ser agora apresentado, por BE e PCP, como estando recheado de medidas positivas.
Aliás, ambos os partidos da esquerda parecem atropelar-se, agora, na ânsia de se mostrarem como anunciantes e autores das diversas medidas anunciadas – algumas delas já conhecidas há muito, como os manuais escolares ditos gratuitos. Enquanto BE e PCP se entusiasmam com a disputa de anúncios de alguns pontos positivos, o Governo PS passa entre os pingos da chuva, perante a demissão do Ministro da Defesa que é aproveitada para uma remodelação governamental em quatro ministérios e a preparação de mais um OE, feito à medida da ditadura do défice, deixando para trás o investimento na Saúde, Educação, Habitação, nos Transportes ou Leis laborais.
Da corrida aos anúncios de medidas “de esquerda”, no OE, feita por BE e PCP, podemos tirar algumas conclusões iniciais:
1) A esquerda parlamentar desistiu, em toda a linha, das reivindicações que, nos meses anteriores, fizeram mobilizar importantes setores, sobretudo, da função pública: contagem integral do tempo de serviço, aumento significativo do SMN, investimento na Saúde, da Educação, nos Transportes e revogação das leis laborais da Troika;
2) Por omissão, concluímos que aprovarão um OE onde constam mais algumas centenas de milhões de euros para injectar na banca, como exigem os novos donos privados do Novo Banco, e o aumento da despesa pública com a NATO, como exige Trump;
3) A mesquinha competição entre BE e PCP no anúncio de algumas medidas positivas levantam o pano sobre o que será o próximo ano eleitoral. A esquerda, em vez de se centrar na crítica ao Governo PS, prepara-se para canibalizar entre si os votos da esquerda, competindo e acotovelando-se para ver qual dos dois partidos será o ponto de apoio do PS, numa futura Geringonça 2.0;
4) As lutas de professores, enfermeiros, maquinistas e outros sectores foram totalmente esquecidas pela esquerda – “não somos um sindicato”, referiu Jerónimo de Sousa num entrevista, há poucas semanas. Por isso, torna-se essencial retomar e unir estas lutas com forças redobradas, preparar um plano alargado de lutas para os próximos meses, a começar de imediato, já não com a mera perspetiva da negociação orçamental, mas para encostar o governo às cordas e obrigar a esquerda a comprometer-se com uma posição de luta, em vez do regateio entre si.
Artigo de Manuel Afonso