Este texto é um excerto de uma discussão do revolucionário russo Leon Trotsky com quadros dirigentes do SWP, partido trotskista norte-americano, três meses antes da fundação da IV Internacional, em 1938. Foi retirado de “Discussão com Trotsky sobre o Programa de Transição”, anexo de “O Programa de Transição, editado pela José Luís e Rosa Sudenrmann, S. Paulo, 2008.
Nesses dias li um livro em francês, escrito por um operário italiano, sobre o ascenso do fascismo na Itália. Este escritor é oportunista, trata-se de um membro do Partido Socialista. O que é interessante em seu livro não são as conclusões, mas os factos que ele descreve. Traça um panorama do proletariado italiano, especialmente nos anos de 1920-21. Havia uma poderosa organização, com 160 deputados socialistas no Parlamento. Controlavam mais de um terço das comunas, e as regiões mais importantes de Itália estavam nas mãos dos socialistas, dentro do poder operário. Nenhum capitalista podia empregar ou desempregar um operário sem o consentimento dos sindicatos, e isso no que diz respeito tanto ao operariado agrícola como ao operariado industrial. Aparentemente havia 49% de ditadura do proletariado, mas a reação burguesa e dos oficiais desmobilizados contra tal situação foi terrível. O autor relata-nos, então, como a burguesia organizou pequenos grupos armados, dirigidos por oficiais e os enviou por todo o país em ónibus. Nas cidades de 10.000 habitantes, controladas pelos socialistas, chegavam em grupos com cerca de 36 homens organizados, incendiavam a prefeitura, queimavam as casas, fuzilavam os dirigentes, impunham as condições de trabalho favoráveis aos capitalistas; em seguida iam para outra localidade, recomeçando a mesma coisa em centenas de cidades, uma após a outra. Por meio do terror destruíram sistematicamente os sindicatos e tornaram-se donos da Itália. Entretanto, constituíam uma pequena minoria.
Os operários entraram em greve geral. Os fascistas enviaram seus ónibus e reprimiram toda a greve local e, sempre com uma pequena minoria organizada, destruíram as organizações locais. Depois disso vieram as eleições e os operários aterrorizados elegeram o mesmo número de deputados. Esses protestaram no Parlamento até que este fosse dissolvido. Eis a diferença entre poder formal e poder real. Todos os deputados estavam certos de ter o poder; entretanto, este imenso movimento pleno de espírito de sacrifício foi quebrado, destruído, abolido por cerca de 10.000 fascistas bem organizados, com espírito de sacrifício e também com bons dirigentes militares.
Nos Estados unidos as coisas podem ser diferentes, mas as tarefas fundamentais são as mesmas. Fui informado a respeito da tática de Hague[1]: trata-se de um ensaio geral de golpe fascista. Ele representa os pequenos patrões desesperados com o agravamento da crise. Possui o seu bando armado, o que é totalmente inconstitucional e muito contagioso. Com o agravamento da crise, bancos com este poderão estender-se por todo o país, e Roosevelt, que é um ótimo democrata, dirá “Talvez seja a única solução”. Ocorreu a mesma coisa em Itália. Houve um ministro que convidou os socialistas. Os socialistas não aceitaram. Então ele admitiu os fascistas. Pensava que estes últimos poderiam contrabalançar os socialistas, mas eles o derrubaram.
Acredito que o exemplo de New Jersey é muito importante. Devemos utilizar tudo, mas isso especialmente. Proporei uma série de artigos explicando como os fascistas se tornaram vitoriosos. Podemos ser vitoriosos da mesma forma, mas devemos possuir um pequeno grupo armado com o apoio da grande massa de operários. Devemos possuir a melhor disciplina, operários organizados, comités de defesa, caso contrário seremos vencidos. Penso que os nossos camaradas nos Estados Unidos não chegam a compreender completamente a importância desta questão. Uma onda fascista pode alastrar-se em dois ou três anos e os melhores dirigentes operários podem ser linchados impiedosamente, da mesma forma que os negros o são no Sul. Acredito que o terror nos Estados Unidos será o pior de todos. Eis porque devemos iniciar as coisas modestamente, com grupos armados de autodefesa, mas devemos fazê-lo imediatamente.
SWP – Como, na prática, criar grupos de autodefesa?
Trotsky – É muito simples. Vocês controlam um piquete de greve? Quando a greve termina, explicamos aos trabalhadores que devemos defender nosso sindicato, transformado o piquete de greve em algo permanente.
SWP – O próprio partido deve criar grupos de defesa, com seus próprios membros?
Trotsky – As palavras-de-ordem do partido devem ser lançadas lá onde possuímos simpatizantes e operários que nos defenderão. Mas um partido não pode criar uma organização de defesa independente. A tarefa consiste em criar esses organismos nos sindicatos. Devemos possuir grupos de camaradas bem disciplinados, com dirigentes prudentes que não se deixem provocar facilmente, pois tais grupos podem ser facilmente provocados. A tarefa essencial para o próximos ano será evitar conflitos e choques sangrentos. Devemos reduzi-los ao mínimo por meio de uma minoria organizada em tempo de greve e em tempo de paz. Impedir uma concentração fascista é uma questão de relação de forças. Sozinhos não somos fortes o suficiente. Propomos então, a frente única.
Hitler explica os seus sucessos em seu livro. A social-democracia era muito poderosa. Ele enviou um bando armado com Rudolf Hess a uma concentração da social-democracia. Conta-nos que, no final da concentração, seus trinta rapazes expulsaram todos os operários que foram incapazes de se opor a eles. A partir daí tinha a certeza que venceria. Os operários estavam organizados apenas para pagar as suas mensalidades, sem qualquer preparo para outras tarefas. Devemos, portanto, fazer, agora, o que fez Hitler, mas inversamente. Enviar 40 ou 50 homens para dissolver uma concentração fascista. Isso tem uma importância muito grande; os operário reforçar-se-ão e tornar-se-ão elementos combativos, dirigentes. Os pequeno-burgueses os tomarão a sério. Que sucesso! Isso possui uma enorme importância, à medida que a população está cega, atrasada, reprimida; ela só pode ser despertada por vitórias. Só podemos despertar a vanguarda, mas esta vanguarda pode acordar os outros. Eis a razão pela qual repito que se trata de uma questão muito importante. Minneapolis, onde possuímos camaradas bastante experientes e poderosos, é o lugar em que vemos começar e, assim, dar o exemplo para todo o país.
[1] Frank Hague (1876-1956) foi perfeito de Jersey City, seguidas vezes no entre guerra. Na década de 1930, contrapondo-se à crescente influência da CIO, começa a endurecer a política trabalhista municipal e a repressão. Organizou bancos armados que chegaram a expulsar sindicalistas da cidade. Em 1937 declarou: “eu sou a Lei!”.