Nos últimos tempos, têm-se visto várias manobras de propaganda por parte do Governo, junto da comunicação social, numa tentativa de demonstrar que o Hospital de Santa Maria Maior em Barcelos funciona bem.
Tem-se tentado ludibriar o público referindo que o atual Hospital é um exemplo de eficiência, que talvez necessitasse de melhores condições, mas com as que tem é um exemplo de desempenho e eficácia. Ridículo, é o adjetivo menos agressivo para classificar esta campanha.
Faz lembrar um pouco aquilo que o Ministro de Informação do Iraque, Mohammad Said al-Sahaf, tentava fazer quando afirmava aos jornalistas, em 2003, com os tanques das tropas norte-americanas a entrar na capital iraquiana e à vista destes, que o Iraque estava a ganhar a guerra e que os americanos ainda não tinham sequer entrado no país.
Esta campanha bem montada tem apenas como objetivo demonstrar que o Hospital que actualmente existe em Barcelos serve as necessidades actuais e que, por isso, não é necessário a construção de um novo. E esta “peça teatral” tem conseguido a participação, inclusivamente, de actores que deveriam ser os primeiros a não se incluírem, como é o caso do episódio que contou com a presença do Presidente da Câmara de Barcelos que fez questão de surgir ao lado do Presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Norte (ARS Norte), mas já lá iremos.
A manipulação da realidade é tanto ou mais possível quanto menor for o conhecimento dos cidadãos sobre os acontecimentos. Por esse motivo, iremos desmontar neste artigo algumas das ideias que se têm tentado vender nestes últimos tempos:
31/07/2018: “Hospital de Barcelos renova 20% das suas camas” (in Diário do Minho) 1
O que não é referido nesta peça jornalista é que estas camas vão substituir outras que estão colocadas nos corredores do Hospital! Não são camas para os quartos de internamento, porque não há quartos de internamento suficientes, mas sim para os corredores do Hospital. A verdade é que, como a Ordem dos Enfermeiros já o tinha denunciado, no final do ano passado, há doentes internados nos corredores ao longo dos 12 meses do ano, onde não existe o cumprimento de regras básicas de controlo de infeção e onde já se encontram instaladas calhas e cortinas fixas para a perpetuação desse facto.
Mais! Alguns doentes da urgência são colocados, por falta de outros espaços, nos claustros envidraçados onde funciona esta valência, que não possui sistema de climatização. Pode-se imaginar o sofrimento destas pessoas nos dias mais quentes ou frios do ano.
O que nos parece estranho também, é o facto de a Câmara Municipal de Barcelos, na pessoa do seu Presidente, compactue com este esboço de realidade, estando presente nesta cerimónia, quando, por outro lado, tenta passar a ideia que está a fazer tudo ao seu alcance para pressionar o Governo PS para a necessidade da construção de novo Hospital. Imagine-se que um determinado doente tem um dedo do pé em avançado estado de necrose, cujo único procedimento possível seria a amputação desse dedo. Ora bem, o nosso doente imaginário vai ao médico e este decide colocar-lhe…um penso! O melhor penso possível, mas um simples penso no dedo. É comparável ao que foi feito pela Câmara de Barcelos no Hospital.
O Hospital de Barcelos “small is beautiful”2
De facto, se não fossem os trabalhadores e os esforços suplementares que todos os dias lhes é exigido, o Hospital de Barcelos seria ainda pior. De acordo com o Relatório Social do Ministério da Saúde e do Serviço Nacional de Saúde, do ano 2017, divulgado pela ACSS – Administração Central dos Serviços de Saúde, I.P., o Hospital de Santa Maria Maior, E.P.E. de Barcelos, registou um aumento de 42,7% do volume de trabalho suplementar, entre 2014 e 2017, destacando-se o aumento de 474% (!!) do volume de trabalho suplementar do pessoal de enfermagem. Apenas não são divulgados os números do trabalho suplementar de assistentes técnicos e operacionais, senão seriam números também assustadores.
De facto, os dados dos relatórios de Gestão e Contas de 2010 e de 2016 (último ano cujo acesso se encontra disponível) demonstram que o Hospital de Barcelos perdeu 29 profissionais de enfermagem, assistentes administrativos, assistente operacionais e técnicos superiores de saúde (9, 9, 10 e 1 respetivamente), registando um aumento do número de dirigentes, médicos e técnicos superiores.
Poder-se-ia dizer que o aumento do número de médicos se deveu ao aumento de especialidades ou de atividade médica. Errado! Após a perda da maternidade em 2007, o Hospital tem perdido especialidades, sendo o facto mais grave o de não contar com a especialidade de anestesiologia para a atividade cirúrgica programada.
Então e a atividade geral do Hospital? Essa deve ter aumentado com um maior número de médicos, certo? Errado, novamente! Os dados destes dois relatórios permitem verificar que o número de consultas externas diminuiu (menos 14% que em 2010), o número de atendimento na urgência diminuiu (menos 15 % que em 2010) e o número de cirurgias também diminuiu (menos 9 % que em 2010). Então como justificar o maior número de médicos? Essa é uma questão que se deve a uma ideia criada pelo Governo PSD/CDS para o SNS, em 2004, com a criação do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) que já iremos abordar.
“Este hospital que parecia estar “condenado” ao encerramento, está agora, pela terceira vez, no 1º lugar do Grupo B, de hospitais de pequena dimensão, na avaliação independente feita a 41 dos 50 hospitais públicos portugueses.” (in RTP 1)
Então se os dados e as condições do Hospital são más, como pode o Hospital de Barcelos receber prémios de bom desempenho na avaliação independente?
Bom, em primeiro lugar é preciso saber quem fez a avaliação. A tal chamada “avaliação independente” é realizada por uma multinacional espanhola designada por IASIST. A IASIST é uma consultora que tem interesses económicos e comerciais no sector privado da Saúde. Em Espanha, esta empresa foi contratada para fazer um estudo semelhante aos hospitais, a Federação das Associações de Defesa da Saúde Pública espanhola questionou a idoneidade desta entidade. Logo aqui se colocam algumas dúvidas sobre a qualidade independente desta avaliação.
E o que é avaliado então por esta empresa? “O ‘TOP 5 – A excelência dos Hospitais Portugueses’ não inclui apreciações sobre a qualidade e a adequação da estrutura hospitalar, listas e tempos de espera para consulta, internamento, hospitais de dia ou cirurgia. Do mesmo modo, não são apreciadas as condições hoteleiras proporcionadas aos doentes, bem como os seus níveis de satisfação.” refere a publicação de 2016 da IASIST.
Não avalia a satisfação dos doentes, não inclui apreciações sobre a qualidade e a adequação da estrutura hospitalar, sobre listas e tempos de espera…avalia exatamente o quê mesmo? “…A base de dados da morbilidade hospitalar – fonte de informação única e oficial dos doentes com alta devidamente classificados no universo SNS. Suplementarmente, utilizamos indicadores económico-financeiros publicados no site da ACSS, criado para efeitos de benchmarking. Contudo, pode existir apenas um fator que pode influenciar os resultados obtidos: a falta de uniformização no rigor e exaustividade dos registos clínicos. Estamos conscientes de que tais desconformidades podem provocar vieses na robustez da informação recolhida.” pode ler-se na mesma publicação.
Ou seja, este prémio é atribuído aos hospitais que têm relações económico-financeiras mais vantajosas. Mas não estamos a falar de um prémio relacionado com Saúde? A Saúde também tem de dar lucro? Entram nestas contas o valor de 137.587,84 € que o Estado tem de pagar anualmente pelo aluguer dos edifícios do atual Hospital à Santa Casa da Misericórdia de Barcelos? Diminuindo a atividade, como já foi demonstrado que aconteceu, não seria expectável que os aspetos financeiros do Hospital melhorassem? Além disso, os relatórios de Gestão e Contas de 2010 e de 2016 do Hospital de Santa Maria Maior demonstram que o número de camas disponíveis diminuiu entre 2010 e 2016 (menos 7 camas). Bem vistas as coisas, talvez possamos concluir que se melhorou o rendimento económico-financeiro à custa da perda de serviços e diminuição da prestação de serviços. Logicamente que a morbilidade hospitalar também terá indicadores mais positivos com a diminuição da actividade. Tratando-se de um indicador estatístico, se menos pessoas forem atendidas, melhores probabilidades dos valores de morbilidade serem melhores.
Por outro lado, existem questões que não são levantadas pela comunicação social e que deveriam ser, como por exemplo o mistério do TAC desaparecido…vejamos:
O Saúde on-line, a 20/12/2016, referia:
“A Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) informou que a tutela vai assumir os custos da aquisição de um equipamento de tomografia axial computorizada (TAC) para o Hospital de Barcelos. Isto no mesmo dia em que o Hospital de Barcelos lançou uma campanha de recolha de fundos para adquirir aquele equipamento.”
“Tendo presente algumas notícias vindas a público dando conta do lançamento de uma campanha pública com vista à aquisição de um equipamento de Tomografia Axial Computorizada (TAC) para a Unidade Hospitalar de Santa Maria Maior, Barcelos, cumpre esclarecer que, no quadro das competências adstritas ao Ministério da Saúde e após análise da justificação apresentada pela referida unidade hospitalar, a aquisição do equipamento em apreço foi já assumida pela tutela com o recurso a verbas constantes do orçamento do Serviço Nacional de Saúde”, refere a ARSN, em comunicado enviado à Lusa.
Esta informação da ARSN surge no mesmo dia em que o Hospital de Barcelos lançou, na presença do bastonário da Ordem dos Médicos, uma campanha de recolha de fundos para adquirir uma máquina de TAC.
A campanha pretendia recolher donativos, junto da população em geral, de empresas, Câmaras Municipais ou Juntas de Freguesia, para comparticipar a compra do equipamento, avaliado em 350 mil euros.
“Uma vez que a tutela assume o investimento, a campanha acaba no dia em que começou. Pode dizer-se que esta foi uma das campanhas mais rápidas de sempre”, referiu à Lusa o diretor clínico do hospital.
Segundo Rui Guimarães, o Hospital de Barcelos tinha tido, na sexta-feira, luz verde da tutela para acabar com as “chapas” do raio X, substituindo-as por um processo digital.
“Entusiasmados com essa boa nova, e porque temos consciência de que o Serviço Nacional de Saúde tem muitas solicitações e não pode responder a tudo ao mesmo tempo, decidimos avançar com a campanha da TAC. Felizmente, também esta questão está resolvida”, acrescentou.
O Hospital de Barcelos requisita atualmente, por ano, cerca de 7.000 TAC a entidades externas.
Os doentes são, assim, obrigados a deslocações ao exterior, o que, como hoje sublinhou o administrador do Hospital, Joaquim Barbosa, “acarreta alguns riscos” para os utentes.
Depois da informação de hoje da ARSN, Rui Guimarães lembra que, além da questão da segurança e da comodidade dos doentes, a máquina TAC vai ainda contribuir para a eficiência económica do Hospital, já que os exames vão deixar de ser requisitados e pagos a entidades externas.” In Saúde on-line, 20/12/2016
Ficou-se agora a saber, que terminou, no final de Julho de 2018, o prazo de apresentação de orçamentos a fornecedores do equipamento. Continuam a ser feitas mais de 7 000 TAC’s a entidades externas. Quem ganhará com tudo isto?
O SIGIC é outra parte desta novela que em que se transformou o Hospital Santa Maria Maior de Barcelos e que deveria também ser alvo de investigação. Numa tentativa de diminuir a lista de espera para cirurgias, em 2004, o Governo de então criou o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC). Este sistema prevê que quando o hospital não consegue dar resposta a um utente que está inscrito para fazer uma cirurgia, num tempo clinicamente aceitável, este seja encaminhado para outra unidade hospitalar pública ou privada convencionada e a contagem recomeça do zero. Contudo, no caso de este também não conseguir cumprir o prazo, o utente recebe um vale-cirurgia, que poderá usar num conjunto de hospitais privados ou sociais com convenção com o Serviço Nacional de Saúde.
O que não é descrito neste programa, é que os Hospitais que aceitem fazer parte deste sistema recebem incentivos financeiros para distribuir pelos trabalhadores que aceitem a realização destas cirurgias. O que se passa no Hospital de Barcelos é que os médicos e os enfermeiros que aceitem fazer parte deste sistema recebem incentivos por cada cirurgia que façam, sendo que no Hospital de Barcelos apenas se fazem cirurgias que não exijam recobro ou com tempos muito reduzidos pois o Hospital não tem condições para recobros longos. Dessa forma, se poderá justificar os elevados valores de cirurgias de oftalmologia e ortopedia. Porque é que estas cirurgias não são realizadas sem a necessidade destes incentivos? Talvez aqui o small não seja tão beautiful.
Se para a banca e para a elite empresarial do país não faltam fundos estatais ou comunitários, para o SNS vão quantias irrisórias que garantem apenas um serviço de saúde deficitário. Não é só em Barcelos que existem situações deste género, senão vejamos: no Hospital S. João no Porto, a ala pediátrica funciona “provisoriamente”, há uma década, em contentores. Enquanto Centeno não disponibiliza as verbas necessárias para as obras, crianças com doenças oncológicas fazem quimioterapia nos corredores, como denunciaram recentemente alguns pais. Em Lisboa, no Hospital Santa Maria, tem havido tratamentos adiados a doentes oncológicos. O Centro Hospitalar Tondela -Viseu, para além de ter inúmeros serviços em rutura, devido às restrições orçamentais, que impedem a contratação de trabalhadores, não tem qualquer mamógrafo. A obsessão de Centeno e Costa com o défice sobrepõem-se às vidas dos que cá vivem.
A finalidade do relato aqui feito serviu apenas para demonstrar e afirmar ainda mais veemente a necessidade de um novo Hospital para Barcelos, assim como de muito mais investimento no SNS. Não são notícias que falseiam a realidade que vão conseguir manipular a vontade e a necessidade da população dos concelhos de Barcelos e Esposende.
Estamos e estaremos sempre atentos e prontos para repor a verdade. O Hospital novo em Barcelos já devia estar construído há vários anos!
Paulo Martins