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O que nos ensina o caso Ricardo Robles?


O chamado caso Ricardo Robles dominou a comunicação social nos últimos dias. Os acontecimentos são conhecidos. No final da semana passada saiu a público que o vereador lisboeta do BE estaria prestes a vender um prédio em Lisboa por quase seis milhões de euros, prédio este comprado à Segurança Social por “apenas” 347 mil euros.

Robles terá comprado o prédio, quando já era deputado municipal e, com a irmã, investiram mais de 500 mil euros em obras. Entre outras coisas, terá sido “acrescentado um andar e remodelado em onze pequenos apartamentos [1]”. Tratava-se pois, aparentemente, de uma remodelação que visava adaptar o prédio para o Alojamento Local, tendo sido declarado nas finanças que se trava de um imóvel destinado a arrendamento. Robles afirmou que não comprou o prédio com a pretensão de o vender, mas sim que pretendia ajudar a irmã, co-proprietária. Mudanças nos planos familiares, teriam levado a que o prédio fosse colocado à venda… por um valor 17 vezes mais alto do que aquele pelo qual havia sido comprado! Evidentemente, este negócio – e as frágeis explicações do vereador – entrou em contradição com a política central da campanha que o elegeu: o combate à especulação imobiliária.

É também certo que estas notícias não vieram a público por acaso. Alguns meios de comunicação orquestraram uma campanha contra Robles e o BE, recorrendo a mentiras e distorções. O PSD, imediatamente, exigiu a demissão do vereador. A Associação Portuguesa de Proprietários de Imóveis aproveitou para exigir que o BE retirasse todas as propostas contra a especulação. Um exército de comentadores condenou o bloquista de forma mais dura do que alguma vez criticaram casos como a Tecnoforma de Passos ou os Submarinos de Portas.

 

As contradições de Robles

O MAS apoiou e participou na campanha eleitoral do BE em Lisboa, que conseguiu eleger Ricardo Robles. Fizemo-lo apesar de criticarmos a política do Bloco de acordos com o PS. Apoiámos Robles porque em campanha atacou frontalmente a política de Medina na CML e a especulação imobiliária, além de ter aproximado e apoiado diversas lutas de moradores, como a da Rua dos Lagares, na Mouraria. Com o acordo feito com Fernando Medina, Robles e o Bloco demonstraram como afinal todas as suas críticas à política do PS em Lisboa era apenas um discurso eleitoral. Robles entrou no executivo de Medina aceitando um programa que em nenhuma medida ataca a especulação imobiliária. Pelo contrário, em grande medida é um programa que visa enquadrar e alimentar a bolha imobiliária que se vive em Lisboa. Por isso, o MAS foi publicamente contrário a este acordo, como grande parte dos militantes bloquistas de Lisboa.

Agora, mais uma vez, somos obrigados a criticar duramente a conduta de Robles, que foi eleito também com o nosso voto. Um dirigente de esquerda que não entende que, já no exercício das funções de deputado municipal, se deve abster de comprar edifícios que são propriedade pública em negócios que envolvem milhões, não pode ocupar este tipo de cargos. Durante a maior onda de despejos em décadas, fazer negócios imobiliários de milhões, mesmo não despejando ninguém, demonstra uma falta de empatia total com aqueles que diz defender, os moradores pobres. Só quando se vê a luta contra a especulação como algo confinado ao plano institucional é que se pode pensar que é possível ser porta-voz desta luta e estar envolvido num negócio desta natureza. E pensar ser possível passar sem qualquer escrutínio ou que este negócio não seria mal visto pelos seus camaradas e eleitores, revela um total afastamento daqueles que o colocaram no lugar de vereador.

Pode argumentar-se que, objetivamente, Robles não fez nada que possa ser considerado imoral. Porém, demonstra-se que o vereador bloquista estava longe de ser um bastião da seriedade e da coerência. Alguém que se dedica a negócios desta natureza pode até ser militante de um partido de esquerda. Se tiver provas dadas de confiança e seriedade, pode até cumprir um papel de destaque. Mas não pode protagonizar uma luta contra a especulação imobiliária. O BE e Robles aprenderam isso da pior maneira.

A forma como o BE sai desta crise, dirá muito sobre o tipo de partido que é. Se se limitar a substituir Robles, mais não faz do que seguir o funcionamento normal dos partidos do regime. Sem uma reflexão de fundo, nem a esquerda em geral, nem o Bloco em particular sairão fortalecidos.

Se tudo se reduzir a uma mera troca de protagonistas, novas contradições e crises ocorrerão no futuro. É fácil prever que, à medida que as responsabilidades da CML na actual onda de despejos fiquem evidentes, a posição de qualquer vereador na luta pela habitação no excutivo da Câmara se irá tornar bem complicada. Ficar ao lado de Medina a combater os despejos é insustentável. Na nossa modesta opinião, é necessário que o BE retome a política que apresentou na camapanha eleitoral e lhe permitiu ter um vereador: a crítica contundente à política de Medina e da CML e o reforço das lutas de base contra os despejos como aconteceu na Rua dos Lagares [2]. É esse o deasfio que está colocado: regressar a uma política de oposição de esquerda, ao PS, aos despejos e à espculação, fomentando a luta e a organização de base. Em Lisboa e no país.

 

De que tipo de partido e lideranças precisamos?

Este caso não é mais que o sintoma de um problema maior. Não surge do seu protagonista nem é um mero problema individual de Robles. O facto de isto ser possível acontecer, reflete uma estratégia política e um modelo de partido.

O BE, ao abdicar de um perfil verdadeiramente anticapitalista e ao atuar centralmente “por dentro” das instituições, forma os seus quadros em círculos cada vez mais afastados das classes populares e trabalhadoras. A vida política dos dirigentes já não é nas greves, nas reuniões de base ou nos movimentos. A “militância” passa a ser no Executivo da Câmara, nas negociações com o PS ou nos gabinetes do Parlamento. Em vez dos trabalhadores, dos imigrantes ou dos ativistas, os dirigentes partidários estão rodeados de deputados, advogados e burocratas. Aos poucos, inicia-se a adaptação paulatina ao meio. Não é um problema individual, mas político-social.

É impossível não comparar este caso com o escândalo recente no Estado Espanhol, quando o líder do Podemos, Pablo Iglesias, comprou um Chalet de 600 mil euros. Tal como o BE, o Podemos surgiu das lutas e dos movimentos de base e rapidamente se integrou, com sucesso, no regime político. O mesmo contexto gerou as mesmas maleitas, com sintomas quase idênticos.

Mais uma vez, levanta-se a questão: para uma luta anticapitalista, que tipo de partido precisamos de construir? Onde e como vamos forjar as lideranças que, de facto, representem os trabalhadores mais explorados e a população mais oprimida? Como podem as bases controlar os dirigentes? E mais uma vez, vemos que partidos como o BE ou o seus congéneres europeus, como o Podemos ou o Syriza, não conseguem responder positivamente a estes problemas. Muito menos partidos como o PCP, também ele cruzado por polémicas e derrotas eleitorais recentes, sem que nada mude na vida do partido.

Como é sabido, o MAS apoiou Robles e o BE nas últimas autárquicas, pois convergíamos em pontos centrais de crítica à Governação de Medina e no direito à habitação.

Porém, o nosso projeto é o de um partido diferente. A totalidade dos dirigentes e porta-vozes do MAS são trabalhadores assalariados: professores, operários, assistentes operacionais, operadores de call-center, bancários etc. Estamos dispostos a todas as unidades na luta, mas não apelamos a que os trabalhadores apoiem governos dos partidos do sistema, seja a direita ou o PS. Acreditamos num modelo de partido que dê voz e mecanismos aos mais explorados e oprimidos para se representarem a si mesmos, que nos permita controlar as lideranças. Um partido cujo centro da atividade é a luta dos trabalhadores, tendo como protagonistas as lutadoras e os activistas que são vítimas da exploração e da especulação, não os seus beneficiários.

Na verdade, é essa a discussão de fundo que o caso Ricardo Robles evoca: que tipo de partido precisamos construir para combater o sistema capitalista?

 

Manuel Afonso


Notas

[1] Declaração dos Eleitos da Moção R sobre a Reunião da Comissão Política do BE de 27 de Julho;

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