No próximo mês de Outubro serão realizadas eleições gerais no Brasil. O processo eleitoral ocorre num momento de relativa tranquilidade para a burguesia brasileira e para o próprio governo Lula.
Por um lado, a crise económica internacional, que em 2009 provocou uma queda do PIB de 0,2% (interrompendo um período de vários anos de crescimento), parece dar um respiro ao país: o ministro de Fazenda, Guido Mantega, previu um crescimento entre 5 e 6% para 2010. Apesar de a economia começar a mostrar alguns sintomas de esfriamento e existir a ameaça de uma extensão da difícil situação europeia, a verdade é que, no momento, predomina este panorama, e a palavra “crise” tem desaparecido do discurso dos principais candidatos burgueses.Por outro lado, as eleições também se dão num marco de relativa tranquilidade na luta de classes, só sacudida pelos conflitos que se produzem nas negociações salariais anuais dos diferentes sectores dos trabalhadores.
Uma relativa tranquilidade que se expressa também no fato de que Lula termina o seu segundo mandato com um índice de aprovação próximo a 80%, o mais alto para um presidente desde que este tipo de pesquisa começou a ser feito, duas décadas atrás.
Uma falsa polarização
Dessa maneira, a burguesia brasileira pode novamente fazer um “jogo duplo”, impondo uma falsa polarização entre seus dois principais candidatos: a representante do PT, Dilma Rousseff, e o da oposição de direita, José Serra, ex-governador de São Paulo, pelo PSDB.
Foram eles que protagonizaram um primeiro debate televisivo entediante, no qual Dilma mostrou não ser, ao contrário de Lula, uma figura surgida do movimento de massas, mas do aparelho do PT, limitando-se a garantir a continuidade da política de Lula; enquanto Serra evitou as críticas frontais ao governo e limitou-se a expressar argumentos na linha “nós faríamos melhor”.
Os relatórios sobre as contribuições financeiras das empresas às campanhas mostram que, cada vez mais, uma maioria da burguesia começa a se inclinar a favor de Dilma. E a mesma tendência começam a mostrar as pesquisas de intenção de voto, nas quais Dilma supera Serra pelo menos em 5 pontos percentuais.
A burguesia brasileira, inclusive, impulsiona uma falsa alternativa “pela esquerda” ao governo, com a candidatura de Marina Silva (ex-ministra de Meio Ambiente do governo Lula) pelo Partido Verde, favorecida pela recusa de Heloisa Helena (PSOL) a disputar a Presidência novamente (em 2006, ela havia obtido mais de 6 milhões de votos como candidata da Frente de Esquerda PSOL-PSTU-PCB).
Para além de sua “roupagem verde”, Marina reivindica toda a política económica dos governos do PT e de Fernando Henrique Cardoso, afirmando querer “unir o PT e o PSDB” em seu governo. Expõe, inclusive, posições muito reaccionárias, como a sua rejeição pública ao direito ao aborto livre e gratuito.
Uma realidade muito diferente
A realidade profunda vivida pelos trabalhadores e pelo povo brasileiro, no entanto, está bem longe do optimismo mostrado pela burguesia e pelos seus candidatos. Em contraposição aos lucros recordes que obtiveram os grandes bancos e empresas durante o governo Lula (algo sempre reivindicado publicamente por ele mesmo), o Brasil é o país de mais injusta distribuição de renda do mundo. Enquanto 10% da população mais rica fica com 50% da renda do país, os outros 50% mais pobres recebem apenas 10% (“Desigualdade e Pobreza no Brasil”, IPEA (Instituto de Pesquisa Económica Aplicada), sobre dados e indicadores do Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, IBGE e ONU).
Cifras que se expressam em milhões de brasileiros vivendo na pobreza das favelas, sem acesso aos serviços públicos elementares, na multidão de camponeses sem terra e nos muitíssimos que dependem de planos assistenciais, como o Bolsa Família, para não morrer de fome.
Também tem estado bem longe desse optimismo o impressionante aumento da dívida pública. A dívida externa acumula 282 mil milhões de dólares, e a interna triplicou desde 2008, como um mecanismo para subsidiar bancos e empresas durante a crise, atingindo cerca de um trilião de dólares. O défice em conta corrente (rendimentos fiscais menos pagamentos) pode chegar neste ano a 60 mil milhões. Em outras palavras, um recrudescimento da crise económica internacional encontraria o Brasil em condições bem mais frágeis do que na primeira fase da crise.
Mas “disso não se fala” na campanha eleitoral dos candidatos da burguesia. Como também não se fala da submissão do país e do governo Lula ao imperialismo e o papel que vêm jogando como seus agentes em diversos aspectos, como o de ter contribuído com o principal contingente e liderado as tropas da ONU na ocupação do Haiti.
Difundindo o programa socialista
Em outras palavras, o Brasil é um país muito rico em recursos naturais e em riqueza produzida pelo trabalho, mas cujo povo está condenado à pobreza e a ter as necessidades mais urgentes sem solução, como resultado do saque imperialista e da burguesia brasileira a essas riquezas.
Para reverter esse quadro e satisfazer essas necessidades populares, é necessário superar o capitalismo. Isto é, impor um verdadeiro governo dos trabalhadores, que aplique um programa para mudar radicalmente a estrutura socioeconómica do país. Um programa que inclua medidas como o não-pagamento das dívidas externa e interna, a expropriação sem indemnização e a nacionalização das grandes empresas e bancos nacionais e internacionais, uma profunda reforma agrária que exproprie os latifundiários e distribua essa terra, a redução da jornada de trabalho sem redução de salário e um plano de obras públicas destinado a atender as necessidades populares.
Dessa forma, por meio de um plano económico estatal centralizado, seria possível propiciar um aumento geral de salários que garanta um salário mínimo equivalente à cesta básica completa, emprego para todos, triplicar o orçamento para saúde e educação públicas, moradias dignas para todos e terra para todos os camponeses.
Em outras palavras, é necessária uma revolução socialista. Essa é a proposta e o programa defendido e difundido pelo PSTU, apesar do boicote da grande imprensa e da TV. Especialmente por meio de seu candidato presidencial, José Maria de Almeida (Zé Maria), em numerosos actos e actividades, como vários seminários programáticos realizados em todo o país. E com uma edição especial do jornal Opinião Socialista dedicada ao programa socialista para o Brasil, que está sendo vendida nas portas de fábricas e empresas.
O PSTU também tem uma postura internacionalista e antiimperialista em sua campanha: levanta como bandeira a imediata retirada das tropas brasileiras do Haiti e a sua substituição por médicos, técnicos e especialistas que ajudem realmente o povo haitiano, castigado duramente pelo último terramoto. E a imediata ruptura de relações diplomáticas e comerciais com o Estado genocida de Israel e o apoio à luta do povo palestiniano para recuperar seu território.
Disputar a consciência dos trabalhadores
O PSTU não acha que uma transformação socialista possa chegar por meio de um processo eleitoral ou das instituições parlamentares burguesas. Ela só poderá se produzir como resultado de um profundo processo de organização e luta dos trabalhadores e das massas e pela tomada do poder.
No entanto, é absolutamente imprescindível que um partido revolucionário difunda e defenda o programa socialista nos processos eleitorais para discuti-lo com milhões de trabalhadores e, assim, disputar sua consciência com a influência da burguesia. Esse era, precisamente, um dos pontos centrais nos critérios que a III Internacional, em vida de Lenine, postulava para a intervenção de um partido revolucionário nos processos eleitorais burgueses. Porque cada trabalhador ganho para esse programa é um passo adiante em uma perspectiva de luta mais estratégica.
O PSOL abandona a defesa do socialismo
Por outro lado, nestas eleições, a defesa do programa socialista tem ficado basicamente nas mãos de Zé Maria e dos demais candidatos do PSTU. O candidato de esquerda que vem recebendo mais espaço nos meios de comunicação e pôde participar do debate na TV, Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, o abandonou explicitamente. Em uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo (01/08/2010), Plínio declarou: “eu não pretendo implantar o socialismo no Brasil, nem é a pretensão de meu partido agora. Vou fazer uma proposta dentro de marco do capitalismo. As únicas formas socializadas que vamos ter são a saúde e a educação”. Segundo Plínio, isto é o que indica o “bom senso”.
Em outras palavras, uma nova versão das já claramente fracassadas propostas de “reformar” ou “humanizar” o capitalismo, que têm tropeçado, inexoravelmente, na negativa do capitalismo imperialista a ser reformado ou humanizado. Ao mesmo tempo, agora ficam expressas com muito maior clareza as profundas diferenças programáticas que impediram a reedição da frente eleitoral de esquerda de 2006.
Impulsionar as lutas e a organização dos trabalhadores
Na divulgação do programa socialista na campanha eleitoral, o PSTU trata de unir esse programa à realidade cotidiana dos trabalhadores. Por um lado, tenta explicar de modo simples como essas medidas se relacionam com a resolução de suas necessidades mais concretas, como os salários, o emprego, a saúde, a educação ou a moradia, que só poderão ser resolvidas de modo definitivo se essas medidas forem aplicadas.
Por outro lado, trata-se de apoiar e impulsionar as lutas concretas que os trabalhadores e o povo levam adiante, como, por exemplo, a greve vitoriosa por uma melhor PLR (Participação nos Lucros e Resultados) e melhoria nas condições de trabalho que realizaram os trabalhadores da CAF (multinacional espanhola fabricante de trens) da cidade de Hortolândia (SP), ou a campanha salarial conjunta, proposta do Sindicato Metalúrgico de São José dos Campos, que realizaram os sindicatos que agrupam os trabalhadores da indústria de veículos em várias regiões do país.
Neste marco, trata-se também de impulsionar a organização unitária dos trabalhadores e dos sectores populares para lutar por essas reivindicações, como o fizeram os militantes do PSTU impulsionando a central fundada no congresso realizado em junho passado, na cidade de Santos, a CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular).
Por último, ainda que não menos importante, impulsionar e avançar na organização política dos trabalhadores, especialmente nos “batalhões pesados” dos principais ramos da produção. Por exemplo, cerca de 200 petroleiros do Rio de Janeiro assinaram uma declaração de apoio à candidatura de Zé Maria. E o mesmo fizeram 500 trabalhadores de São José dos Campos (SP), em sua maioria metalúrgicos.
Em definitivo, nestas eleições, a burguesia brasileira tem duas alternativas principais e várias secundárias. Frente a elas, existe uma única alternativa verdadeiramente operária, de luta e socialista: a apresentada pelo PSTU e Zé Maria.
Uma falsa democracia
A burguesia apresenta os processos eleitorais como a máxima expressão de “sua” democracia porque, neles, os trabalhadores e o povo “elegem livremente” os seus representantes e dirigentes.
Isso é totalmente falso. Os partidos apoiados pela burguesia contam, para desenvolver suas campanhas, com recursos qualitativamente superiores aos dos partidos operários e/ou de esquerda. Em primeiro lugar, pelas grandes contribuições financeiras que, direta ou indirectamente, recebem de empresas e empresários.
O PSTU recusa taxativamente receber qualquer contribuição financeira da burguesia porque isso representa, de fato, um compromisso ou dívida que, cedo ou tarde, será cobrado politicamente. Como se diz no Brasil, “quem paga a orquestra, escolhe a música”. O PSTU financia as despesas de sua campanha com contribuições recebidas dos trabalhadores e de seus membros e simpatizantes. Esta é a garantia de sua independência política frente aos patrões e seus governos, e isso é o principal. Mas, ao mesmo tempo, é uma limitação em suas possibilidades de desenvolver uma grande campanha nos meios de comunicação.
Algo que, por outro lado, é acentuado pela legislação que discrimina os tempos gratuitos obrigatórios outorgados na TV, segundo o número de deputados que possua cada partido ou coalizão. O que significa que o PSTU recebe menos de um minuto a cada apresentação (são 3 dias por semana) enquanto o PT ou o PSDB utilizam, respectivamente, cerca de 10 e 8 minutos a cada período. Ao contrário de países como França ou Portugal, em que os tempos se dividem por igual entre as candidaturas registadas, aqui os partidos minoritários são completamente discriminados.
Essa mesma legislação determina que, nos debates na TV dos candidatos presidenciais ou de cargos como governador, as emissoras de TV só devem convidar obrigatoriamente os partidos com representação parlamentar. Poderiam convidar voluntariamente os demais candidatos, mas não o fazem. Ocorre que as redes de TV têm interesse em convidar somente as opções que consideram “razoáveis”. Assim sucedeu no debate da Rede Bandeirantes e deve ocorrer nos que se realizarão na Record e na Globo. Dessa forma, discriminam claramente vários partidos de esquerda que, como o PSTU, o PCB ou o PCO, não podem participar desses debates.
Por isso, diferentemente do PSOL que, por meio de Plínio, ao ser convidado, reivindicou o carácter democrático do debate da Rede Bandeirantes, o PSTU denuncia seu carácter discriminatório e exige a participação de todos os candidatos.
Zé Maria e Lula
Uma mesma origem, duas trajectórias
As histórias de Lula e Zé Maria têm uma origem comum: ambos iniciam suas trajetórias como operários metalúrgicos na região do ABC (Grande São Paulo) e na explosiva onda de greves operárias contra a ditadura, no final da década de 1970. Em algumas dessas greves, inclusive, foram presos juntos. É o marco da fundação da CUT e do PT.
Lula utilizou esse prestígio e essas organizações, primeiro, para frear as lutas e, depois, para impulsionar sua ascensão ao poder e governar para a burguesia.
Por sua vez, Zé Maria manteve-se fiel à sua classe e à sua luta. Em 1992, foi expulso do PT por opor-se ao giro cada vez mais à direita do partido e à proposta de governar junto com a burguesia. Em 1994, impulsionou a fundação do PSTU. Do mesmo modo, a partir de 2004, rompeu com a CUT, transformada em uma agência do governo de Lula, e impulsionou a construção da Conlutas, em 2005, e da CSP-Conlutas, em junho passado.
Zé Maria também continua fiel às suas ideias socialistas, as quais defende, como único candidato operário neste processo eleitoral, com a mesma paixão de 30 anos atrás.