No dia 06 de junho, uma nova marcha contra a violência machista e por uma educação não sexista reuniu 100 mil pessoas na capital do Chile, Santiago, segundo os organizadores. Esta quarta mobilização foi chamada por federações estudantis e pela Coordenação Feminista Universitária. Já são dois meses de mobilizações estudantis contra violências sexuais nas universidades. O movimento se espalhou pelo país e é considerado a maior rebelião feminista no Chile.
Desde o mês de abril, milhares de jovens chilenas se mobilizaram para denunciar o abuso sexual e todas as formas de machismo que sofrem diariamente. Mais de 20 universidades estão atualmente ocupadas e paralisadas parcialmente. Uma primeira marcha com 150 mil pessoas aconteceu em 16 de maio, organizada por 40 assembleias de estudantes feministas. Foi seguida de outra em Valparaíso, no 01 de junho, nos arredores do Congresso Nacional, onde o presidente Piñera pronunciava seu discurso anual frente ao Parlamento.
Enormes bandeiras cobriram as fachadas das mais prestigiosas instituições de ensino superior do país. Entre os slogans lia-se: “Não ao assédio sexual e à impunidade”, “educação sexual pública, feminista e de gênero”, “Educação não sexista para eles pararem de nos matar”, “as meninas nunca devem ter medo de serem inteligentes”. Tantas mensagens para denunciar o sexismo e dezenas de casos de assédio sexual ignorados pelas autoridades e que comprovam que a violência de gênero está enraizada na sala de aula.
O movimento iniciou-se na Universidade Austral do Chile, no sul do país, com a denúncia de duas estudantes contra seus professores, por abusos sexuais, continuou na Universidade de Santiago com denúncias similares contra um professor, ex presidente do Tribunal Constitucional. Essas denúncias repercutiram pelas redes como uma caixa de Pandora e milhares de jovens se identificaram com elas; o movimento se espalhou como um rastilho de pólvora. As estudantes exigem o estabelecimento de um protocolo a ser aplicado em caso de assédio sexual, bem como a punição dos agressores, uma política de prevenção, tolerância zero para certos comportamentos, desenvolver uma lei de violência de gênero. Outras exigências foram adicionadas: legalização do aborto, contra a desigualdade salarial, contra feminicídios brutais.
A mobilização que veio a luz agora, vem de longe: surge do movimento, “Nem uma a menos” e do movimento estudantil a favor da educação pública de 2011 e, em 2015; as primeiras assembleias contra abusos de professores ilustres. Em 2016, nasceu a COFEU, Comissão de gênero da Confederação dos estudantes do Chile, que coordena hoje o movimento. Como muitos outros países, o Chile é um país machista. Em 2017, houve 36 feminicídios e 96 tentativas de assassinato de mulheres. No mesmo ano, foram registradas 22.540 denúncias de abuso sexual, quase três a cada hora, segundo dados da promotoria chilena. 63% das mulheres afirmam que se sentiram discriminadas ou violadas em algum momento, número ainda maior entre mulheres de 18 a 35 anos. 91% da população afirma que é necessário fazer mudanças para alcançar a igualdade. A mobilização atual tem um amplo apoio popular de 71%.
Por uma educação não sexista
Segundo Valentina Gatica, presidente da FEUACH Valdivia, os regulamentos existentes não estão sendo suficientes para garantir a segurança das mulheres da comunidade universitária: “Os casos aumentaram tanto que, infelizmente, não têm sido possível acompanhar os casos e os processos têm sido muito irregulares”. Muitas companheiras que fizeram denuncias ainda estão tendo que conviver com aqueles que as atacaram. Por outro lado, há uma dissimulação acadêmica na universidade em casos contra funcionários públicos. A visão das direções universitárias é reeducar os professores, não chegar e expulsá-los”.
“A coisa mais importante para se atingir o que as estudantes estão reivindicando, no sentido de parar a violência e assédio sexual que sofrem, é a educação não-sexista, e isso teria que começar desde a mais tenra infância” comentou Teresa Valdés, coordenadora do Observatório do Gênero e Equidade. “A demanda por uma educação não-sexista apela para a necessidade de se entender a educação com um novo projeto, que exige outro modo de pensar e relacionar-se com o interior dos espaços educacionais e com a sociedade como um todo.”
Agenda de gênero?
O governo, pego de surpresa, em um primeiro momento minimizou os fatos, até que a ministra dos Direitos da Mulher, Isabel Pla, lembrou que “não há nenhuma razão no Chile para situações de violência, de assédio sexual, estupro ou feminicídio permanecerem impunes”. O governo convidou reitores e estudiosas da violência contra as mulheres para analisar o problema, mas não chamou as alunas. Frente ao crescimento e apoio popular do movimento, forçado a reagir, o presidente Sebastian Piñera apresentou dia 27 de maio uma “Agenda de gênero” com um conjunto de 12 propostas para lutar contra as desigualdades, como incluir a igualdade de gênero na CPE (Constituição Política do Estado) e proporcionar condições para uma maior integração das mulheres no trabalho. Mas nenhuma responde às demandas levantadas pelo movimento.
Agora, queremos a renúncia do ministro da Educação!
O descontentamento em relação à “agenda de gênero” foi imediato. Cristina Luna, responsável pelo Coordenadora Feminista da Universidade (Codeu) da região de Valparaíso, enfatizou: “Em relação à educação não-sexista, não ouvimos nada”. “O piso para iniciar as conversações, agora, é a renúncia de Gerardo Varela, o ministro da Educação, que recebeu duras críticas por minimizar o assédio às mulheres. Precisamos de um interlocutor que entenda as demandas que estamos propondo e que não as considere como pequenas humilhações que recebemos nas salas de aula e na sociedade em geral”, concluiu Luna.
O ressurgimento das lutas feministas segue uma tendência mundial, mas se combina no Chile e na América Latina (como as lutas pelo aborto legal, seguro e gratuito, na Argentina por exemplo) com o peso histórico de uma educação muito conservadora e machista, em um país onde as questões feministas não faziam parte tradicionalmente da agenda pública. A 50 anos de Maio de 1968 esta rebelião surge com a força de uma nova geração que vai além do tema do assédio sexual, busca uma mudança na estrutura social. O feminismo, como movimento histórico em busca da igualdade entre homens e mulheres, está se renovando com a geração de jovens que invadiram as ruas e os campi universitários. Um feminismo rejuvenescido que abre portas e espaços para problemas urgentes que estão há muito tempo no subsolo. Esse novo #MeToo chileno precisa de toda a nossa solidariedade.
Joana Benario, São Paulo/SP – Esquerda Online
PARA SABER MAIS
https://www.lemonde.fr/…/2018/…/au-chili-des-centaines-d-etudiantes-occupent-des-uni…
http://www.elmostrador.cl/noticias/opinion/2018/05/26/agenda-de-genero-vigilar-y-castigar/
Fotos: Felipe Vargas, El Mercurio, Fuente: Emol.com