Em 8 dias, terminou um longo governo de quase 7 anos do Partido Popular (PP) de Mariano Rajoy no estado espanhol. Logo após ter logrado aprovar o orçamento de estado para o próximo ano, que lhe garantia a governação até ao final da legislatura, rebentou a bomba da sentença judicial sobre o processo Gürtel.
A sentença declarava culpados tanto o ex-tesoureiro do PP como o próprio PP dum esquema de corrupção e pagamentos paralelos a dirigentes de cúpula deste partido, incluindo o próprio Rajoy. Um esquema em tudo parecido ao que lemos sobre a EDP, Manuel Pinho e afins. Lá como cá, como é próprio e inerente ao capitalismo, a corrupção é parte integrante do sistema de negócios. Lá como cá a porta giratória de políticos que assumem cargos nas principais empresas e vice-versa é o pão nosso de cada dia.
No entanto, explicar a queda de Rajoy apenas pela acção e sentença judicial por corrupção é tapar o sol com a peneira. Depois de um período de meses para formar um novo governo após as eleições de 2015, em que o PP perdeu milhões de votos a par do Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE), Rajoy não teve descanso com constantes mobilizações contra o seu governo, em especial a fortíssima revolta pela autodeterminação e independência na Catalunha.
Ciudadanos
O processo catalão afundou o PP nas sondagens e nas eleições catalãs em que ficou como último grupo parlamentar, no entanto, quem capitalizou esse desgaste não foi a tradicional alternância do PSOE mas o novo partido de direita espanholista de nome Ciudadanos.
Ciudadanos que, embora se afirmem europeístas, são uma direita nacionalista de cara lavada que se apresentam contra a corrupção. Foram os principais defensores da aplicação do artigo 155 da Constituição espanhola sobre a Catalunha. Quando Rajoy dizia “mata”, eles diziam “esfola” aos independentistas catalães.
Perante a condenação judicial do PP, o Ciudadanos queriam que se convocasse eleições desde já, embalados pelo primeiro lugar que as sondagens lhes atribuem. Para eles só assim faria sentido aprovar uma moção de censura. De outra forma, mesmo reprovando Rajoy, não estavam de acordo com que o PSOE assumisse o governo.
Podemos
As últimas sondagens dão ao Ciudadanos e ao Podemos, respectivamente, como primeira e segunda forças políticas. O Podemos percebeu que dentro do quadro mundial e europeu a vantagem em eleições imediatas seria do Ciudadanos então fez de tudo para que o PSOE apresentasse uma moção de censura e um governo para substituir o do PP. Colocaram a convocação de eleições como segunda hipótese, apenas para pressionar Pedro Sánchez, líder do PSOE, a avançar.
Com a União Europeia a tentar tapar a fissura do novo governo em Itália, Sánchez, não teve outro remédio senão avançar ainda que sem a certeza de que a moção de censura passasse. Para tal, necessitava, além dos votos do Podemos, dos votos dos independentistas catalães e dos do partido da burguesia basca, o Partido Nacionalista Basco (PNV). Estes últimos foram os mais difíceis de de serem convencidos porque 8 dias antes tinham votado a favor do orçamento de Rajoy a troco de quase 600 milhões de euros em investimento no País Basco. Mas não apoiar a moção de censura do PSOE colava-os à corrupção e a um morto-vivo que era Rajoy. Sánchez facilitou-lhes a vida, declarando que não iria modificar o orçamento votado e que os investimentos para o País Basco se manteriam. Com isso o PNV cedeu e retirou o apoio a Rajoy.
PSOE e seu novo governo
O PSOE garantia assim, a aprovação da moção de censura e o regresso ao governo espanhol, mantendo o orçamento aprovado pelo PP de Rajoy. Às vezes os astros alinham-se e no primeiro dia da discussão da moção, o novo presidente catalão, Quim Torra, anunciava a formação de um governo da Catalunha sem qualquer dirigente que estivesse preso ou exilado devido à aplicação do 155. Ora, esta era justamente a condição de Rajoy para levantar sua aplicação. Assim, Sánchez assumiria o governo sem sequer ter que se preocupar de imediato com o tema da crise do governo catalão, aberta com a vitória dos independistas em dezembro. Lembremos que o PSOE apoiou desde do início a aplicação do artigo 155 sobre a Catalunha. Portanto, Sánchez, a princípio, não queria destituir Rajoy. Havia sido, o principal aliado dele na maior crise do regime monárquico espanhol desde Franco.
Entretanto, depois da instabilidade e dificuldade em formar governo na Alemanha, da instabilidade e da pressão dos mercados para moldar os neofascistas e neopopulistas que formam o novo governo em Itália, da nova guerra comercial que Trump abriu com a UE, novas eleições no estado espanhol seriam mais uma dor de cabeça, pois PP e PSOE provavelmente não seriam os dois partidos mais votados.
Sánchez e o PSOE assumem assim o governo espanhol para manter o regime, e, concomitantemente, todo o sistema de privilégios e corrupção que o sustenta. Ainda assim, os “progressistas” cá da praça lusitana bem como do resto da Europa já rejubilam com um novo governo “socialista” no velho continente. Mas este só servirá para manter tudo no mesmo sítio. Até mesmo o orçamento de Rajoy que contém o conjunto das principais políticas para o estado espanhol. Outra intenção de Sánchez é através do governo conseguir recuperar-se nas sondagens e retirar o protagonismo do Ciudadanos. Agora, o que não se consegue é vislumbrar como fará isso sem alterações políticas.
O independentismo catalão que apoiou a moção de censura espera algum sinal de Sánchez, em especial sobre os dirigentes políticos presos e exilados. Porventura criam ilusões sobre a benevolência do PSOE após o terem ajudado a chegar ao governo. Infelizmente, essas ilusões serão rapidamente desfeitas, bastando para tal recordar as declarações de um dos principais barões do PSOE durante o debate sobre a moção de censura: “Neste momento o independentismo preocupa-me muito mais do que com o que tenha roubado o PP”, afirmou Juan Ibarra.
Resumidamente, a chegada do PSOE ao governo espanhol sem eleições serve no imediato para segurar e salvar um regime político antidemocrático com fissuras por todos os lados, para tentar recuperar terreno eleitoral face ao Ciudadanos e ao Podemos, para continuar a pressão e opressão sobre a Catalunha, para tentar alguma estabilidade na União Europeia e, por fim, para permitir que mais um orçamento de austeridade ditado pela FMI e Comissão Europeia se cumpra. Ou seja, manter os negócios do costume e com eles a corrupção contra os trabalhadores e os povos do Estado Espanhol.
Daniel Pereira, Lisboa (Portugal)