Editorial – 28 de Maio 2018
“Portugal Melhor”, foi o slogan do Congresso do PS, na verdade um mega-comício eleitoral que lança a corrida de Costa para a desejada maioria absoluta. Porém, num país onde 24% da população vive em risco de pobreza e 11% dos trabalhadores são pobres, esta é uma frase vazia.
Onde o desemprego real continua nos 11%, onde 83% dos novos contratos são precários, não há “Portugal Melhor”. Os salários caíram 8,3% desde 2010 e subiram apenas 0,1% desde 2016. Bem mais que isso subiu o preço da Gasolina ou das rendas. É neste “Portugal Melhor” que António Mexia pode ganhar 2,2milhões de euros num ano, 52 vezes mais que a média dos trabalhadores da EDP. O PIB cresceu e o défice diminui. Mas isso não aconteceu em proveito de quem trabalha. Pelo contrário, aconteceu às nossas custas.
Costa, apesar de tudo, está ciente da décalage entre a vida de quem trabalha e as loas oficiais. Por isso, no seu discurso de abertura do Congresso, procurou o verniz progressista não na defesa do Estado Social, mas ocupando-se dos direitos democráticos: a defesa das mulheres, das LGBT’s e dos imigrantes. Para o PS, a nova “agenda progressista” passa por pousar como apoiante dos mais oprimidos – os direitos democráticos parecem tanto mais apetecíveis, quanto menos pesem no défice! A verdade é que as trabalhadoras LGBT sabem que de pouco lhes vale o direito ao casamento ou à adoção se os seus salários não lhes permitem constituir família. Tal como as mulheres, que vêem os agressores machistas com penas suspensas enquanto são mortas e violadas, não podem levar o “feminismo” do PS a sério. Que dizer dos imigrantes, que se têm manifestado inúmeras vezes, exigindo documentos para todos, enquanto o Governo faz ouvidos moucos?
Que dizer das pretensas homenagens a António Arnaut, ao mesmo tempo que ignoram a nova proposta de Lei de Bases do SNS que este redigiu antes de morrer? Para não falar da pretensão de fazer regressar os jovens que emigraram, quando o salário mínimo ainda nem sequer atingiu os míseros 600€.
PS escapa à crise da social-democracia… por agora.
António Costa e o PS têm, no entanto, motivos para sorrir. Tal como os seus congéneres Europeus, o PS vinha em queda eleitoral: atingiu os 28%, com Sócrates, em 2011 e mesmo em 2015, António Costa ficou atrás dos odiados Passos Coelho e Paulo Portas. Quando o PASOK, que era o maior partido grego, caiu dos 43% obtidos em 2009 para os 6% que teve em 2015, cunhou-se o termo “pasokização”. Trata-se da tendência ao desgaste, e até à implosão eleitoral, da social-democracia europeia após a crise de 2008. O PSOE espanhol, por exemplo, entre 2009 e 2016 perdeu quase 5 milhões de votos, mais de 20% do eleitorado. O poderoso PS francês que elegera Miterrand com 43% dos votos, em 1974, elege Hollande só com 29% em 2012 e despenha-se nos 6,4% em 2017. António Costa e o seu círculo próximo, Carlos César, Vieira da Silva, Augusto Santos Silva ou Eduardo Cabrita vêm de longe. A clique “Costista” vem dos Governos de António Guterres, são filhos da “terceira-via” que trocou a social-democracia pelo neo-liberalismo. A social-democracia, convertida à “terceira via”, começou a desmoronar-se, junto com o Estado Social, que sempre jurou defender mas que nunca hesitou destruir. Legitimamente, Costa e cia. temiam seguir o mesmo caminho – das mesmas causas esperavam os mesmos efeitos. Porém, não só conseguiram a proeza de governar sem ter vencido as eleições, como agora as sondagens lançam-nos para lá dos 40%, rumo à maioria absoluta. É a ilusão temporária de ter escapado à “pasokização” que explica o regozijo e unanimidade em torno de Costa.
No entanto, se o país não está tão melhor quanto o PS vende, de onde vem o milagre de António Costa? Costa beneficia de uma “bonança perfeita”: foi antecedido por um Governo odiado, governa num período de crescimento económico e conseguiu anular a oposição. Porém, nem a má memória de Passos e Portas pode fazer Costa brilhar para sempre. O crescimento económico, por sua vez, é artificial e parasitário. Baseia-se num novo ciclo de especulação e crédito fácil que desabará sobre as nossas cabeças, ao mesmo tempo que são os baixos salários e a precariedade que alimentam a retoma de indústria, serviços e turismo. Claro que isto permite que o desemprego baixe, mantendo uma certa paz social. Mas as condições no mercado trabalho, o preço das rendas ou a rutpura do SNS mostram a verdadeira face do crescimento económico.
Assim, a peça-chave da salvação do PS, parece ser a “Geringonça”. O acordo com o BE e o PCP não serviu a Costa apenas para ocupar a cadeira de Passos. A “Geringonça” permitiu ao PS voltar a pousar como social-democrata, enquanto mantém a política neo-liberal. Sem oposição à esquerda, Costa avança despudoradamente para o centro, e daí para a direita. Nos últimos meses aproximou-se do PSD e apresentou em Bruxelas o Plano de Estabilidade, em que se propõe a cortar 12 mil milhões de euros em apoios sociais e gastos com funcionários públicos. Face a isto, PCP e BE criticam, mas não mordem. As suas bases sociais começam a sair à rua, vejam-se os professores, os enfermeiros ou os médicos. Mas a política da esquerda parlamentar não muda. É verdade que após o Congresso do PS, os porta-vozes de BE e PCP disseram que o seu voto a favor do Orçamento do Estado de 2019 não está garantido. Porém, o ano passado afirmaram o mesmo… antes de aprovarem mais um Orçamento de baixos salários, PPP’s e cativações.
Recentemente, numa entrevista ao Observador, o banqueiro português do Lloyds Bank, Horta Osório, elogiou Pedro Passos Coelho, porque “tomou medidas difíceis”, tal como elogiou António Costa por “ter mantido o rumo”. O PS esteve em festa este fim-de-semana, pois pôde convencer-se de que só os banqueiros é que perceberam que Costa tem “mantido o rumo”. Será sol de pouca dura.