Faz hoje 44 anos que se iniciou um processo revolucionário que durou um pouco mais de ano e meio e que se caracterizou pela intensa participação popular.
Mulheres e homens, das fábricas e dos campos, trabalhadores de todos os sectores, soldados e marinheiros, e toda a juventude estudantil foram-se organizando e tomando as decisões sobre a sua vida colectiva, reivindicando e exercendo direitos e chegando a dirigir partes da actividade económica através das UCP’s (Unidades Colectivas de Produção) na zona da Reforma Agrária e através das Comissões de Trabalhadores em muitas fábricas e empresas, bem como a organização das Escolas e Universidades.
O que tinha sido organizado como um golpe militar para mudar o regime, democratizar com cautela e negociar o fim da guerra colonial começou a dar lugar a outro processo bem mais profundo, logo nas primeiras horas da manhã do dia 25 de Abril de 1974, com a presença nas ruas de Lisboa de milhares de trabalhadores e jovens que, como habitualmente, se dirigiam aos seus lugares de trabalho e estudo e se depararam com a revolta militar e com a presença de tropas pró MFA e pró regime em diversas zonas de Lisboa. Foi este contacto entre o povo e os soldados, com a clara demonstração popular de enorme alegria pelo derrube do regime que deu alento aos revoltosos e fez mudar de lado as unidades militares ainda defensoras do regime salazar/marcelista.
25 de Abril, participação em directo
O início da manhã de dia 25 de Abril de 1974 começou diferente para a população de Lisboa e para quem cá trabalhava e estudava. Em várias zonas os autocarros e eléctricos tinham perturbações na circulação e muitos regressavam às estações, o que obrigava muita gente a deslocar-se a pé.
À data estudante liceal, foi com dois outros colegas também ativistas do movimento estudantil que nos deslocamos a pé até ao Cais do Sodré onde se encontrava uma barreira militar com algumas dezenas de soldados e carros militares. Cerca de duas mil pessoas, muitas das quais trabalhadores que se queriam dirigir aos seus empregos, rodeavam essa barreira expressando a sua alegria e solidariedade com a revolta militar. Ao chegarmos logo tentámos chegar à conversa com os soldados também expressando o nosso apoio à revolta mas estranhamente a ‘resposta’ era apenas os olhares espantados dos soldados e o seu silêncio. Entre os soldados, encontrava-se um ‘alferes miliciano’ ex-estudante universitário a cumprir serviço militar e nosso conhecido ao qual nos dirigimos perguntando sobre a situação. Com alguma dificuldade conseguimos que nos respondesse e ficamos a saber que aquela unidade tinha sido enviada a mando do regime para atacar os revoltosos que estavam na Praça do Comércio, mas que estava tudo uma confusão pois sentiam-se enganados. Foi então com mais força que nos juntamos à restante população com vivas aos soldados e palavras de ordem de fora a ditadura. Foi sem dúvida esta enorme pressão popular que fez esta unidade algum tempo depois mudar de lado e juntar-se aos revoltosos do MFA.
Tal como este caso, muitos outros se passaram e foi a presença da população nas ruas de Lisboa e de várias outras cidades do país que mudou o rumo do que seria apenas uma mudança circunscrita a um golpe militar contra o regime. Contrariando os sucessivos apelos televisivos e radiofónicos do MFA para que a população regressasse às suas casas, o povo, a classe trabalhadora e a juventude decidiram ficar nas ruas, concentraram-se em frente aos covis da ditadura (instalações da Pide, Legião Portuguesa e quartéis ainda fieis ao regime) e mostraram o ódio que tinham ao regime.
Foram todas estas mobilizações que se multiplicaram nos dias seguintes e culminaram nas grandiosas manifestações do 1º de Maio de 1974 que transformaram o golpe em revolução , obrigaram a Junta de Salvação Nacional (JSN) e o MFA a libertar todos os presos políticos (a JSN queria manter presos políticos acusados de ‘crimes de sangue’), levaram ao desmantelamento dos corpos para-militares da ditadura (Legião Portuguesa) e levaram à prisão dos Pides.
Estava aberto o caminho a um processo revolucionário que durante 19 meses abalou o capitalismo português e destruiu o império colonial.
As grandes transformações sociais e económicas iniciadas por essa revolução não se consolidaram por falta de uma direcção política que apoiasse a coordenação de todos os organismos de poder operário e popular que entretanto se constituíram por todo o país, nas fábricas, empresas, nos campo, nos bairros, nos quartéis e nas escolas. A recuperação dos comandos militares pela burguesia e pela direita em 25 de Novembro de 1975 deu início a uma prolongada contra revolução sob a forma ‘democrática’ que demorou dezenas de anos a destruir a quase totalidade do conquistado em 18 meses.
Agora há que aprender com o passado.
JP