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Os regimes políticos endurecem. Uma esquerda independente precisa-se!

Editorial – 10 Abril 2018

As últimas semanas têm sido marcadas pelos acontecimentos no Brasil. A prisão de Lula tem um objetivo claro: pôr um fim à sua candidatura presidencial, líder em todas as sondagens para as eleições de Outubro.

É o exemplo de como os regimes em que vivemos, por mais democráticos que pareçam, sendo dominados pelos grandes interesses económicos e financeiros, podem, e são, usados em função da promiscuidade dos seus interesses.

O que se está a passar no Brasil é um ataque, da parte da burguesia e dos seus setores mais reacionários, às liberdades democráticas e políticas. Não só de Lula. São as liberdades democráticas e políticas de todo um povo que estão em jogo. A arbitrariedade utilizada para prender Lula e deixar Temer livre, ambos com acusações semelhantes, não é acidental. Tem a intenção não só de derrotar o PT mas de decapitar e desmoralizar a classe trabalhadora.

Se assim não fosse, como explicamos este encadeamento de acontecimentos? Impeachment de Dilma e subida ao poder, sem eleições, do Governo Temer; perseguição política, sob a forma judicial, de Lula; “salvamento” do Presidente Temer, no parlamento, por duas vezes, de possíveis condenações por crimes de organização criminosa e corrupção; os setores que apoiam o Governo Temer perdem a timidez de apoiar diretamente uma nova ditadura militar no Brasil; são estes mesmos setores que decidem a intervenção militar, no Rio de Janeiro, com um general a exercer poder de governo sobre a segurança pública; assassinato de Marielle, ativista e deputada do PSOL, um dos mais importantes partidos de esquerda, empenhada na luta contra a intervenção militar no Rio de Janeiro e contra o genocídio a juventude negra; execução de cinco jovens negros, pobres e ligados a movimentos culturais, em Maricá, por milícias armadas; atentado contra o autocarro da caravana eleitoral de Lula; e a prisão de Lula. Se este não é um percurso de ataque crescente aos direitos democráticos e políticos de uma sociedade, o que será?

A democracia é atacada no Brasil e no mundo

O Brasil não é caso isolado. Internacionalmente, assiste-se a um crescendo da extrema-direita e dos setores mais reacionários da sociedade, assiste-se a uma judicialização da política o que se choca, inevitavelmente, com os direitos democráticos. Os regimes que consideramos “democráticos” estão a endurecer.

A democracia vive horas amargas também no Estado espanhol. Desde outubro passado, a repressão da monarquia espanhola sobre a Catalunha já processou 25 activistas e políticos catalães. Nove foram presos e sete exilados, na Bélgica e na Suíça.

Tudo isto para tentar derrotar o direito democrático básico de todos os povos a dispor de si mesmos, direito consagrado pela ONU. Não é uma face repressiva apenas relativa ao processo independentista. Nos últimos meses foram processados e presos, dezenas de artistas de rap, apenas por criticarem a monarquia e o Estado espanhol. Como se não bastasse, tudo isto é feito nas barbas da “democrática” UE, sem que haja qualquer reação de mínimo assombro por parte dos seus governantes.

Voltando ao caso brasileiro, é evidente que o avanço reacionário e de ataque aos direitos democráticos é o resultado da grave crise economia que se iniciou em 2008, em todo o mundo, e das políticas seguidas pelos Governos PT, durante 14 anos. Os Governos PT apostaram na conciliação com os grandes interesses económicos e financeiros, o que teve como consequência um efeito desmoralizador sobre parte da classe trabalhadora brasileira. Sem uma alternativa consequente pela esquerda, ficou aberto o caminho à direita para capitalizar a tensão social. É importante que a experiência dos Governos PT, no Brasil, sirva de lição à esquerda europeia.

A conciliação de interesses tem como resultado a desmoralização da classe trabalhadora que deixa de ver como possível uma alternativa governativa dos trabalhadores, propiciando assim o crescimento da direita, extrema-direita e setores reacionários. É necessária uma alternativa, à esquerda, independente dos grandes interesses económicos e financeiros, para apontar uma saída de ruptura com os 1% que detêm quase toda a riqueza e poder.

Em Portugal, essas lições devem ser assimiladas. Também aqui a esquerda parlamentar, BE e PCP, trocaram uma postura de contestação e, em vez de apontar uma alternativa pela esquerda, optaram pela conciliação com o PS. Também cá, a política de conciliação ao centro, pode entregar o descontentamento popular nas mãos da direita, cada vez mais populista.

Solidariedade internacional

Deste lado do oceano, os trabalhadores, o povo e a esquerda seguem de perto a situação brasileira. Choramos com raiva o assassinato de Marielle e agora fechamos os punhos contra a hipócrita perseguição a Lula. O MAS esteve na rua solidário, assim como estará no Comício “Em defesa da Democracia Brasileira”, no Capitólio em Lisboa, onde estarão presentes representantes da esquerda brasileira.

Sem esquecer por um momento tudo o que nos separa da política do PT e de Lula, que governou para os ricos, sem enfrentar o mesmo sistema que hoje o ataca, não podemos ser neutros. A solidariedade internacionalista com os trabalhadores e a esquerda brasileira é urgente e necessária. É preciso que o Governo do PS, que se diz ele mesmo de esquerda, condene publicamente a escalada reacionária no Brasil – devemos exigir activamente que o faça. Aqui, como nas ruas do Brasil, só a mobilização e organização dos trabalhadores pode matar no ovo a serpente da reacção, do autoritarismo, da intolerância e do neofascismo.

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