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Um candidato contra Cavaco ou um candidato contra o governo?

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A pergunta que serve de título a esta crónica foi uma afirmação (!) do informante da direcção do Bloco de Esquerda, ao abrir o ponto político na última reunião da Mesa Nacional (3/7). Com efeito, Luís Fazenda “garantiu” duas “coisas” acerca das próximas eleições presidenciais: (1) que “um candidato radical não acumularia forças” e (2) o que o BE quer é “um candidato contra Cavaco Silva e não um candidato contra o governo”.

Na verdade, o Bloco, na actual conjuntura, com a linha aprovada de apoiar abertamente o mesmo candidato do governo Sócrates e do partido que o sustenta, o PS, não podia deixar de considerar que a tarefa que se impõe é um candidato que não seja contra o governo, dado que, inegavelmente, Manuel Alegre (o seu candidato e do PS) não é um candidato contra Sócrates, nem contra a política do governo.

Alegre, em artigo próprio (no Diário de Notícias) chegou mesmo a afirmar que os actuais PECs, vulgo “medidas de austeridade” são inevitáveis. Ou seja, Alegre para contar com o apoio de Sócrates, tal como já tínhamos antecipado em anteriores crónicas, passou-se de armas e bagagens para o campo governamental. Uma política e posicionamento bem oportunistas dado que, há quatro anos, fez o caminho precisamente inverso, razão pela qual pode obter um milhão de votos que não eram mais do que votos para um candidato que se posicionava contra o governo Sócrates I e o PS da altura, que tinha optado por ter como candidato Mário Soares.
Nessa altura, o BE não seguiu o actual conselho de Fazenda e apresentou um “candidato radical” (Francisco Louçã) para “acumular forças” (senão, para que teria ele se candidatado? Tal como antes já o tinha feito Fernando Rosas).

BE insiste no erro
A direcção do Bloco insiste nesta falsa dicotomia: ou um candidato contra o governo ou um candidato contra Cavaco. Na verdade o que faz falta nas próximas eleições presidenciais é um candidato, em primeiro lugar, contra os violentos planos de austeridade que assolam toda a Europa e que Sócrates igualmente aplica (como bem mandado) em Portugal, portanto, um candidato contra o governo e que, necessariamente, também seria um candidato contra Cavaco. Como todos sabemos este coabita bem quer com Sócrates, quer com as medidas de austeridade, quer com um dos seus apadrinhados, Passos Coelho.

Sócrates ou o que no PS lhe vier a suceder ou Passos Coelho, todos, serão certamente tão bons impulsionadores dos actuais planos de austeridade quanto dos futuros que se preparam. Em linguagem política clara, e reactualizada pela actual (e brutal) crise económica: o que faz falta é um candidato anticapitalista.
Um candidato anticapitalista que se posicionasse de forma evidente como um adversário sério do actual sistema económico. E porquê? Porque é das suas entranhas que a situação se tem vindo a apodrecer, sendo que quem termina sempre por pagar as respectivas facturas destas crises sistémicas são o mundo do trabalho e todos os que vivem das suas pensões, reformas ou salários de miséria (uns) ou a caminho de serem de miséria (outros).

O BE, como diria Zeca Afonso, vai, lamentavelmente, em “sentido contrário”: em vez de se afastar do governo e do seu candidato presidencial apoia-o abertamente. Não nos admiremos, portanto, que ambos venham a pagar caro nos futuros resultados das presidenciais e pouco tempo depois em legislativas antecipadas. Talvez por isso é que, internamente, a direcção do BE venha a destilar uma caracterização política em que pinta o quadro como mais sombrio do que é (não há relação de forças para nenhuma greve geral, nem para nada, é caso para dizer que não houve nenhuma manifestação de 200.000 pessoas ainda há pouco tempo em Lisboa), de modo a esconder a sua falta de vontade em se construir como uma verdadeira alternativa anti-sistémica, preferindo conscientemente deixar-se progressivamente se transformar em (mais) um partido institucional e institucionalizado.
Talvez por isso do relatório da CPI sobre o caso Face Oculta, não se pudesse concluir da culpabilidade de Sócrates, apesar de o seu relator ter sido um destacado deputado do Bloco.
Gil Garcia

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