O Carlos é operador de call-center, há mais de dez anos. É sócio do sindicato e meu amigo há uns anos. A maioria dos colegas não gosta de discutir política, mas o Carlos é diferente. É de esquerda e está sempre solidário com as greves. Leva para casa pouco mais que o salário mínimo e não confia no PS.
Não obstante, apoiou a solução da “Geringonça” desde o primeiro momento. Apesar de saber que eu não apoio o Governo, ele sempre me chama para comentar a situação política. Já tivemos grandes discussões, mas desta vez foi diferente. Esta é uma conversa real.
“Viste as sondagens?”, perguntou-me o Carlos. “PS à beira da maioria absoluta, PSD com maior subida desta legislatura”, noticiava o Expresso. PS nos 41,5% e o PSD nos 28,4%. BE e PCP continuam sem alcançar juntos os 20%. Tanto um Governo maioritário do PS se torna cada vez mais plausível, como a aproximação ao PS, proposta por Rio, parece granjear apoio ao PSD. Ao mesmo tempo, a esquerda não descola.
As sondagens são um barómetro dúbio, mas o Carlos é menos: “a ver se o PSD se mexe, para ver se o PS não tem maioria!”. Como os trabalhadores são pragmáticos! O Carlos não quer um governo maioritário do PS, mas já não confia que a esquerda retire a maioria a Costa. Por isso, sem ter nenhuma confiança em Rio, torce por um crescimento do PSD. Carlos não vai votar na direita para derrotar o PS, mas outros poderão fazê-lo, por ineficácia da esquerda. Já aconteceu antes.
Carlos e as sondagens confirmam que a situação política se afunda paulatinamente ao centro. A esquerda estagna, o PS cresce e a direita reorganiza-se. A manutenção da popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa reforça o centro e abre portas à direita. O regresso à rotatividade entre PS e PSD pode suceder a Geringonça. E com isso as privatizações e os ataques a quem trabalha. A esquerda, que foi alçada eleitoralmente pelos trabalhadores, arrisca-se a recuar sem muito para lhes mostrar. O recuo pode levar ao desânimo. Numa situação internacional marcada pela agressividade da direita, esse é um cenário perigoso.
Queremos os nossos direitos de volta!
O surgimento da Geringonça fez crer que o país virava à esquerda. Dois anos depois, a normalidade política regressa mas os direitos não. Entre 2010 e 2017 os salários reduziram 8,3% em Portugal. Entre 2016 e 2017, subiram 0,1%. As rendas sobem, os combustíveis estão mais caros, o SNS a degradar-se e a precariedade cresce. O PIB nos 3% não chega à carteira do Carlos. Chega, no entanto, à banca, onde este governo já injetou 10 mil milhões de euros. Os líderes de BE e PCP relembram que com um governo só do PS seria pior. Mas a questão é, como evitar esse cenário?
“A esquerda é que devia fazer isso!” respondi ao Carlos. BE e PCP é que têm a responsabilidade de sair à luta e retirar espaço ao PS, pela esquerda.“Ah! A esquerda!” exclamou o Carlos. “O PCP há dias saiu-se com aquilo da legislação laboral e o PS votou contra… mas não lhe acontece nada!” Ao contrário do que Carlos esperava, não foi a esquerda quem encurralou o PS, mas o contrário.
O Carlos, e os que como ele, lutam e apoiam as lutas, começam a perder a fé. Não só no Governo, mas em que a vida pode mudar. O Carlos está disposto a lutar pelos seus direitos, se o convocarem. Sobretudo se aqueles em quem deposita a confiança e o voto o chamarem à luta. PCP e BE devem mudar de estratégia face ao PS. Pelas exigências parlamentares nada se consegue, só a luta traz direitos. Os estivadores, os operários da Autoeuropa, os funcionários públicos ou as mulheres que saíram à rua no 8 de Março, têm mostrado que a luta é o caminho. É preciso unir essas vozes, confrontar o Governo, e gritar: “Queremos os nossos direitos de volta!”.
Manuel Afonso