No passado dia 21 de março, a Direção Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) convocou um protesto (aprovado em Assembleia Magna) devido à manutenção do ciclo político no Ensino Superior. Alexandre Amado, presidente da DG/AAC, afirmou que é chegada a hora de “reivindicar uma resposta diferente por parte dos responsáveis políticos aos problemas estruturais do Ensino Superior”1.
O protesto contou com mais de mil estudantes, que levaram para as ruas de Coimbra as suas reivindicações sobre as propinas, a falta de financiamento, o RJIES, a questão das propinas internacionais (estudantes internacionais são obrigados a desembolsar mais de 7.000€ para estudar na UC, ao contrário de estudantes portugueses, que pagam neste momento 1.000€).
A verdade é que o virar de página da austeridade, prometido pelo Governo do PS e apoiado pelo BE/PCP não aconteceu, nem em Coimbra nem em qualquer outra universidade do país. O processo foi no sentido contrário, com uma onda de privatizações camufladas (as universidades fundação) e um desinvestimento brutal no sector da educação, que nos últimos anos perdeu 33% do financiamento do Estado.
Aliás, a tendência dos cortes aprofunda-se, como o fim dos benefícios fiscais dos “vales educação”, atribuídos às famílias trabalhadoras mais pobres, que permitiam pagar as despesas de ensino dos/as estudantes, entre os 7 e os 25 anos, e os cortes no Orçamento do Estado, no sector da Educação. O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas alertou para o facto de se estar perante uma situação muito delicada, precisamente porque o orçamento do Ensino Superior para 2018 prevê nove milhões de euros a menos do que as necessidades do sector2.
Ao mesmo tempo que o Governo, com aval do BE e PCP, aprova Orçamentos do Estado que põem em causa a qualidade do ensino e o acesso às universidades, vangloriam-se por relançar o sistema de empréstimos a estudantes, suspenso desde 20153. Ao invés de baixar o valor da propina, investir em mais acção social através de bolsas e serviços como cantinas, apoio médico, alojamento universitário, possibilitam que os estudantes se endividem para conseguir estudar.
Cada vez mais o Ensino Superior é visto como um negócio, inserido numa lógica empresarial, que deve ser rentável e lucrativo, e não como um serviço essencial para a população, que deverá estar ao alcance de todas/os, independentemente da sua capacidade financeira. Aliás, a democratização do Ensino Superior está em causa – é cada vez mais difícil um/a estudante se manter e tirar um bom aproveitamento do ensino, com os encargos das propinas, os custos de alojamento, transporte, alimentação, etc. Muitos/as trabalham para conseguir estudar e são inúmeras as famílias que fazem um grande esforço financeiro para garantir que os filhos conseguem manter-se na universidade, para não falar no crescente número de estudantes que nem sequer equaciona prosseguir os estudos. O acesso ao Ensino Superior é dificultado a vários sectores da população, devido aos seus rendimentos, devido à sua origem étnico-racial (a comunidade negra é empurrada sempre para o ensino profissional, tal como a comunidade cigana, que trava uma grande batalha para se poder afirmar no Ensino Superior) e até devido ao seu género, pois as universidades são também palco de desigualdades de género e de discriminação. Estes debates também têm que ser dados no marco de uma educação para todos/as. Ninguém pode ficar de fora!
Face a tudo isto, é muito importante que os/as estudantes se mobilizem para combater os ataques ao Ensino Superior, como fizeram em Coimbra. É responsabilidade das direções das Associações de Estudantes fomentar a mobilização e ampliar as lutas dos estudantes. Só assim será possível caminhar no sentido da reconstrução do Ensino Superior público em Portugal. O Ensino Superior deve ser público, acessível a todos, portanto, gratuito e de qualidade, pelo que nenhum estudante deve ser excluído “por razões de ordem financeira”4. As Associações de Estudantes e dirigentes associativos devem ser, portanto, os primeiros a defender o direito ao Ensino público, gratuito e de qualidade. Alexandre Amado, numa entrevista depois da manifestação, diz que preferia não ter que agendar protestos, mas que não há outro caminho a tomar, se o Governo não ouvir as reivindicações dos/as estudantes. Temos que exigir que as palavras dos dirigentes associativos sejam cumpridas, tanto quando falam de protestar como quando lançam campanhas pela propina zero, que agreguem todas as Associações de Estudantes, tanto do Ensino Superior como do Ensino Secundário (futuros estudantes universitários), que juntem forças aos vários coletivos e movimentos de estudantes, assim como movimentos sociais. Que as ruas sejam ocupadas para defender o ensino, quantas vezes forem necessárias e que todos/as estudantes sejam chamados/as a participar e a construir este movimento. É necessário alargar o movimento, agregar forças e disputar o futuro do ensino em Portugal.
É necessário que o Estado assuma a sua responsabilidade pelo Ensino em Portugal – não queremos ensino privado, não queremos menos bolsas e mais empréstimos, não queremos abandonar os estudos. Precisamos de mais investimento público, à semelhança dos sectores da saúde e dos transportes, precisamos que no parlamento se faça uma avaliação do RJIES (aprovado há mais de 10 anos), que permite que privados decidam sobre o futuro das universidades portuguesas, exigimos a gratuitidade do Ensino Superior, à semelhança de outros países. BE e PCP devem não só levar estas reivindicações ao Parlamento e fazer delas as suas linhas vermelhas, há muito esquecidas, mas potenciar a mobilização do movimento estudantil. Voltar às ruas, para conquistar os nossos direitos de volta!
Rebeca Moore