basta

Enfermeiros dizem BASTA!

Houve na semana que passou uma greve de cinco dias no sector de enfermagem, ouviram-se milhares de enfermeiros à frente dos hospitais de todo o país a dizer basta.

Disseram basta a serem uma profissão sem carreira definida, a não verem reconhecidas as competências de especialistas, a terem de custear a sua própria formação, ao desprezo do Governo pela classe e disseram basta às ameaças do ministro.

Durante muitos anos a profissão de enfermagem tem sido desvalorizada e o descontentamento destes trabalhadores, já há muito sentido, irrompeu na semana que passou com a convocação de uma greve de cinco dias pela FENSE, que engloba o Sindicato Independente de Profissionais de Enfermagem (SIPE) e o Sindicato dos Enfermeiros (SE). É bom lembrar que ainda há bem pouco tempo os enfermeiros do nosso país, apesar de possuírem licenciatura de 4 anos, eram pagos como tendo um bacharelato de 3 anos. A contra gosto, o PS em 2009 acordou em rever os salários destes profissionais e comparar os mesmos aos salários de todos os outros que prestam funções públicas e possuem licenciatura. Esta revisão foi feita de forma faseada mas parou por ai. Enquanto todas as outras carreiras na função pública têm progressão, com a enfermagem não se passa o mesmo. Quer isto dizer que quem trabalha há 15 anos como enfermeiro ganha o mesmo que um colega que acabe de entrar para as mesmas funções. Este não é o cenário nas outras áreas da função pública, seja numa repartição de finanças, numa escola ou na segurança social.

Nesta greve, uma das reivindicações centrais que os enfermeiros estão a exigir é que a sua profissão seja tratada da mesma forma como as demais profissões na função pública, nem mais nem menos. Os enfermeiros querem também por fim à situação de injustiça que permite haver uns a fazer 35h semanais e outros 40h. Querem que as 35h por semana sejam aplicadas a todos os enfermeiros e que não haja contratos individuais com 40h, com semanas que tantas vezes se estendem até às 50h.

Outra exigência desta greve é que os enfermeiros especialistas vejam as sua competências reconhecidas e remuneradas de acordo com as mesmas. Estes profissionais tiveram que pagar a especialização do seu próprio bolso, enquanto trabalhavam  e muitas vezes com recurso a crédito, o qual ainda estão a abater. É-lhes exigido depois que apliquem esses conhecimentos na execução das suas funções. Conhecimentos esses indispensáveis para um SNS funcional e de qualidade. No entanto o estado não lhes quer ver reconhecidas essas competências mas apenas usufruir delas. Perguntam então os enfermeiros para quê investir na  formação? Peçam a qualquer trabalhador, seja de que área for, para pagar do seu bolso cerca de 7000 euros para estudar, enquanto trabalha, e adquirir mais conhecimentos para depois aplicá-los em benefício do patrão e sem qualquer outra contrapartida. Conhecem alguém que aceitasse?

O estado tem sempre adiado a aplicação da igualdade de tratamento destes trabalhadores face a outros trabalhadores da função pública. A FENSE estava a tentar negociar com o ministério de saúde um ACT (Acordo Colectivo de Trabalho) que contemplava a resolução destes problemas mas não obteve resultados. Por outro lado o SEP (sindicato de Enfermeiros Portugueses) tem estado em negociações para aprovar as propostas do seu caderno reivindicativo que é o mesmo pelo menos desde 2015 onde propõe manter a actual carreira que está congelada, os salários desajustados e onde não consta a categoria de enfermeiro especialista. Este caderno reivindicativo está desactualizado e não interessa nem nunca interessou a nenhum enfermeiro. A reunião que decorreu no dia 12 já estava marcada desde 1 de Agosto, e por isso é que o SEP alega que não fazia sentido convocar e apoiar esta greve. É consensual entre os enfermeiros que estes preferem que seja negociado o ACT da FENSE,  por isso a greve e a rejeição por parte da classe de que seja o SEP a representar os enfermeiros. Nem por isso o ministro convoca a FENSE, mantendo tudo como estava e convocando apenas o seu interlocutor preferido, o SEP. É por terem a coragem de se erguer e lutar que  têm sido ameaçados por parte do ministro da saúde em toda a comunicação social com processos disciplinares por faltas injustificadas, não é por causa da greve ter sido alegadamente convocada de forma irregular, o que não é verdade.

A adesão à greve de cerca de 85% durante os 5 dias e a participação massiva destes trabalhadores vindos de todo o país em protestos em frente aos principais hospitais, mostram que a necessidade desta luta era há muito sentida nesta classe. Com certeza com mais intensidade após anos de austeridade sobre o sector da saúde que obriga a que os profissionais da área da saúde sejam levados à exaustão com degradação das condições e materiais de trabalho e exigência de cada vez mais horas de trabalho por semana. Num país que “exporta” enfermeiros é inconcebível que estejamos abaixo da média dos países da OCDE. Em Portugal temos 6 enfermeiros para cada mil habitantes ao passo que a média nos países observados nesta organização são 9.

As opções governamentais, ao longo deste últimos 10 anos, têm privilegiado salvar instituições bancárias com sérios prejuízos nas contas públicas e consequente aumento dos juros da dívida do estado.Têm privilegiado recorrer a PPP’s e empresas privadas para gerir a saúde, como também se vê noutros sectores, providenciado rendas principescas a conselhos de administração e accionistas sem qualquer prova que estes gerem melhor os recursos públicos. Quem não se lembra do caso do hospital Amadora-Sintra em que a administração, ligada ao grupo Mello, foi afastada por gestão danosa. A este mesmo grupo foi depois entregue a gestão do hospital de Braga. Devemos esperar resultados diferentes? Há mais 9 PPP’s como esta em que o custo estimado será de mais de 8 mil milhões.

Esta luta pode ser um indicador daquilo que fervilha por debaixo do aparente estado de acalmia pois a realidade da vida das pessoas não corresponde ao discurso do Governo. A greve da Auto Europa, os protestos de professores e agora a greve dos enfermeiros parecem mostrar um princípio de ruptura na estabilidade social que a geringonça pretendia conseguir. A recuperação de rendimentos tem sido claramente insuficiente e a austeridade não acabou, apenas está mais camuflada O PS já manifestou pouca vontade em negociar com os sectores que querem recuperar rendimentos, reiterando isso para o orçamento de estado com o “não querer dar passos maiores do que a pernas”.

Ao mesmo tempo, BE e PCP, atrelados ao PS por esta solução governativa têm deixado muito a desejar pois só quando se apercebem da dimensão e e impacto destas lutas é que dão o seu apoio, mostrando-se muito tímidos em criticar o Governo e em apoiar incondicionalmente lutas que exigem condições de trabalho,  recuperação de rendimentos e defesa dos serviços públicos, objectivos que segundo eles  são objectivo da geringonça.

A vitória desta greve depende da força e mobilização dos enfermeiros pois só isso pode vencer este braço de ferro com o Governo e garantir que as suas reivindicações há muito ignoradas possam ser conquistadas. Muitas das formas de protesto observadas esta semana por parte dos enfermeiros têm sido convocadas e organizadas por eles, sem recurso aos sindicatos portanto é indispensável que os enfermeiros confiem e mantenham a sua união e organização.

O desenlace da greve ainda está por concluir. O SEP tentando correr atrás do prejuízo, e após duas reuniões infrutíferas com o governo, decidiu marcar uma greve de 3 dias para o início de Outubro. Estando a classe de enfermagem galvanizada da maneira que está, que viu reforçada a sua voz após 5 dias de luta onde enfermeiros de todo o país se concentraram em frente dos maiores hospitais e que culminaram num protesto de milhares em frente a S.Bento, é bem possível que em Outubro se agite de novo o marasmo que as lutas dos sectores da função pública caíram, após dois anos de geringonça.

Seria importante que outros sectores públicos, todos fortemente penalizados nos últimos anos com os cortes nos salários, juntassem a sua voz para exigirem a reposição dos rendimentos, faz cada vez mais sentido uma greve geral de toda a função pública, toda ela atacada pelos mesmos problemas. Por exemplo, fala-se duma greve dos médicos e não faz sentido as duas profissões fazerem greves separadas se o problema que os afecta é comum e deriva da mesma situação, isto é, os cortes sistemáticos nos serviços públicos neste caso na área da saúde com sérios prejuízos na qualidade dos mesmos.

Pela sua justa luta e no exemplo que têm dado aos demais sectores é indispensável que os enfermeiros mantenham a sua união e organização para serem vitoriosos nas suas demandas.

 

O MAS está solidário com a greve dos enfermeiros.

Em defesa do SNS

 Criação de uma nova carreira, com salários equiparados aos outros licenciados da função pública

 Aplicação efectiva das 35 horas para todos os enfermeiros

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