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Loures: uma reflexão sobre o racismo (II)

Sobre a população cigana, o seu estudo e conhecimento é fundamental, coisa ainda muito rudimentarmente feita no nosso país. Ainda assim, existem alguns dados e alguma caracterização histórica que evidenciam sobretudo uma dura realidade.

Os ciganos estão em Portugal há pelo menos 500 anos e “a adoção de mecanismos legais de diferenciação social durante séculos, não somente em Portugal, mas largamente no continente Europeu, reiterou um histórico de desagregação e marginalização dessas comunidades”1. A existência de grupos étnicos que não encaixassem naquilo que o Estado foi considerando, ao longo dos séculos, como a personalidade colectiva, estariam condenados “a perseguições e privações de direitos, podendo chegar ao extermínio”2. Por exemplo em Portugal os ciganos foram deportados, presos, punidos em público e condenados à morte em vários momentos da história, proibidos de falar a sua língua, usar as suas vestes e foram-lhes retirados os filhos3.

Um período exemplificativo disto mesmo deu-se no séc. XX. Parte da política do Nazismo consistia em subclassificar segmentos étnicos, nomeadamente, os ciganos, proceder à eliminação dos seus direitos e ao seu envio para campos de concentração e de extermínio.

Esta é boa parte da história das populações ciganas.

Segundo o Estudo Nacional das Comunidades Ciganas, de 2013, estima-se que em Portugal existam entre 40.000 e 60.000 cidadãos ciganos, ou seja, cerca de 0,4% da população portuguesa. As populações ciganas estão presentes em cerca de ¼ das freguesias do país e 48% da população cigana tem menos de 18 anos.

A pobreza extrema é um traço caracterizador da maioria das famílias ciganas, tanto mais entre os ciganos portugueses, que são dos mais pobres da Europa4, 60% estão inscritos nos centros de emprego e cerca de 33,5% recebe o Rendimento Social de Inserção (RSI).

Ainda assim, Manuela Mendes, coordenadora daquele estudo publicado pela ACM, salienta que “é falsa a ideia de que os ciganos sobrevivem à conta de prestações sociais, defendendo que ‘uma percentagem grande trabalha’, só que muitas vezes não se trata de trabalho no mercado formal, com um contrato ou um salário”4, fazendo da venda ambulante a sua principal actividade económica. Em termos de alimentação, 48% admite já ter passado fome.

No que diz respeito à escolaridade, 52% não completaram ou não frequentaram o 1º ciclo do ensino básico e apenas 0,1% terminaram a licenciatura5. Ou seja, os percursos escolares são geralmente muito curtos, principalmente no caso das mulheres. A baixa escolaridade é também um fator, muitas vezes, consequência da pobreza.

Graves problemas de pobreza conjugados com baixa escolaridade são parte fundamental de um muro quase intransponível quanto à inserção no mercado de trabalho e à saída da situação de pobreza. Mas não são os únicos fatores, “os ciganos estão numa posição de desvantagem no emprego não só devido à falta de credenciais escolares e profissionais, mas também também devido à discriminação”6.

Quanto à habitação “a maior parte vive em moradias ou apartamentos de arrendamento social”7.

O Concelho de Loures é dos concelhos do país com mais negros e ciganos, fundamentais para a economia e cultura locais. A questão está em como romper este ciclo vicioso em que discriminação e pobreza se misturam e se vão autoalimentando.

Como se pode ver André Ventura não se apoia em qualquer tipo de facto da realidade. Não existe qualquer tolerância para com as populações ciganas, há séculos; o conhecimento que se tem das próprias populações ciganas é quase inexistente e, em grande medida, completamente deturpado pelo preconceito e racismo; embora 33,5% receba o RSI, os ciganos não vivem quase exclusivamente de subsídios e, pela pobreza extrema em que a grande maioria está mergulhada está bom de ver que os privilégios são algo que não assiste esta minoria. O candidato do PSD só tem razão em referir que as populações ciganas são uma minoria, este é o único elemento com pé na realidade.

Como não existe qualquer relação entre o discurso de André Ventura e a realidade, o PSD tem a necessidade de se empoleirar nos problemas de criminalidade que afetam as populações mais empobrecidas, nomeadamente, as populações ciganas, e de fazer soar os alarmes de uma suposta ameaça à segurança, tão presente nos dias que correm.

Não só não existe qualquer ameaça à segurança por parte das populações ciganas, como, de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna de 2016, tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave no país têm diminuído.

A retórica que o PSD nos quer fazer engolir é a do combate aos “privilégios das minorias étnicas”, que “ameaçam a nossa segurança”, através de mais policiamento. André Ventura torce a realidade, apoia-se nos preconceitos existentes, para atingir os seus fins eleitorais. Agarra nas minorias étnicas, cujo principal problema é a extrema pobreza, atribui-lhes comportamentos e caracterizações associadas à criminalidade, como se de um traço biológico ou cultural específico se tratasse, e define como solução a sua perseguição e o seu maior policiamento.

Alguma vez, alguma situação de pobreza foi resolvida com o aumento do policiamento?

O que diria André Ventura se soubesse que, em termos gerais, o número de prisões de portugueses no estrangeiro acompanha o nosso fluxo de emigração? No Luxemburgo, por exemplo, os portugueses representam uma das maiores percentagens de presos estrangeiros. Ou seja, os emigrantes têm como principal problema a pobreza. É, aliás, exactamente por essa razão que, grande parte das vezes, as pessoas emigram.

Em Loures combate-se o racismo com unidade à esquerda

Esta não é, portanto, uma batalha eleitoral qualquer. O MAS defendeu que nestas autárquicas BE e CDU se apresentassem unidos, sem a direita e sem o PS. Isso permitiria reforçar uma alternativa à esquerda não só nas autarquias mas também no país, contra a direita e o PS.

No entanto, PCP e BE têm mais facilidade em chegar a acordo com o PS para aprovar os Orçamentos do Estado feitos à medida de Bruxelas, que chegar a acordos à esquerda.

Em Loures, após 4 anos de governação da CDU, em coligação com o PSD, as grandes mudanças ainda estão por fazer. Na integração social e combate à pobreza, no apoio à maternidade e à criação de infra-estruturas de apoio à infância, nos transportes, assim como no combate à precariedade não foram operadas mudanças centrais. Ao mesmo tempo os trabalhadores camarários estão num impasse, dado que quem governa o município está também à frente do sindicato do sector.

É neste cenário que o MAS integra as candidaturas e a campanha do BE, junto com o Livre. O nosso objectivo é derrotar a guinada racista xenófoba da direita. Fazemo-lo sem nenhuma esperança em alianças com o PS e com uma postura de exigência face à CDU. Ao mesmo tempo, uma boa votação no BE permite uma aliança CDU-BE após as eleições, por uma cidade 100% à esquerda. Assim não haverá desculpa para renovar alianças com o PSD como a CDU tem feito em Loures ou com o PS, como BE e PCP têm feito no parlamento.

Loures irá concentrar vários das questões políticas centrais que ditarão a vida do país nos próximos tempos. Está em causa, se por um lado, o PS recupera a autarquia, apoiado no prestígio da Geringonça ou se, como nas legislativas e presidenciais, se vê encalhado entre as votações à sua esquerda e à sua direita. Será também, como já vimos, a primeira oportunidade de travar uma reconfiguração extremista da direita portuguesa, na qual se deve empenhar toda a esquerda e os movimentos anti-racistas. É ainda um desafio à esquerda, que tem a oportunidade de construir uma perspetiva unitária, sem o PS e contra a direita. Como é sabido, é essa a nossa aposta, nos Municípios e no país, por uma alternativa 100% à esquerda, sem a direita nem o PS. Por isso estamos, mais que nunca, na luta também em Loures.

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