Diante da grave situação na Venezuela

A 5 de agosto, iniciaram-se os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte na Venezuela. No entanto, os principais países imperialistas não reconhecem as eleições realizadas no último dia 30 de julho de 2017.

O governo Trump adotou sanções contra o presidente Nicolás Maduro. O secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, declarou que as eleições são ilegítimas. O Mercosul, com Brasil de Temer e Argentina de Macri à frente, anunciam novas sanções ao país. A União Europeia, com destaque para a Espanha, tampouco reconheceu a legitimidade das eleições. Para a esquerda socialista, isto por si só, já deveria dizer muito.

Como se isso não bastasse, no dia anterior, 4 de agosto, a aliança da oposição de direita MUD – Mesa de Unidade Democrática -, realizou uma nova marcha de protesto contra a posse dos deputados constituintes. O fato, é que o cerco ao país atingiu um dos seus pontos mais altos.

Mas verdade seja dita: a responsabilidade por esta situação em boa medida recai sobre o próprio chavismo. Passado quase 20 anos desde que Hugo Chávez foi eleito pela primeira vez, em 1998, a chamada revolução socialista bolivariana não tomou nenhuma medida séria contra o capital. Com isso o chavismo foi incapaz de alterar a estrutura económica do país.

A Venezuela continua dependendo da exportação do petróleo e segue tendo que importar quase tudo. A renda petroleira continuou responsável por cerca de um terço do PIB, 80% das receitas de exportação e por mais de metade do financiamento do Estado. Sem a retoma da produção agropecuária e sem um parque industrial nacional, o país continuou importando mais de 90% dos produtos, mercadorias, bens e serviços.

Com a subida do preço do petróleo na primeira década de 2000, ao invés de mudanças estruturais, o chavismo privilegiou um acordo com setores da burguesia e a realização de políticas sociais compensatórias. É verdade que com isso elevaram o IDH. Mas, como não podia deixar de ser, sem mudanças estruturais, esse avanço foi passageiro. Com a queda do preço do petróleo o país começou a vir abaixo. Em 2013-2014 iniciou-se uma recessão e, com ela, o descontentamento popular. Isso é uma das principais explicações para a vitória da MUD nas eleições legislativas de 2015.

Pese embora a política desastrosa do chavismo que terminou abrindo caminho para a contra-ofensiva da direita, não se pode perder de vista que o objetivo do imperialismo é retomar o controlo direto do país, em particular das suas reservas de petróleo. Para isso, necessita remover o governo pondo fim às mediações.

A ascensão do chavismo foi possível graças à heróica luta do povo venezuelano que se tornou um símbolo desde a famosa rebelião popular de 89, conhecida como “Caracazo”. Isso permitiu que a Venezuela se tornasse um país politicamente mais independente do imperialismo. A ofensiva contrarrevolucionária em curso tem como objetivo, não apenas derrotar o governo, mas subordinar completamente o país e, principalmente, retroceder o avanço das lutas populares não só na Venezuela, mas em todo o continente.

Escalada da direita e do imperialismo

Desde que venceu as eleições legislativas de dezembro de 2015, a MUD lançou uma contra-ofensiva para destituir o presidente Nicolás Maduro. Sem maioria na Assembleia Nacional, o governo passou a se apoiar no poder judiciário para governar. No decorrer de 2016, a oposição tentou interromper o mandato presidencial através de um referendo revogatório. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) impediu que isso ocorresse. No inicio de 2017, a MUD passou a exigir a antecipação das eleições presidenciais declarando o governo incompetente por abuso de poder.

Acossado pela oposição, ao invés de recorrer ao poder popular, Maduro tentou retirar o poder legislativo da Assembleia Nacional e passá-lo ao TSJ. Três dias depois recuou e, logo em seguida, no dia 1º de maio, convocou as eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte em 30 de julho.

Entretanto, essa que poderia ser uma forte retoma da ofensiva contra a direita, terminou sendo minada pelo controlo burocrático do governo sobre o processo eleitoral. As forças de esquerda, os grupos e ativistas independentes encontraram fortes obstáculos para legalizar suas candidaturas. Pouco mais de 5 mil candidatos dos 55 mil inscritos conseguiram obter seu reconhecimento. A quase totalidade dos candidatos das Comunas e do setor sindical, popular, camponês e indígena é ligada diretamente ao governo. Um processo que não estiver apoiado numa ampla democracia impede a unidade necessária para enfrentar a direita, além de diminuir a força e a legitimidade da própria Constituinte.

A oposição, por sua vez, não perdeu tempo. Decidiu intensificar as mobilizações e enfrentamentos através de lockouts, marchas e barricadas (“guarimbas”) visando impedir a realização das eleições. Chavistas foram queimados vivos e candidatos chegaram a ser assassinados. O governo realizou marchas e mobilizações, ao mesmo em que reprimia as manifestações opositoras através da Guarda Nacional e dos Coletivos populares, fazendo novas vítimas. De acordo com algumas fontes, desses enfrentamentos já resultaram em torno de 120 mortos entre abril e julho deste ano.

Sob um clima de máxima tensão, com barricadas e sem transportes, as eleições se realizaram. Logo, vieram as denúncias de fraude. A despeito disso, a Assembleia Nacional Constituinte instalou-se e ontem iniciou os seus trabalhos. O imperialismo aumenta o cerco, ao mesmo tempo em que alguns setores já acenam com negociações.

O desafio da esquerda socialista

Os socialistas revolucionários devem lutar pela construção de uma alternativa tanto ao governo de Maduro quanto à oposição de direita. A estratégia deve ser a superação do chavismo. Para isso é necessário fortalecer as forças sociais da revolução, apoiando-se tanto na defesa de um programa classista e socialista, quanto nas mobilizações, na auto-organização e autodefesa das massas operárias e populares.

Entretanto, nesse momento de extrema polarização, a construção dessa alternativa passa por se colocar na linha de frente da luta para derrotar a ofensiva contrarrevolucionária da direita, da OEA e do imperialismo. Não se constrói uma alternativa socialista e revolucionária desde um terceiro campo que na prática não existe. Fazê-lo é cair no puro abstencionismo. A unidade de ação necessária para derrotar a contrarrevolução não significa depositar nenhuma ilusão no governo de Maduro. Trata-se da mesma localização quando nos colocámos contra o impeachment de Dilma. Como se sabe, isso não significou apoiar a política e muito menos o projeto de conciliação de classe de Dilma-Lula-PT.

Equivocam-se também as forças de esquerda que neste momento buscam a superação do chavismo disputando o campo da oposição de direita. Na verdade trata-se de um erro ainda mais grave do que igualar neste momento governo e oposição. Ao se colocarem no campo da oposição de direita defendendo a queda do governo e o boicote à Constituinte perdem todo e qualquer critério de classe, confundindo revolução com contrarrevolução. Não se constrói uma alternativa em unidade de ação com a MUD ou o com imperialismo. Não é esse o campo onde devemos golpear juntos e marchar separados.

Neste momento tão dramático porque passa a Venezuela, a esquerda latino-americana tem como sua principal tarefa ajudar a derrotar a ofensiva contrarrevolucionária. É urgente que se coloque em marcha e se convoque a classe trabalhadora e os países irmãos a realizar ações de solidariedade em todos os terrenos necessários.

Ao mesmo tempo, é necessário exigir dos deputados constituintes uma saída socialista para o país. É urgente que se modifique o caráter da atual Constituição que protege a propriedade privada e a liberdade de comércio e do lucro, preceitos nos quais se assentam todo tipo de exploração, a opressão e a desigualdade social.

A nova Constituição deve garantir a adoção de medidas como a nacionalização das empresas estrangeiras, a imediata expropriação das empresas da direita golpista, uma PDVSA 100% estatal sob o controle dos trabalhadores. É fundamental que o Estado assuma o controle do comércio e da distribuição. Junto com isso é urgente a estatização do sistema financeiro. Só assim será possível realmente combater especulação e impedir a fuga de capitais. A suspensão do pagamento da dívida externa – até hoje paga pontualmente apesar da imensa crise que castiga o país – é vital para investimentos em infraestrutura, habitação, saúde e educação. É preciso, enfim, a democratização das Forças Armadas e um Estado assentado no poder operário e popular.

Tais são alguns dos principais desafios da esquerda socialista na Venezuela.

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