O Ministério do Ambiente apresentou o plano de expansão do Metro de Lisboa. Havia expectativa: o Metro nunca esteve tão caro, tão lento nem tão sobrelotado. Existia a promessa de abertura de quatro novas estações. Havia enfim, a expectativa de melhorias neste terreno que tem sido um dos que mais frustrações tem valido aos trabalhadores da Grande Lisboa.
Foi mais uma expectativa frustrada pelo PS. As principais novidades da expansão da rede são a abertura de duas novas estações – não as quatro prometidas – até 2022, outra é a transformação da linha verde numa linha “central” que passa a percorrer circularmente o centro da cidade. O custo previsto da obra é de 256 milhões. O dinheiro virá de fundos comunitários e de um empréstimo do Banco Europeu de Investimentos. Num momento em que os transportes públicos estão pela hora da morte e em que o investimento público ainda um pouco pior, estas até parecem ser boas notícias. Achamos que não. Porquê?
O Metro de Lisboa continua a afundar e o trabalhador é que paga
O cenário do Metro na capital é desastroso. 20% das carruagens estão paradas. O número de passageiros aumenta sem parar – no primeiro semestre quase alcançou os 40 milhões, um aumento de 11% face ao ano anterior. O tempo de espera nas paragens é cada vez maior: 7, 10 ou, por vezes, 15 minutos. As interrupções na linha são diárias e, dentro das carruagens, os passageiros extenuados por longas jornadas de trabalho apinham-se para caber.
Este cenário é resultado da política dos governos e executivos autárquicos da direita e do PS. O investimento estatal no metropolitano está parado há anos, pelo que a empresa pública é obrigada a cobrar bilhetes mais caros e endividar-se junto à banca. A dívida do Metro de Lisboa é de quase 4 mil milhões de euros e absorve a maior parte do orçamento da empresa. Ou seja, apesar da empresa ser pública, ela não é financiada pelo estado, ela pratica preços de privado e um serviço sem qualidade, sendo as suas receitas canalizadas maioritariamente para a banca, através do pagamento da dívida. Embora António Costa tenha travado a sua concessão, a verdade é que o Metro de Lisboa não tem nada de público.
Exemplo maior disto é o dos famosos contratos Swap1 com o banco Santander. Estes contratos de financiamento são um sugadouro permanente de recursos. Os valores das perdas do Estado em contratos swap, só no Metro de Lisboa, estão avaliadas em mais de 1,1 mil milhões de euros. Este valor pagaria várias vezes a expansão agora anunciada. Como se não bastasse, o Governo de António Costa acabou de anunciar que desiste dos litígios em Tribunal com o Santander sobre estes contratos, em troca de um desconto de 500 mil euros num empréstimo com o banco espanhol.
O que está por trás da expansão do Metro?
O primeiro problema dos atuais planos do Governo, é o de não alterar o cenário acima descrito. O cancelamento unilateral dos contratos swap é a primeira obrigação do Governo nesta matéria. Com o dinheiro poupado seria possível expandir a rede do Metro, consertar a manter as carruagens e adquirir novas, assim como contratar pessoal. Mas as opções feitas a nível da expansão da rede também mostram opções de classe. Ao contrário do anunciado, ficam adiadas as estações de Campo de Ourique e Amoreiras. Não é casual: opta-se por servir umas das Freguesias de classe média da cidade, a Estrela, em vez de optar por servir as zonas de Campo de Ourique e Campolide/Amoreiras, onde vive população mais pobre e envelhecida. Dá-se ainda a preferência a uma nova estação em Santos, conhecida pela sua vida noturna. A expansão para os subúrbios fica assim travada. Nem se fala em bairros de trabalhadores, como Alcântara e Ajuda, tão mal servidos de transportes e é negada a expansão para Loures, tão exigida pela autarquia. Também aqui se optou por, em tempo de eleições, não dar esse brinde à CDU, que dirige Loures. Foram todas opções de classe, portanto.
O centro cidade reservado ao turismo e à especulação
Não mereceu muita atenção a transformação da linha verde numa espécie de linha central, que faz um percurso circular no centro da cidade, enquanto as linhas amarela, azul e vermelha fazem a ligação entre centro e periferia. Não por acaso, as novas estações são na nessa linha central. Quem fica para trás, como sempre, é o trabalhador mais pobre, que paga o passe mais caro e vive na periferia. O negro, o precário e a emigrante.
A nova linha verde, aos círculos entre o Chiado, o Rossio, o Cais-do-Sodré e as Avenidas Novas, será a linha do turismo e da especulação imobiliária. Nos últimos dois anos, só na Baixa, concederam-se licenças para novas 40 unidades hoteleiras. O Airbnb2, a UBER do alojamento, prolifera e pressiona os preços das casas e das rendas. As casas no centro de Lisboa são, em média, três vezes mais caras que nos arredores. As rendas subiram quase 40% em três anos. O que vemos na Área Metropolitana de Lisboa é, portanto, o afastamento da população trabalhadora do centro da cidade para a periferia, empurrada pelo preço da habitação. Isso sobrecarrega os transportes ao mesmo tempo coloca mais gente a pagar passes altos.
Propostas socialistas para mudar a cidade
A política do PS, na Câmara e no Governo é de transformar o país e a capital em particular, numa plataforma turística gigante, que alimente a construção e a especulação imobiliária. Os grandes investimentos camarários são no sentido de captar investimento turístico e imobiliário. É isso que está por trás das obras em Jardins, Praças ou vias públicas, como no Saldanha ou Cais do Sodré e é isso que está por trás da presente expansão do metro. Não por acaso, em ambos os casos, a periferia foi esquecida. Todos sabemos que espaços públicos cuidados e transportes próximos valorizam os imóveis e é isso que Medina faz com o dinheiro público. E assim vai avançando a chamada Gentrificação3 que ameaça transformar Lisboa numa enorme Disneylândia para os turistas e investidores.
É necessário reverter este processo. A política dos transportes é essencial para a qualidade de vida ambiental e dos trabalhadores. Uma política socialista tem de passar pela substituição sustentada do transporte individual por transportes públicos e por isso a expansão do metro é essencial. Porém esta expansão que deveria priorizar os trabalhadores e servir as suas áreas de residência. O modelo de funcionamento do Metro e dos Transportes públicos devia ser invertido: em vez de dar dinheiro a ganhar à banca, deviam ser as grandes empresas a pagar os transportes através de impostos. De resto, não é justo que sejam os trabalhadores a pagar a sua deslocação para o trabalho, onde dão lucros a ganhar aos patrões, ou para as grandes superfícies de consumo, onde as grandes empresas fazem milhões. Toda a rede de Metro, autocarros, barcos e comboio da Área Metropolitana de Lisboa devia ser unificada numa grande empresa pública, coordenada, com transportes gratuitos 24h/dia, gerida de forma democrática por trabalhadores e utentes. Ao mesmo tempo, o Turismo devia ser controlado e o centro da cidade revitalizado por um plano de obras públicas que gerasse emprego e construísse habitação popular barata. As rendas deviam ser controladas, para que quem trabalho em Lisboa possa viver em Lisboa. Com as eleições autárquicas à porta, caberia à esquerda – BE e PCP -, aos sindicatos e os movimentos de moradores unir-se para lutar por estas meddias, não apenas no terreno eleitoral. Já que isso não foi feito, que as candidaturas de BE e CDU possam levantar de facto um programa de ruptura e ponderar, ainda, coligar-se, para retirar Lisboa das mãos do PS e da direita.
NOTAS
1 Mais informações sobre o tema aqui: https://eco.pt/2017/04/21/swap-da-metro-de-lisboa-e-dos-melhores-negocios-internacionais-do-santander/
2 Airbnb permite aos indivíduos alugar o todo ou parte de sua própria casa, como uma forma de acomodação extra. O site fornece uma plataforma de busca e reservas entre a pessoa que oferece a acomodação e o turista que busca pela locação. Abrange mais de 500 mil anúncios em mais de 35.000 cidades e 192 países. Desde sua criação em novembro de 2008 até junho de 2012, mais de 10 milhões de reservas foram agendadas via Airbnb. ( https://pt.wikipedia.org/wiki/Airbnb )
3 “Chama-se gentrificação (do inglês gentrification) o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada.[1][2].” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Gentrifica%C3%A7%C3%A3o); mais sobre a Gentrificação em Lisboa pode ser lido aqui: http://www.esquerda.net/dossier/segunda-gentrificacao-de-lisboa/44848