Neste momento funcionam, em regime de fundação, as Universidades do Minho, Aveiro, Porto, a Nova de Lisboa e o ISCTE. Prevê-se também, desde que o Reitor, João Gabriel Silva, convocou, em Outubro, a comunidade universitária para uma sessão de esclarecimento sobre a adoção do regime fundacional, que a Universidade de Coimbra adopte igualmente o modelo fundacional.
O que é o regime fundacional?
Em 2007, com a aprovação do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), abriu-se a possibilidade das instituições de ensino superior solicitarem ao Governo a sua transformação em fundação pública com regime de direito privado. Elaborado aprovado pelo PS, esta lei implementa nas Universidades Públicas um modelo de gestão igual à das instituições privadas. Com a adoção deste modelo, o Estado é desresponsabilizado das suas funções – especialmente no que toca ao financiamento, visto que a instituição passará a ter que garantir mais do que 50% do seu orçamento, inevitavelmente através dos privados. Desse modo, abrem-se portas a empresas e grandes grupos económicos que passarão a investir nas universidades e a decidir sobre o rumo do ensino. Numa palavra, trata-se da privatização das instituições de ensino superior.
Uma das características do Regime fundacional é a criação de um Conselho de Curadores, «constituído por cinco personalidades de elevado mérito e experiência profissional, reconhecidos como especialmente relevantes». Este novo Conselho coloca-se acima do Reitor, os membros são nomeados pelo Governo, após proposta do Conselho Geral da Universidade, tem um mandato de cinco anos, renovável uma única vez, não podendo ser destituído sem motivo justificado. No seu domínio está a gestão do património e a gestão do orçamento, entre muitos outros poderes.
Nas Universidades que já adotaram o modelo fundacional, as figuras que ocupam os cargos do Conselho de Curadores são, muitas vezes, gestores e ex-gestores de grandes empresas ou bancos, entre eles: Alexandre Soares dos Santos (Jerónimo Martins) na Universidade de Aveiro, António Saraiva (presidente da Confederação Empresarial de Portugal) no ISCTE, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, António Mexia ou Miguel Cadilhe, parte deles agora em Tribunal envolvidos em escândalos de corrupção.
O regime fundacional afeta desde estudantes a professores, passando igualmente pelo corpo não docente. A precariedade passará a ditar ainda mais o dia-a-dia nas universidades. O regime de contratação é, então, mais flexível por obedecer às normas do modelo privado. Recorde-se, pois, a recente polémica dos 40 docentes contratados pela Universidade do Porto sem remuneração, que, segundo o presidente do Conselho de Reitores, António Cunha, é”normal e pontual”1.
Os estudantes, sem dúvida, sentem também o efeito da passagem a Fundação. Se já em regime público muitos sentem dificuldades em manter-se na universidade (contando com a ajuda dos pais e dos empregos precários), quanto mais elitista e privatizado for o ensino, mais dificuldades sentirão em permanecer na Universidade, e o aumento da taxa de abandono, que neste momento já é elevada, certamente será mais um reflexo disso.
Embora neste momento se discuta o congelamento da propina, o valor em que está (em Coimbra é de 1064€) hoje em dia já impõe limitações ao acesso, havendo muitos casos de alunos/as que desistem ou nem chegam a ingressar no ensino superior. E se num primeiro momento não se aumenta a propina de forma a gerar mais rendimentos, pode-se mexer nos custos inerentes à frequência do ensino superior, como fizeram na Universidade do Minho, que após passar a fundação, viu o custo das cadeiras isoladas a duplicar.
Por fim, a própria investigação também sofre nesta lógica de mercado do ensino – as empresas entram cada vez mais nas universidades, sob a retórica de agilizar a relação estudantes/investigador e o mercado de trabalho, e escolhem investir nas áreas que mais lucros dão, desprezando aquelas que não tem tantos benefícios financeiros associados. Ou seja, o que acontece é um autêntico afunilamento da investigação. O que já acontece em muitas universidades, onde as empresas fazem parcerias, e, em troca do investimento, requerem que os investigadores façam patentes em vez de publicar os seus trabalhos – a Bluepharma em Coimbra é excelente exemplo desde modelo de parceria –, fechando as portas à circulação da informação produzida nas Universidades. No fundo trata-se de ter instituições públicas a fazer investigação paga por todos, para dar lucro a grandes empresas.
O Governo tem obrigação de parar a passagem a fundação
Um dos pontos dos acordos entre PS, PCP e BE, que permitiram a formação do atual do governo, é o fim das privatizações. Ora, sendo assim, a passagem da UC a Fundação, colocando grandes empresários a dirigir a Universidade e retirando-lhe financiamento público, é certamente uma privatização pouco camuflada e portanto um incumprimento do acordo entre PS e a esquerda. Bloco de Esquerda e PCP não podem contemporizar com mais este atropelo do PS e devem dizer abertamente que esta alteração não pode ser aceite por eles. Devem propor na Assembleia da República a suspensão da passagem de mais instituições de ensino a Fundação. Caso contrário, nem os famosos acordos da Geringonça servem para salvar o Ensino Superior e ajudar professores e estudantes.
Mobilizar para travar a fundação!
Tal como noutras universidades que abriram o processo de passagem a Fundação, em Coimbra os/as estudantes e docentes organizam a resistência, dentro e fora dos círculos oficiais, e acusam o regime fundacional de significar parte do processo de privatização daquela instituição. A posição maioritária é de crítica à Fundação, nomeadamente por parte do atual Conselho Geral. As repúblicas e outros coletivos de estudantes têm-se mobilizado no sentido de contestar a Fundação, bem como de exigir do Reitor a realização um amplo debate junto de toda a comunidade universitária sobre a eventual passagem e os efeitos que terá na Universidade.
Este é o caminho a seguir: o da mobilização. É preciso antes de mais alargar o debate a toda a comunidade universitária, chegar aos estudantes, aos núcleos de estudantes e à Associação Académica de Coimbra, quer a a sua direção queira quer não. Ao mesmo tempo, é essencial unir estudantes, professores, funcionários e investigadores. A maioria dos professores elegeu representantes para o Conselho Geral que recusam o modelo fundacional: é necessário que estes se juntem aos estudantes nas ruas para exigir a suspensão deste processo e que toda a Universidade seja ouvida e consultada. O Reitor e o Governo não podem privatizar uma das Universidades mais antigas da Europa, contra tudo e contra todos!