edp-stcc-siesi-sindicato-dos-trabalhadores-de-call-center-greve5

“A luta contra a precariedade é comum a centenas ou milhares de outros call-centers”

O MAS tem acompanhado e apoiado as greves nos call-centers da EDP de Lisboa. A organização e sindicalização dos trabalhadores precários é uma aposta estratégica do nosso partido, assim como a dinamização de um sindicalismo independente, combativo e democrático.

Por isso, apesar de apoiarmos todas as lutas dirigidas pelos sindicatos ligados à CGTP – e mesmo da UGT, quando existem -, somos muitas vezes críticos dos métodos usados. Por isso mantemo-nos como oposição ao Governo PS, uma vez que, a nosso ver, não tem resolvido os problemas centrais dos trabalhadores.

Para aprofundar estes debates fomos entrevistar Dário Costa, operador do call-center da EDP e recém-sindicalizado no STCC – Sindicato dos Trabalhadores de Call-Center –, independente de ambas as centrais sindicais. Dário Costa é um nome fictício, uma vez que, apesar das lutas e greves, hoje a precariedade ainda torna perigoso dar a cara para falar sobre direitos e mobilização dos trabalhadores.

 

MAS: Há quanto tempo que trabalhas no call-center da EDP? Tens contrato com quem? Qual é o teu salário médio?

DC: Estou a trabalhar na EDP fez este mês de novembro 3 anos, sem contar os 4 meses de formação inicial (1 em sala e 2 on-job). Respondemos como EDP perante o cliente mas trabalhamos para a Randstad.

O salário médio tem-se situado cerca de 30 euros acima do salário mínimo considerando os aumentos do salário mínimo dos últimos anos que têm acompanhado o meu percurso no sistema de escalões por antiguidade que existia na empresa à minha chegada. Existia, porque estes escalões não têm  sido atualizados face aos aumentos do salário mínimo.  Existiam 4 escalões que se atingia aos 6, 18 e 36 meses de trabalho mas considerando que em princípio o salário mínimo nacional vai voltar a aumentar agora em 2017, vão restar apenas dois escalões. O inicial, igual ao salário mínimo e o escalão dos 36 meses situado atualmente em 645 euros de salário base.

 

: Têm havido greves e plenários nos call-centers da EDP. Tens participado? Que avaliação fazes desta luta?

DC: Existe com regularidade plenários promovidos pelo principal sindicato afeto aos trabalhadores dos call-centers da EDP (SIESI) e também têm existido greves com frequência. A avaliação não pode ser totalmente satisfatória ou positiva considerando que os resultados têm sido bastante escassos face às reivindicações. Tivemos recentemente por exemplo, como resposta à nossa luta, uma atualização salarial de 1 euro para trabalhadores com mais de 3 anos de casa e um arredondamento nos 6 euros do subsídio de alimentação. Nem uma palavra contudo em relação à atualização dos escalões de modo a acompanhar os aumentos do salário mínimo. Além disso a nossa luta é ingrata porque nunca existe aderência a 100% e nem pode haver porque temos sempre colegas em on-job que, com contratos de formação não podem aderir à greve, e temos colegas a colmatar a nossa ausência no call center de Seia, cujas condições salariais e reivindicações são outras e pelo que percebo não têm participado das nossas ações. Portanto, o impacto por mais que possa existir, acaba sempre por ser reduzido porque o trabalho – já imensamente atrasado – atrasa mais um pouco mas a linha de atendimento não chega a parar.

 

MAS: Quais são as principais reivindicações desta luta?

DC: A revindicação principal mas que é de certa forma utópica, é a integração dos trabalhadores dos call centers da EDP nos quadros da EDP. Mas este cenário, apesar de justo, é bastante improvável. Mais justo ainda contudo é a atualização salarial que não existe desde 2012, quando houve um aumento de 8 euros. Atualmente a ação sindical bate-se por um aumento diário de 1 euro (cerca de 30 euros mês), mas a EDP respondeu com um aumento mensal de 1 euro (no último escalão). Existe ainda outra reivindicação acerca do prémio pelos 10 anos de antiguidade – temos muitos colegas nesta situação, o que demonstra o caratér de efetividade da função e não de prestação de serviços via empresa de trabalho temporário – atualmente em 500 euros.

 

MAS: Do teu ponto de vista, quais são os pontos fortes e fracos deste processo de lutas e greves?

DC: Apesar do generalizado descrédito que categoria “sindicato” adquiriu, no geral, junto dos trabalhadores nos tempos que correm, onde muitos não reconhecem o sindicato como uma entidade capaz de zelar pelos direitos dos trabalhadores – e nos CC da EDP não é diferente – temos uma boa percentagem de colegas que acredita nesta luta e nas ações de luta propostas pelo SIESI. A dinâmica dos delegados sindicais na realização de plenários nas próprias instalações onde desempenhamos o nosso trabalho são com certeza um ponto positivo neste processo, uma vez que a visibilidade inevitavelmente criada junto dos trabalhadores permite atrair a atenção daqueles que normalmente estariam “desligados” destas questões.

Um ponto menos positivo a respeito, tem a ver com o facto de não sermos trabalhadores de call-center diferentes de outros trabalhadores de call center. A luta contra a precariedade das nossas funções é comum a centenas ou milhares de outros call-centers no país, e a luta contra a precariedade do trabalho de call center não é central na agenda do SIESI mas deveria ser. E o fim da precariedade dos trabalhadores de call center apenas pode ser alcançado com o reconhecimento do trabalho de call center como um trabalho de desgaste rápido e como tal, pausas de 4 minutos de 2 em 2 horas e um limite de 6 horas de atendimento telefónico por jornada de trabalho deveriam ser direitos adquiridos.

 

MAS: O método de greves repetidas usado pelo SIESI assemelha-se um pouco às greves do Metro nos últimos anos. Será este o melhor método? Quais achas que poderiam ser os próximos passos para dar continuidade à luta?

DS: Compreendo a comparação uma vez que o impacto junto da entidade patronal é reduzido, face ao impacto que estas ações têm junto dos utilizadores/clientes que acabam por ser os maiores prejudicados devido à dificuldade de contacto com a linha da EDP, ou devido ao atraso na realização de seus pedidos (2ªs vias de faturas por exemplo). Admitindo que a paralisação por intermédio de greves não é o melhor método, é a arma que temos ao nosso dispor enquanto este tipo de luta for realizada somente no âmbito dos call centers da EDP, como uma espécie de categoria excecional dentro dos call centers. É claro que a reivindicação salarial nos moldes em que é feita, é um aspeto particular da “nossa” luta, contudo esta luta deve ser também a luta de outros trabalhadores de call-center Randstad, ou luta dos nossos vizinhos da Teleperformance por exemplo (ironicamente o call-center da EDP em Lisboa, no Parque das Nações, localiza-se justamente ao lado de outro call-center, o da Telepeformance).

 

MAS: O Sindicato dos Trabalhadores de Call-Centers tem promovido uma campanha para que o trabalho em call-center seja considerada profissão de desgaste rápido. Concordas com esta reivindicação? Porquê?

DS: Concordo efetivamente. No último plenário promovido pelo SIESI estivemos inclusivamente a discutir sobre o elevado número de colegas de profissão há vários meses de baixa psiquiátrica. Em França também têm-se relacionado o acréscimo do número de suicídios com a precariedade e com o desgaste das funções do trabalho em call-center. O nosso trabalho é porventura uma das profissões mais desgastante a nível psicológico das sociedades ocidentalizadas atuais, quer devido à pressão por resultados de qualidade e excelência, quer devido à pressão por resultados comerciais (vendas) ou até mesmo pela repetitividade de funções e barulho em sala. Este último ponto sobre o barulho em sala, é também uma questão que a meu ver deveria ser regulada no âmbito dos call-centers, da mesma forma que a questão das pausas de 4 minutos de 2 em 2 horas (atualmente existe mais ou menos um consenso quanto aos 2 minutos de pausa de 2 em 2 horas) e a questão do limite de tempo de atendimento de 6 horas por jornada de trabalho (8 horas), devendo ser as restantes 2 horas consagradas ao desempenho de outras funções administrativas. O barulho em sala é um ponto de preocupação em alguns call-center mas em outros definitivamente não, e os próprios colegas em posições hierárquicas superiores, são primeiros a promover este “barulho” sob a forma de dinâmicas comerciais, com gritos de incentivo a vendas, que sobrepõem-se às vozes dos colegas em linha, que aumentam o tom de voz em resultado disto, elevando todo o nível de decibéis em sala. Ora se na generalidade das atividades profissionais existem limites quanto o ruído que o trabalhador pode estar exposto, porque nos call-centers a situação permanece diferente e excepcional?

 

MAS: Nos call-centers existe muita precariedade e também muitas mulheres, LGBT´s e Negros. Porque achas que é assim? A teu ver existe relação entre a precariedade e as opressões?

DC: Nos call-centers parece-me que a mancha social atual, pelo menos no panorama português é bastante heterogénea. Existe desde jovens estudantes até mesmo dos secundário, de licenciaturas e mestrados, até pessoas de meia-idade que recentemente se viram numa situação de desemprego após décadas de dedicação ou a uma empresa que faliu, ou ao setor público. E existe ainda os recém-licenciados ou licenciados sem emprego na área. Ou seja, atualmente a precariedade é transversal à sociedade. É claro que para os grupos citados existe opressão e precariedade a outros níveis, mas no âmbito dos call-centers pelo menos, a situação parece ser fatidicamente “democrática” – todos têm direito à precariedade – excepto claro, grupos de privilégio, no acesso ao ensino e/ou mercado de trabalho. A situação é contudo diferente no que diz respeito à facilidade com que negros e/ou imigrantes e filhos de imigrantes sobem dentro das hierarquias dos call-centers. Nesse ponto considero que existe claramente discriminação e, pelo menos nos call-centers da EDP, a subida hierárquica está muito mais relacionada com privilégios e influências do que propriamente com o mérito.

 

MAS: Muitos trabalhadores e jovens vêm com bons olhos o Governo PS, apoiado por BE e PCP. Uma das promessas do governo é precisamente o combate à precariedade. Como jovem, precário e da periferia de Lisboa, que avaliação fazes deste novo governo?

DC: Os sinais deste novo governo são claramente positivos, pelo menos em relação ao anterior executivo. Mas até ao momento o referido combate à precariedade tem sido discreto e apenas cingido à função pública com a integração de alguns trabalhadores precários nos quadros públicos previsto para 2017. Para nós, uma larga mancha de jovens da periferia, precários e trabalhadores de call-center, ainda não se vislumbra a médio prazo mudanças significativas na nossa atividade laboral, apesar do apoio à esquerda do governo. Nas ações de luta reinvidicativa promovidas pelo SIESI temos inclusivamente tido a presença de representantes dos partidos à esquerda do PS, que têm dado importância à nossa luta e publicado a respeito, e isso sem dúvida é bom e positivo, não tem porventura chegado para influenciar na tomada de decisões junto da maioria que sustenta o governo, mas acaba por ser um bom principio, sermos ouvidos.

Anterior

Eleições Comissão de Trabalhadores Santander Totta: vitória do sindicalismo combativo

Próximo

António Santos Júnior, um dos nossos