O Orçamento de Estado para 2017 foi apresentado como um orçamento “Robin dos Bosques”, que retira aos ricos para dar aos pobres. Segundo a maioria parlamentar – PS, BE, PCP e PEV – a política fiscal apresentada teria esse conteúdo.
Infelizmente, acreditamos que, se virmos para além da propaganda, este “Robin dos Bosques” está bastante confuso: por vezes retira dos ricos para dar de novo… aos ricos. Outras vezes é pior, pois tira dos pobres para dar aos ricos.
Salários directos e indirectos
A reposição de rendimentos tem sido a principal bandeira desta maioria. É mais uma bandeira demagógica, porque a devolução de rendimentos é pífia e anulada pela política de (des)investimento público e pelos impostos indirectos. A dita devolução de rendimentos é só no sector do estado, porém como noticiou o jornal Público seria necessário um aumento de 13% dos salários para que os funcionários públicos voltassem ao nível salarial de 2010. Por sua vez, a sobretaxa de IRS não vai ser removida na totalidade de imediato. A sobretaxa do IRS nos altos escalões penaliza a classe média, alta em alguns casos, mas não é para beneficiar os mais pobres, mas sim para pagar a sacrossanta dívida e cumprir o incontornável défice.
Além disso, não podemos esquecer que além do salário directo – aquele que aparece na folha de vencimento – existe o salário indirecto, que é pago pelo Estado sobre a forma de serviços: saúde, educação, transportes etc. Estes sectores não só não são alvos de um maior investimento, como se degradam cada vez mais. Os transportes públicos são o exemplo crasso de desinvestimento, ou seja, de corte nos salários indirectos. Mas na administração pública – especialmente na saúde e educação, que são os dois maiores sectores do estado – existe a mesma degradação.
Mário Centeno mantém a regra de que para cada dois trabalhadores que saem do sector público, só um entra. Ao mesmo tempo, a redução do horário de trabalho (de cerca de metade) dos trabalhadores da Função Pública não está a ser compensado com mais entradas, pelo que são necessárias cada vez mais horas extraordinárias na Administração Pública. Estas são pagas através de cortes nos próprios serviços de saúde e educação. O pouco que o Governo devolve nos salários directos, continua a retirar nos indirectos. Sem saúde, educação e transportes públicos, os trabalhadores são obrigados a gastar no privado e a pífia devolução de rendimentos não cobre estes gastos.
Não há investimento público mas o Estado dá milhões ao privado
A soma do que será gasta em 2017 em juros da dívida e em PPP’s quase alcança os 10 mil milhões de euros. Trata-se, portanto, de pagar num ano o equivalente ao buraco do BPN. Isto é assim todos os anos: com o PS ou com a direita, com ou sem geringonça. Este valor supera o que é gasto anualmente em saúde ou educação e é verdadeiramente o centro do Orçamento do Estado: garantir que o Estado continua a taxar os trabalhadores para pagar estas rendas fixas à banca e aos grandes grupos económicos.
Ou seja, estas duas rubricas gigantescas do OE mais não são do que a transferência de dinheiros públicos para entidades privadas através de negócios obscuros e desnecessários. Para o BE e o PCP isto é um pormenor, mas para os trabalhadores deve ser central. Este dinheiro permitiria repor verdadeiramente os rendimentos dos funcionários públicos, aumentar seriamente as pensões e criar investimento público e, por essa via, centenas de milhares de postos de trabalho. Por isso o MAS defende a suspensão do pagamento dos juros da dívida, a auditoria à dívida pública e a anulação das PPP’s.
O barulho da direita e o silêncio da esquerda
Se o OE é tão próximo daquilo a que a direita nos habituou, porque reagiu furiosamente a direita a medidas como a do “Imposto Mortágua”? Primeiro queremos dizer que embora não apoiemos a sua política, nos posicionamos ao lado do BE e de Mariana Mortágua face aos ataques que a direita lhe fez e à sua família – em particular ao seu pai, Camilo Mortágua, histórico militante anti-fascista.
Porém advertimos: a histeria da direita não faz com que este Orçamento mereça o apoio da esquerda. A direita vocifera, antes de mais, porque quer cortes e ataques mais directos do que os que Costa tem feito. Por outro lado, porque quer voltar ao poder e por isso usa o controlo que têm sobre os media, para colocar a esquerda e o governo na defensiva. E têm conseguido.
Como água mole em pedra dura, a direita usa estes momentos para desgastar o governo e, na ausência de uma alternativa de esquerda protagonizada por BE e PCP, é possível que o consigam e, por essa via, possam voltar ao poder.
Já BE e PCP, ao apoiarem este Governo PS e este OE, anulam-se politicamente. O que estão a dizer aos trabalhadores é que não se postulam a ser uma alternativa a quem governou o país nos últimos 40 anos, mas que se resumem a ser o “CDS do PS”.
Desta forma, aos olhos de milhões parece que a única alternativa política ao PS é a direita. Ao mesmo tempo, BE e PCP, salvam o PS da debacle que partidos do centro-esquerda sofreram em países como a Espanha e a Grécia.
Por fim, ao vergar-se perante o OE, BE e PCP, vergam-se também perante os dois principais objectivos que nele estão inscritos: pagar a dívida e o défice. Por isso toda a direita esfrega as mãos, apesar do ódio que têm à geringonça, agradecem a Costa ter domesticado o BE e o PCP. Como afirmou Marques Mendes: “Este Orçamento de Estado é o milagre da Conversão do PCP e do BE ao Tratado Orçamental”.
Acreditamos que os militantes de base, bloquistas e comunistas, devem reflectir seriamente neste assunto. Tudo indica que a política das suas direcções não serve para repor rendimentos, fortalece o PS e pode, a médio prazo, abrir caminho à direita. Uma alternativa política de esquerda deveria ser apresentada por BE e PCP, uma “geringonça sem PS”, que aumentasse o salário mínimo para 600€ já, suspendesse o pagamento da dívida e anulasse as PPP’s, para poder criar emprego. É essa a proposta do MAS.