De olhos bem abertos

Por que não pedem o BE e o PCP a demissão do primeiro-ministro e nem sequer apresentam uma Moção de Censura no Parlamento?

Não será estranho que o actual primeiro-ministro se veja envolvido pela segunda ou terceira vez em casos que comportam indícios seguros de que o seu comportamento é mais que duvidoso e que ninguém da esquerda tenha a coragem de declarar, simplesmente, que José Sócrates não tem condições (sequer morais) de continuar à frente do governo do país? Não será estranho que, apesar de o jornal Sol ter publicado escutas esclarecedoras, e nenhuma delas desmentidas, sobre a intenção de o primeiro-ministro, através da compra da TVI pela Portugal Telecom, calar as vozes dos que investigavam a sério o seu papel no caso Freeport, o BE e o PCP não se decidam a apresentar uma moção de censura ao governo na Assembleia da República? Muitas pessoas pensam que esta atitude do BE e do PC se deve a cuidados tácticos compreensíveis. Afinal de contas, há cerca de uns anos um partido (o PRD) tomou uma iniciativa semelhante e quem beneficiou dela foi o primeiro-ministro de então, o nosso conhecido Cavaco Silva. Permita-nos discordar desta comparação. Nessa altura, a moção de censura não se apoiava em factos de corrupção, compadrio e desonegação da liberdade de imprensa de forma tão gritante como agora e, acima de tudo, não existia uma conjuntura política em que o divórcio da população com o governo fosse tão grande quanto hoje. Podemos afirmar, sem risco de errar, que Sócrates só teve condições de se candidatar a um segundo mandato porque, quer o movimento sindical quer o BE e o PCP (e até magistrados a si afectos), lhe concederam oxigénio suficiente. As lideranças sindicais recusaram-se a convocar uma greve geral em momento oportuno; recusaram-se a fazer cair a então ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, estendendo-lhe um oportuno “memorando de entendimento”, via FENPROF, dirigida pelo PCP. A esquerda, do BE ao PCP e a Manuel Alegre, todos recusaram-se a ponderar uma frente comum para se apresentar às legislativas em condições de tirar Sócrates do poder. Todos, cada um a seu modo, preferiram antes fixar o objectivo de retirar a maioria absoluta ao PS (objectivos do BE e PCP) e passaram mesmo a apoiá-lo na recta final (Alegre), este último com o objectivo de (re)conquistar as simpatias de Sócrates para o apoio à sua eleição à Presidência da República em 2011. Desta forma, o governo conseguiu ganhar tempo. O caso Freeport foi abafado, os jornalistas afastados, as escutas do actual caso Face Oculta, “perdidas” pelos corredores entre Aveiro e a Procuradoria-Geral da República, para só virem a público após Sócrates ganhar as eleições legislativas. Se nada se faz no sentido de impedir que Sócrates permaneça no poder é porque todos desejam que a situação se mantenha em banho-maria. Para a direita é favorável, porque lhe dá tempo para encontrar uma nova liderança. Para a esquerda, atrasa a sua chegada ao poder e as consequências que este acontecimento acarreta. E quem se trama neste processo contínuo? Os mesmos de sempre. Os trabalhadorese a maioria do povo, obviamente, é que pagarão com o desemprego, a precariedade, o congelamento de salários e a retirada de direitos o prolongamento de Sócrates no governo.

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