No passado dia 23 de Março, a Portway (empresa de Handling – Assistência em terra a passageiros e bagagens) anunciou o despedimento coletivo de 256 trabalhadores.
Este despedimento teria como motivação o fim do contrato de prestação de serviços entre a Portway e a Ryannair, visto não ter havido acordo com a proposta desta última desejar baixar (ainda mais) os valores cobrados pela operadora de handling.
Os serviços prestados à Ryanair representam cerca de 35% da operação total da Portway, atingindo no Porto cerca de 50%. Nesta terça-feira dia 29 de Março começaram assim as notificações de 256 trabalhadores, sendo abrangidos cerca de 121 trabalhadores no Porto, 80 em Lisboa e 54 em Faro.
O despedimento coletivo na Portway: uma farsa mal contada
Aquilo que poderia parecer à primeira vista um despedimento coletivo legal devido à perda de serviço com a Ryanair, não passa no entanto de uma manobra da empresa e, portanto, de um despedimento ilegal. Senão vejamos:
– A administração propõe que alguns dos trabalhadores passem a part-time dizendo que, assim, poderiam ser menos os despedidos.
– Chefes de escala afirmam que os despedimentos são produto da ação sindical e não da Ryanair, e por isso quem se “portar bem” pode não ser despedido.
– Os trabalhadores a despedir não são os que realizavam as operações da Ryannair mas os que permitem uma maior poupança à empresa – a administração anunciou que esta medida irá permitir uma poupança de quase 7,3 milhões de euros em 2017.
– A empresa tem em curso novas formações e estágios com vista a contratar novos trabalhadores – mais precários e mais baratos, que substituirão os que são despedidos.
Ou seja, a Portway aproveita a desculpa do fim do contrato da Ryanair (que nunca teve valores que pagassem verdadeiramente a operação) para conseguir baixar o nível salarial da empresa, precarizar as relações laborais e impor o medo como padrão.
O falso self-handling da Ryanair e a não fiscalização da ANAC
Mas as fraudes não terminam aqui, pois a Portway também fechou os olhos à própria manobra da Ryanair. Na ausência de acordo, a transportadora teria decidido fazer ela própria a sua assistência em terra – o “self-handling”. No entanto, a realidade não é essa.
Quem realiza o Handling da Ryanair é a Groundlink, tal como já acontece há quase um ano em Ponta Delgada. No entanto, a Groundlink (ao contrário da Ryannair) não tem licença para realizar handling nas categorias 3 (bagagem) e 5 (placa), o que torna a sua assistência ilegal.
Por outro lado, qualquer empresa para operar o sector tem de cumprir alguma das contratações coletivas em vigor, o que não acontece nem com a Ryanair nem com a Groundlik, tendo esta última nos seus quadros superiores, ex-administradores e ex-directores da Portway!
A ANAC que deveria regular e fiscalizar este tipo de situações não cumpre o seu papel de regulador e fecha os olhos perante a ilegalidade desta situação. Nesse sentido, é fundamental exigir que a ANAC fiscalize o cumprimento da lei no que toca às licenças para operar no handling e que se faça cumprir a contratação coletiva válida no sector. No entanto, isso não basta.
Trabalhadores “low cost” e a necessidade de um Contrato Coletivo do Sector
O processo de liberalização do handling e da aviação tem-se constituído numa enorme pressão para a degradação da condições de trabalho na aviação e em particular na assistência em terra. Exemplo disso foi privatização da SpdH/Groundforce e a posterior aplicação, desde 2012, de um novo acordo de empresa que levou a uma perda de massa salarial imediata na ordem dos 20 %, além da imposição de adaptabilidade de horários, com enormes consequências ao nível da saúde dos trabalhadores e penosidade ainda maior do trabalho por turnos.
O processo agora em curso na Portway é consequência e simultaneamente parte desse projeto. A empresa tenta enganar os trabalhadores dizendo que teria conseguido um acordo com a Ryanair para que os despedidos tivessem prioridade no acesso ao postos de trabalho de assistência em escala desta companhia. Em primeiro lugar, até este momento ainda está por provar a validade e aplicação desse acordo, pois não há nada concreto nesse sentido. Mas acima de tudo, o que ficou por dizer é que os valores a pagar pela Groundlink serão de 530€ a recibos verdes para Operador de Assistência em Escala (Assistência a Bagagem) e de 700€ a recibos verdes para Técnico de Assistência em Escala (Assistência a passageiros). Ou seja, valores abaixo do salário mínimo para carregar toneladas de bagagem por dia, trabalhar por turnos, e ter nas mãos a responsabilidade por aviões e a segurança de milhares de passageiros.
Por outro lado, está em negociação há vário meses o acordo coletivo da própria Portway, em que a empresa procura aumentar os horários de trabalho (o que é de facto uma redução salarial), impor a adaptabilidade de horários e o banco de horas. Além disso, continua sem resolver a situação de discriminação dos serviços como assistência a passageiros de mobilidade reduzida, serviços de informações, carrinhos de bagagens, entre outros, que não têm os mesmos escalões e níveis salariais, nem direitos iguais como seguro de saúde.
Até agora a existência de 2 empresas a trabalhar no sector já era motivo de chantagem sobre os trabalhadores para aceitarem piores condições, sob pena da companhia aérea se mudar para a outra empresa de handling. Com a ilegalidade da operação Groundlink/Ryanair, o que está verdadeiramente em causa é a imposição de um modelo de trabalho “low cost” no sector do handling.
Em alguns países europeus, existe um acordo coletivo para o sector do handling. O trabalhador está afecto a uma determinada equipa e serviço, garantindo que, independentemente da empresa de handling que presta esse serviço, o seu vínculo como trabalhador será mantido com os mesmos direitos e condições de trabalho.
A existência de um contrato coletivo para o sector do handling é a única forma de proteger os trabalhadores da dança das cadeiras, entre companhias aéreas e empresas de handling. O contrato coletivo do sector é a única forma de proteger as qualificações técnicas dos trabalhadores numa função, bem como os seus direitos e condições de trabalho, contra a imposição do modelo de trabalho “low cost”.
Por isso, é preciso mobilizar os trabalhadores por um acordo coletivo para o sector. Só assim poderemos salvar postos de trabalho e direitos, parar a liberalização do sector e impedir que se imponha o modelo de trabalho “low cost”.
Sair à luta para travar os despedimentos
Devemos exigir uma fiscalização eficaz da ANAC. Devemos exigir ao governo e ao Bloco e ao PC que o apoiam, que parem a liberalização do sector. Mas sabemos que este governo não reverteu a privatização da TAP e da ANA, que é parte fundamental dos ataques que os trabalhadores sofrem hoje e cujas consequências só agora começam a ser visíveis. Por isso, não podemos ficar à espera que seja o governo e o parlamento a parar os despedimentos e a proteger os postos de trabalho. É preciso sair à luta já!
Esta semana realizou-se a primeira ação de protesto contra os despedimentos. Para o dia 18 de abril já está marcada uma greve, entre as 8h e as 15h. É preciso fortalecer esta greve, mas garantir que esta é apenas a primeira! É preciso sair à rua para parar o medo, trazer a publico as ilegalidades em curso! É preciso mostrar que quem faz a Portway são os seus trabalhadores! A segurança e qualidade do serviço prestado aos passageiros não se garante com modelo low cost, mas com os nossos direitos! Todos à greve! Temos que ampliar a luta!
Finalmente, é preciso unir os trabalhadores da Portway com os da Groundforce. A privatização da TAP, e o que já está em curso na escala do Porto, põe a breve trecho problemas muito similares para o futuro da Groundforce. Além disso, os ataques feitos pelas administrações e os problemas vividos são em tudo similares. Só a unidade e solidariedade entre os trabalhadores pode impedir as chantagens e garantir que podemos conseguir um contrato coletivo para o sector! Contra os despedimentos e os trabalhadores “low cost”, toda a unidade dos trabalhadores do handling!
Maria Silva