Debates Televisivos

O euro nestas eleições, o calcanhar de aquiles da esquerda

Os debates televisivos tornaram-se o centro das eleições legislativas. Isso demonstra a verdadeira face desta democracia, onde têm voz os partidos escolhidos pelos grandes grupos de comunicação social, que estão apostados em manter o parlamento com a composição actual.

Os debates promovem mais os soundbytes que as propostas políticas. O euro tem sido o grande tabu das discussões, sendo usado como arma de arremesso da direita contra um PCP e um BE que não podem, ou não querem, mostrar-se a favor ou contra a saída do euro.

Ninguém pode negar que a moeda única, a presença ou não de Portugal no euro, é o tema que divide águas. Depois da falência do governo do Syriza na Grécia ficou claro que dentro do euro não só a austeridade é permamente, como a própria democracia fica reduzida a nada, dado que quem tem como critério ficar no euro, não terá outra opção senão obedecer aos ditames de Merkel e do BCE.

PSD, PS e CDS: todos os sacríficios pelo euro

O governo das direitas cumpriu um triste papel nas negociações do eurogrupo com o governo Tsipras. Nas palavras do ex-ministro grego das finanças, o governo português quis ser “mais alemão que os alemães”. É um sinal da sua subserviência. A troco do patrocínio político de Merkel e do apoio de Bruxelas, a direita não tem pudor em vender o país. A justificativa, verdadeira, diga-se, é que austeridade é a única forma de manter o país no euro. Já o Partido Socialista segue o mesmo caminho: no debate com Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, António Costa apelou a que os eleitores indecisos entre PS e BE votassem no seu partido, pois ele iria manter Portugal no euro.

A esquerda e a “lição grega”

Os candidatos dos principais partidos de esquerda tinham tudo para ganhar os debates e, politicamente, vencer a campanha eleitoral, senão no terreno dos votos, pelo menos no das ideias. Mas têm um calcanhar de aquiles: têm medo de definir a sua política face ao euro. Catarina Martins tinha tudo para ganhar todos os debates, sobretudo com Costa e com Portas podia ter arrasado. Mas com poucas palavras eles mostraram o calcanhar de aquiles do BE: tudo o que o Bloco diz defender – renegociação da dívida, ruptura com o Tratado Orçamental ou com a austeridade – tudo aquilo a que Catarina Martins chama “assumir o confronto” implica sair do euro. Toda a gente o sabe que é assim. O BE, ao não o assumir, abre o flanco à direita, que não hesita e entala sempre o BE nesse ponto. A política anti-austeridade da esquerda, que devia ser o seu forte, torna-se assim uma fraqueza.

Sobre a ruptura com a moeda única, Catarina Martins tem afirmado: “nós não queremos esta solução”. Porém, encostado à parede pela capitulação do Syriza, BE admite agora que um “governo de esquerda” teria de estar preparado para essa opção, não por ela ser necessária mas “para ter mais poder negocial”. Catarina Martins fez o seu balanço do governo Syriza, no debate com Costa: afirmou que o Syriza “confiou de mais”. Mas achar que sair do euro é apenas uma “última opção” que, como disse, “pode nem ser necessário utilizar”, não será também confiar de mais na Europa da austeridade?

Desenvolvemos acima sobretudo o exemplo do BE, mas o PCP em nada se diferencia destas posições. Com um palavreado diferente, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, Mariana Mórtagua e afins defendem a mesma política. Por exemplo, em declarações à SIC, Jerónimo de Sousa defendeu que qualquer saída do euro não pode ser “um acto súbito”, que o país “corre o risco de ser expulso” e que há que saber “as consequências para saber se Portugal tem ou não possibilidade de se desenvolver sem estar amarrado à moeda única ou se existe alternativa (…) nessa preparação até se pode concluir que não” mas não estudar o assunto é, para Jerónimo de Sousa, um “irresponsabilidade”. É constrangedor ver que o secretário-geral do PCP, que apregoa defender uma política “patriótica e de esquerda” precisa de um estudo “para saber se Portugal tem ou não possibilidade de se desenvolver sem estar amarrado à moeda única” colocando até a hipótese de que “até se pode concluir que não”. Jerónimo também é um Tsipras português…

Ou seja, a única coisa que BE e PCP aprenderam com a tragédia do Syriza e do povo grego foi que precisam de um golpe de retórica para se diferenciar do Syriza, por isso “equacionam” a saída do euro, embora a queiram evitar. No fundo, BE e PCP, mantêm as posições de sempre: dizem que sair do euro é mau e de evitar, não um passo indispensável para romper com a austeridade. Só como último recurso e para efeitos negociais – bluff, entenda-se – é que estes partidos assumem a saída do euro. Em vez de se libertarem da armadilha da experiência grega enredam-se ainda mais nela. Em vez de esclarecerem, confundem. A direita e o PS perceberam isso e entalaram a esquerda nos debates.

Uma esquerda só para as eleições ou para “o confronto”?

Claro que o tema do euro não é fácil. A maioria do povo e dos trabalhadores percebem os problemas da moeda única, porém acreditam quem o mal maior é ficar no euro. Um gigantesco coro, desde Merkel à grande finança, passando pelos partidos e comentadores do centrão, faz uma campanha permanente afirmando que sair do euro é “o caos”. BE e PCP, até hoje, engrossam esse coro e ajudam a que milhões de trabalhadores acreditem nessa mentira. Não tinha de ser assim. BE e PCP são partidos com influência de massas, não têm de adaptar-se aos medos da sua base eleitoral, pelo contrário, podem combatê-los. Se PCP e BE colocassem as suas forças ao serviço de denunciar o euro, explicar que é completamente impossível travar a austeridade dentro da moeda única e que a saída do euro, acompanhada de outras medidas anti-capitalistas, poderia aumentar salários e emprego, milhões de trabalhadores pensariam de forma diferente.

BE e PCP ao darem cobertura à propaganda do medo insuflada pela UE, pela direita e pelo PS, cavam a sua própria sepultura. Ao fugirem à verdade, ao não dizerem com todas as letras que fora do euro não só se podem subir salários e pensões, como que esta é a única forma de o fazer, BE e PCP abrem caminho a novas capitulações como a de Tsipras.

O que é necessário é ganhar a maioria da população para a ideia da ruptura com o euro. Explicar preto-no-branco que sair do euro não é um desastre, mas que, pelo contrário, dentro do euro, teremos mais 20 anos de austeridade. A esquerda não pode ignorar a sua força: BE e PCP, que têm até estudos sobre o tema, nomeadamente de Francisco Louçã, podem convencer primeiro milhares e depois milhões de pessoas  sobre a verdadeira natureza  do euro e como o país (só) é viável se se libertar dessa prisão monetária. Mas para isso têm de dizer a verdade em vez de fazer coro com a direita e o PS. Ganhar milhões de pessoas para essa política é a única forma de “preparar a saída do euro”.

O que propomos não é uma política sectária e propagandística de, como faz por exemplo o MRPP, a gritar aos quatro ventos que é preciso “um novo escudo”, sem dizer como nem porquê, nem fazer nenhum esforço para ganhar para a ruptura com o euro os milhões que têm medo deste cenário. Isso não é disputar a consciência dos trabalhadores mas disputar o pequeno nicho eleitoral de quem já está convencido. Propomos, isso sim, não esconder a verdade e não ter medo de enfrentar os preconceitos que o sistema impôs à população, pelo simples temor de perder votos. A prazo, a política de BE e PCP não ajuda a esquerda a ganhar espaço, ajuda, isso sim, a direita. É isso que prova a experiência grega, em que a direita pode, após a traição do Syriza, voltar ao poder.

A Coligação AGIR, o MAS e o euro

O MAS tem vindo a ter outra postura: temos dito que o euro afunda o país, que é necessário um referendo para disputar a consciência de milhões de pessoas para uma política consquente contra a austeridade, que implica sair do euro. A saída do euro não é um bluff negocial, tão pouco um mal menor a evitar a todo o custo. A saída do euro, junto com a nacionalização da banca – dos lucros e do controlo da banca, dado que os prejuízos já estão nacionalizados – e o controlo de capitais, é a única forma de recuperar soberania, salários e emprego.

A Coligação AGIR, no seu programa, tal como o MAS, propõe um referendo à moeda única. O seu rosto mais conhecido, Joana Amaral Dias, em entrevista ao Jornal I, deu a conhecer o balanço que fez do processo de negociações entre Tsipras e o eurogrupo:“sempre tive algumas reservas em relação à condução de todo o processo.”, disse. Afirmando que: “há um erro de Tsipras, daí alguns condicionalismos que o Agir colocou em apoiá-lo, porque ele tinha de ter tido uma relação de transparência com os seus eleitores onde a saída da Grécia do euro tivesse sido equacionada e talvez mesmo referendada”. Daí conclui que o mais justo seria que “ou acaba a austeridade, ou sai a Alemanha do euro.”. Claro que não é uma posição clara como a do MAS, embora tenha o mérito de não apresentar a saída do euro como uma catástrofe. A saída da Alemanha do euro poderia ser um bom golpe de retórica à mesa do eurogrupo, mas que só seria útil se estivesse ao serviço de fazer aquilo que Tsipras não fez: imprimir moeda própria para pagar salários, nacionalizar a banca e controlar capitais não ser alvo da chantagem do BCE e sair do euro. Esta é a posição do MAS e dos seus candidatos no seio da coligação AGIR, assim como seria a posição de eventuais deputados do MAS eleitos pela coligação.

Acreditamos que o que é necessário à esquerda não é um plano A – sem as duras verdades sobre o euro – para ganhar votos e um plano B – para fazer bluff em eventuais negociações e passar entre os pingos da chuva face à catástrofe do Syriza. O que faz falta é dar voz às posições que economistas como Jorge Bateira, João Rodrigues ou Nuno Teles, do conhecido blog “Ladrões de Bicicletas”, têm vindo a defender. Abaixo citamos um contributo de Jorge Bateira sobre as medidas necessárias para sustentar a saída do euro e quais seriam seus efeitos:

Um governo de ruptura deve, à cabeça, nacionalizar os bancos e instituir o controlo dos movimentos de capitais. (…) A inflação será o custo a pagar para recuperarmos a soberania. Mas será um custo transitório (inicialmente, cerca de 12%, muito menos nos dois anos seguintes) que pode ser distribuído com justiça social através de compensações a atribuir aos rendimentos mais baixos. (…) Como seria de esperar, o novo paradigma da política económica dará prioridade ao emprego, ao contrário da finança, que diaboliza a inflação e acha inevitável este desemprego típico dos anos trinta do século passado”.

A BE, PCP e todos os candidatos de esquerda perguntamos, não seria melhor vencer os debates com a direita e o PS dizendo estas verdades?

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