O trabalho está em constante mudança: alterações regulamentares, inserção no contexto de globalização e da UE, a rápida evolução da tecnologia, as exigências acrescidas de polivalência e eficiência funcional; também a crescente precariedade laboral, com o recurso ao trabalho temporário, aos contratos de duração limitada, de prestação de serviços, agravada pelas alterações na legislação, nomeadamente no concerne à flexibilidade e mobilidade laboral, restrição dos acordos colectivos, outsourcing, desemprego, etc.
A Organização Internacional do Trabalho considera o assédio moral, a par do stress, “burnout” e alcoolismo, como um dos riscos emergentes para a saúde e segurança dos trabalhadores em todo o mundo! O assédio moral não é um fenómeno novo, é quase tão antigo quanto o trabalho. A novidade reside na intensificação, gravidade, amplitude e normalização do mesmo, sendo que a crise faz aumentar este tipo de comportamento.
E o que é assédio moral no trabalho?
Traduz-se em qualquer comportamento abusivo, que atente, pela sua repetição ou pela sua sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o clima de trabalho. Considera-se, regra geral, que a conduta hostil se prolonga durante seis meses e ocorre pelo menos uma vez por semana.
Na verdade, as condutas hostis visam diminuir o trabalhador, tornar-lhe a vida impossível e na maioria dos casos o objectivo é incomodar tanto o trabalhador que ele acaba por despedir-se.
Os procedimentos hostis são muito variados: privação dos instrumentos de trabalho, como telefone ou e-mail, recusa de comunicação, atribuição de tarefas humilhantes, críticas sistemáticas e sem fundamento, não atribuição de tarefas, isolamento, violência verbal, e mesmo impedir as mulheres de acompanharem os filhos ao médico ou castigá-las porque têm o azar de terem um filho mais vezes doente do que os outros.
Os efeitos do assédio moral são muitas vezes confundidos com stress e os trabalhadores não se apercebem imediatamente do fenómeno, julgam tratar-se apenas de cansaço ou sobrecarga de trabalho e tornam-se cada vez mais vulneráveis e incapazes de se defender. Tais condutas desencadeiam reacções ansiosas e depressivas, cismas obsessivas e alterações na interacção familiar.
O que fazer? As respostas são parcas: resistir, relatar os acontecimentos, ter testemunhas, aprender a lidar com os sentimentos de ameaça e diminuir a vulnerabilidade! A lei também não ajuda muito! A proibição de assédio está previsto no art.º29º do CT e tem apenas consequências sancionatórias de natureza contra-ordenacional, punível com coimas.
Mas ainda hoje este é um problema que não se conhece verdadeiramente tendo em conta os pouquíssimos números de queixas, denuncias ou as sentenças em tribunal. Dos dados conhecidos, em Portugal regista-se um nível de incidência de cerca de 200 mil trabalhadores!
As mulheres são as maiores vítimas do assédio moral e sexual
O assedio sexual é um problema velho! E continua a ser real nos locais de trabalho, embora quase sempre invisível, surdo e mudo. Estima-se que quatro em cada dez trabalhadoras são assediadas no emprego, mas por medo e vergonha a maioria não o denuncia. O problema é tratado com a instauração de processos disciplinares e os casos que chegam a tribunal são apenas os mais graves.
O fenómeno é demasiado frequente nos locais de trabalho, mas as vítimas tentam naturalizar e/ou esconder por receio de perderem o emprego e mesmo dos juízos sociais que sofrem, pois ainda hoje a vitima é culpabilizada!
Contudo, mesmo escondido o assédio sexual contamina o ambiente de trabalho e tem efeito devastador, quer sobre as vítimas, quer sobre a própria empresa. As vítimas vêem a sua saúde, confiança moral e desempenho profissional afectados, o que leva à diminuição da eficiência laboral e mesmo ao afastamento do trabalho por motivo de doença.
Em países como o Brasil, Espanha ou França o assédio sexual está tipificado como crime autónomo. Por cá está contemplado no Código de Trabalho como sanção contraordenacional, o que é manifestamente insuficiente para a dimensão e gravidade destes comportamentos, e muitas vezes exercidos por superiores hierárquicos.
O quadro legal não responde ao problema e não defende as vítimas, proíbe o assédio moral e sexual no local de trabalho, mas cria a ilusão que nada mais se pode fazer e o resultado é uma prática social de impunidade, ajudando a perpetuar a cultura de normalização destes comportamentos.
Na sociedade portuguesa existem muitas divisões quanto à dignidade penal deste tipo de comportamentos, muitas delas conceptual, o que só favorece a inércia, a contaminação e a normalização do assédio.
Este tipo de comportamentos são inaceitáveis e como tal deveriam ser reprimidos e punidos, este é um problema de direitos humanos do/as trabalhadore/as, que violam as liberdades e a dignidade humana dos mesmos.
A falta de vontade política não pode continuar a fazer mais vitimas, muito para além de estudos são necessárias soluções. O problema deve ser combatido de forma institucional e organizacional e não deixado na alçada da vitima. As respostas hoje são frequentemente dadas pela psicologia que prepara emocionalmente a vítima para lidar com o problema, quando o mesmo devia ser combatido e erradicado.
Raquel Oliveira