A epidemia de gripe A invade os telejornais e faz com que, naturalmente, haja um alarmismo em toda a população. Já diz o povo: “importante é ter saúde”. Pena que, para não variar, o capitalismo não queira saber o que o povo diz.
O vírus influenzae A (H1N1) é um vírus para o qual a maior parte da população não tem imunidade, daí o risco de pandemia (e não de epidemia, que é o que acontece com as gripes sazonais que existem todos os anos). O vírus contém DNA de vírus influenzae de porcos (daí o nome original), aves e humanos, e o facto de ser novo e altamente transmissível faz com que estejamos no inicio de uma pandemia.
A maneira como os animais são literalmente empilhados para a produção de carne (produção essa que é excessiva, mas que, ainda assim, por força das leis do mercado, não chega para suprir as necessidades de toda a população) é uma das razões que permite que haja uma maior propagação de influenzae nos porcos (sobretudo na América do Norte), com consequente maior probabilidade de mutações.
A pandemia por H1N1 vai acentuar a obscenidade que é o acesso diferencial à saúde e, como é muito pouco saudável para nós, que a saúde seja, também ela, uma área entregue à violência da economia de mercado, ao lucro de uns à custa do sacrifício de outros (neste caso, o sacrifício pode passar pela própria vida).
Alarme
O alarme de proporções bíblicas tem uma razão simples: desta vez não é só a África que vai ser afectada (segundo os documentos da Organização Mundial de Saúde (OMS), os números nos continentes africano e asiático têm tendência a crescer nos próximos tempos). A malária, que mata um milhão de pessoas por ano (ou seja, morre uma pessoa a cada 30 segundos), não atrai tanto mediatismo nem tanto investimento farmacêutico. Afinal, para quê salvar quem não pode pagar?
Como com qualquer doença, quem tiver menos dinheiro terá menos acesso a cuidados de saúde e, consequentemente, piores consequências poderá sofrer. E o mesmo princípio é aplicado globalmente: países mais pobres terão pior acesso a estes cuidados.
Tratamento
O tratamento da Gripe A pode ser feito apenas sintomaticamente, ou seja, com descanso e um vulgaríssimo paracetamol. Casos mais graves (consoante as directivas da Direcção Geral de Saúde de cada país) poderão ter necessidade de antivirais (sendo o oseltamivir – o já famoso Tamiflu – o mais indicado). O acesso limitado ao oseltamivir é mais um crime do capitalismo.
Os stocks de antivirais estão a ser enviados para cada país pela OMS que, segundo o seu site, diz estar em negociações com as farmacêuticas para maior produção dos mesmos e garante que, a partir de donativos ou de preços mais baixos, tudo fará para que os seus estados membros sejam satisfeitos.
Só o sistema capitalista permite esta aberração: aparece um vírus novo, com capacidade para infectar milhões e de matar (se bem que numa percentagem muito baixa) e temos que esperar que haja donativos ou que as farmacêuticas baixem os preços.
Donativos
Resta acrescentar que entre os beneméritos accionistas da Gilead Sciences, empresa com a patente do Tamiflu (apesar deste ser produzido pela empresa suíça Roche), está Donald Rumsfeld (que chegou a presidir a empresa de 1997 a 2001, quando entrou no governo Bush) e que na actual direcção estão o ex-secretário de Estado dos Estados Unidos George Schultz e a mulher do ex-governador da Califórnia Pete Wilson.
Andrew McDonalds, da Think Equity Partners, de São Francisco, disse à CNN em Outubro de 2005, “que não conhecia uma empresa farmacêutica com ligações politicas tão boas”.
Os lucros que esta empresa vai alcançar com o Tamiflu são impensáveis: segundo o U.S. Centers of Disease Control, vão alcançar 250 milhões de dólares. E a OMS a pedir donativos…
Vacina
No que à produção da vacina diz respeito e numa situação de procura tão desmesurada como esta (vírus novo), os desequilíbrios são escandalosos. Países como o Brasil só deverão ter acesso à vacina em 2010, enquanto em França a encomenda de vacinas excede a população.
O capitalismo tenta lucrar com tudo, transformando a saúde numa mercadoria como qualquer outra. De 24 a 29 de Abril de 2009, enquanto o alarme da gripe A tocava no mundo inteiro, as acções da Gilead subiam 4%. Há gente que enriquece com a saúde dos outros. Pior: há gente que enriquece com a doença e com a morte dos outros.
Há gente que tem doenças graves e há gente que morre devido a estas políticas erradas, desumanas e escandalosas.
Saúde gratuita
Torna-se óbvio que não devem ser indústrias privadas a produzir medicamentos e a sujeitar os governos e as pessoas a preços que obrigam a que haja prejuízo de saúde para seja quem for. Devem ser os próprios estados a produzir os medicamentos consoante as necessidades dos seus países sem que nenhum cidadão fique de fora.
É também inadmissível que, em pleno século XXI, quando o homem já consegue coisas inacreditáveis como viajar no espaço ou até curar doenças que há uns anos tinham prognósticos péssimos, ainda existam pessoas sem cuidados dignos de saúde.
Só uma saúde gratuita, universal e pública pode garantir isso (segundo a OMS, os melhores índices são de países com menor peso do sector privado na saúde).
A gripe A será uma pandemia que não custará mais que uns dias de cama para muitos. Mas são os mais pobres que têm maior probabilidade de sofrer as maiores complicações graças às injustiças fomentadas pelo capitalismo. É urgente que as populações se unam pelo fim destas barbaridades.
Pelo fim das patentes! Pela produção planificada dos medicamentos pelo estado! Por uma saúde pública, universal, gratuita e de qualidade!
Manuel Neves