Varoufakis e tsipras

Syriza: partido e política internacional

A imprensa europeia estava em choque. Yanis Varoufakis, ministro das finanças do governo Syriza, apareceu sem gravata em suas reuniões internacionais.

A camisa fora da calça, segundo o jornal alemão Die Welt, que o descreveu como um “comunista libertário”, indicaria a “agressividade” de alguém “procurando uma briga de rua”. Todos na União Europeia querem saber se a Grécia realmente subirá ao ringue contra a Alemanha. Em Paris, Londres e Roma, Varoufakis evitou trocar socos, estava disposto a ceder diversos pontos de seu programa. Para seu azar, deparou-se em Berlin com alemães que queriam vitória por W.O. Após mais de uma semana de viagem, o ministro, uma espécie de novo pop-star da política grega, elucidou a conjuntura internacional e a estratégia a ser abordada pelo seu partido. [i] (CONNOLLY, 2015)

Atenas enfrenta uma conjuntura polarizada; a Troika aumentou na intransigência. Pior que no plano de “resgate” à Grécia de 2012, em que o governo norte americano mediou com os europeus uma solução à crise, nos últimos dois anos os alemães e o norte da Europa tem agindo de forma independente e mais agressiva. Ao longo da crise do Chipre [ii], em março de 2013,  exigiram confiscar o dinheiro de todos cidadãos do país. Depois, despuseram-se, por caso de desobediência, empurrar a ilha de origem grega para fora do Euro.¹

Nos países do norte da moeda unica (Alemanha, Finlândia, Áustria e Holanda) aumenta a oposição popular aos “planos de resgate” da Troika. Não em solidariedade aos países do sul, mas em oposição a eles. A direita populista, que cresce exponencialmente na região, culpa a “preguiça mediterrânea” por custos excessivos ás suas economias nacionais. A depender deles, Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda, Itália e agora, o Chipre, deveriam ser expulsos do Euro. Exemplo maior disto é o crescimento da extrema direita em países como a Finlândia, historicamente conhecidos pela tradição socialdemocrata.

Populismo do norte

Racista, homofóbico e socialmente conservador, o partido “os finlandeses” é a prova maior do sucesso eleitoral do populismo anti-Euro no norte europeu. Nas eleições parlamentares de 2007, tiveram 4% dos votos, quatro anos depois, sua votação multiplicou-se em quase cinco vezes, superando os 19%. Era uma organização política marginal; tornou-se a terceira força política do país. Desde então, a ruptura com o Euro por conta do excesso de “sacrifícios” exigidos do norte da Europa é tema comum no parlamento.

Logo após a eleição do Syriza, “os finlandeses” moveram-se para tentar derrubar o primeiro ministro da direita moderada por conta de sua suposta leniência pro-Atenas.  A agencia de notícias financeiras Bloomberg, em uma matéria intitulada “Grécia sequestra novamente a política finlandesa”, narra da seguinte forma o ocorrido

“A Grécia foi novamente usada como porrete em uma tentativa do partido anti-resgate ‘Os finlandeses’ derrubar o governo por meio de um voto de confiança.

A coalizão do Primeiro Ministro Alexander Stubb saiu-se vitoriosa com apoio de 97 legisladores. A oposição conseguiu 81 votos e 9 abstenções. 12 deputados não compareceram à votação.

‘Os finlandeses’ exigiram do governo respostas sobre seus compromissos com a Grécia e se o governo finlandês estava disposto a romper com a zona do Euro. Stubb defendeu as políticas de “resgate” na quarta-feira [5/02/2015], dizendo que atravessaria a crise para salvar a moeda única.” (VIITA, POHJANPALO 2015)

Para proteger-se do voto anti-Grécia da direita populista, o partido conservador de Stubb teve de se apoiar nos socialdemocratas e nos verdes. Estas alianças, existentes por toda a Europa, compõem aquilo que o escritor Tariq Ali descreveu com a política do “extremo-centro”. Fomentado pela adesão ao neoliberalismo pelo partido trabalhista britânico e o partido socialdemocrata alemão, o extremo-centro é a fusão social, ideologia e partidária da antiga centro-direita e centro-esquerda europeia. Com a crise do Euro e a polarização da sociedade, o vácuo político deixado pelos partidos tradicionais vem sendo ocupado por novos atores. (ALI, 2011)

Ao contrário do extremo-centro neoliberal, “Os Finlandeses” defendem o aprofundamento do estado de bem estar social e uma política econômica intervencionista. Ao mesmo tampo, querem expulsar os imigrantes da Finlândia, difundem a islamofobia e consideram a Troika excessivamente simpática à Grécia. A Alemanha, clássico bastião do extremo-centro, vem assistindo surgir um fenômeno similar a “os finlandeses”. Eles ameaçam a hegemonia histórica do partido de Angela Merkel, a União Democrática Cristã (CDU) sobre a direita do país.

Merkel e a direita moderada

Produto da ocupação militar norte-americana, que governou diretamente o país depois da derrota o nazismo em 1945 até 1949, a República Federativa Alemã possui um sistema político particularmente fechado [iii]. A transformação de metade da Alemanha e parte de sua capital em um Estado operário burocraticamente deformado, a presença militar russa ao seu entorno e a ameaça do surgimento de um movimento trabalhista simpático ao leste socialista forçou a burguesia alemã a uma aliança umbilical com Washington. Para garantir a política de um regime estável e pró-americano, criou-se a CDU.

Dentro da União Democrática Cristã cabia de tudo: liberais-conservadores, nacionalistas, populistas, pregadores católicos ou protestantes, representantes da grande, média e pequena burguesia, e, é claro, ex-nazistas e seus aliados. Kornad Adenauer, idealizador da CDU e o primeiro chefe de Estado alemão, foi preso e perseguido por Hitler. Isto em momento algum impediu-o de colocar ex-nazistas, em alguns casos atrelados à execução do holocausto, no topo de seu governo ou partido.

Apesar de controlado por liberal-conservadores, sempre existiu no CDU uma corrente populista de direita. Dirigiram, em alguns momentos, aparatos regionais do partido. Mas sempre sob tutela rigorosa dos moderados. Para os americanos, que mantiveram bases militares no país, nenhum nacionalismo alemão poderia existir de forma independente à democracia cristã. Pequenos grupos, muitas vezes de inclinação neo-nazista, sempre existiram na margem do CDU, mas organizados de forma esporádica e pouco ameaçadora. A clausula de barreira de 5% para o ingresso ao parlamento protegeu a democracia cristã de disputas legislativas com aventureiros de direita.

Talvez por conta disto  Angela Merkel permitiu que seu governo a flertasse com o reformismo. Segundo a World Polítics Review

“Para o horror de alguns em seu partido, sua postura reformadora incluiu adesão a muitas bandeiras do Partido Social Democrata alemão e até do partido verde, que fica mais a sua esquerda. Merkel, por exemplo, abriu o núcleo da família tradicional – desde sempre o modelo normativo do CDU – para famílias não-convencionais formadas por mães solteiras, pais que trabalham tempo integral, gays e lesbicas. Sob Merkel, instituiu-se um salário mínimo e cota para mulheres na direção das empresas, tetos em aluguéis e a redução da aposentadoria de 65 para 63 anos – todos projetos do partido socialdemocrata”. (HOCKENOS, 2015)

Seu governo, que desde o final de 2013 inclui os verdes e os socialdemocratas, expressa a hegemonia do “extremo-centro” europeu. Apesar de ter encabeçado algumas reformas, a primeira ministra segue sendo uma firme adepta do neoliberalismo e do imperialismo norte-americano. Em um artigo redigido antes da guerra no Iraque, por exemplo, criticou a postura relativamente neutra de seu governo, defendendo um alinhamento mais próximo a Washington. (PAKER, 2014)

Mais do que qualquer política de aproximação ao centro, o que mais vem gerando desconforto dentro do CDU e da direita alemã em geral é a questão dos “planos de resgate” aos países do sul. Apesar de sua identidade pro-Euro, há no partido diferentes linhas sobre a política de adesão à moeda única. Apesar da natureza disciplinada e hierárquica do CDU, o agravamento da crise grega expôs suas fraturas

“Em 2010, 62% dos alemães se opuseram a programas de ajuda financeira a países endividados. Em 2012, diversos cristão-democratas se recusaram a votar a favor do ‘resgate’ de 175 bilhões de euros à Grécia, tendo o governo que depender do voto da oposição formada por Verdes e Socialdemocratas para aprovar a medida. Um dos ministros de Merkel – do CSU bavariano, [partido-irmão [iv] da democracia cristã no Estado-Livre da Bavaria] que normalmente adota as políticas da direita do CDU – advogou expulsar a Grécia do Euro.” (HOCKENOS, 2015)

Crescimento do euroceticismo alemão

A crise grega fez a direção do CDU deparar-se com uma realidade; a conjuntura que permitiu o monopólio do partido e sua ala moderada sob a direita alemã não existe mais. O desmantelamento da União Soviética e a reintrodução do capitalismo na Alemanha oriental reduziu a centralidade da mediação feita pelo CDU entre a burguesia nacional e os Estados Unidos. Ela também eliminou o único elemento ideológico unificador do CDU: o anti-comunismo. Alimentando-se deste ambiente fértil, um ex-militante do partido, Bernd Luke, rompeu com o CDU após a crise grega e criou a Alternativa para Alemanha (AfD)

“A AfD surgiu em 2013 como uma voz nacionalista contrária à participação na zona da moeda única e o papel desempenhado por Berlin no ‘resgate’ dos países endividados do Euro. Seu porta-voz reivindica que a Alemanha está sendo manipulada e estaria melhor por si só – ou talvez em uma união monetária com os outros países do norte.”(HOCKENOS, 2015)

Quando o recém-fundado AfD disputou as eleições de 2013, baseado exclusivamente numa plataforma anti-Euro, ele conseguiu 4.7% dos votos, faltando-lhe 0.3% para entrar no parlamento. Dois anos depois, durante as eleições europeias de 2014, o partido desenvolveu mais a fundo seu programa. Defendeu a energia nucelar, combateu o casamento igualitário e surfou na islamofobia; sua votação superou 7%.

Uma das razões por detrás do sucesso do AfD tem sido sua capacidade de adotar um discurso com contornos democráticos na crítica ao Euro. Ao contrário da França², nunca houve um referendo na Alemanha sobre o tema. Para Luke, procedimentos como estes fazem da AfD um polo de resistência democrática ao Euro, assemelhando-o aos que outrora resistiram ao nazismo

“O AfD tem se provado particularmente capaz, por enquanto, de se colocar a direita do CDU sem cair no pântano do neo-nazismo e dos populistas de cervejaria. Ele tem conquistado eleitores da direita assim como da esquerda, mas seu eixo de aglutinação obvio são os conservadores desiludidos, o nacionalismo alemão e a extrema direita órfã.” (HOCKENOS, 2015)

A dinâmica política interna nos países do norte do Euro caminha em direção oposta às do sul, do qual a vitória eleitoral do Syriza é a melhor expressão. Houve, dentro deste cenário, esparsas porem importantes manifestação de solidariedade alemã com a Grécia, como um abaixo-assinado organizado pela Confederação Sindical da Alemanha e o IG Metall (duas das principais entidades sindicais do país) além de alguns parlamentares socialdemocratas. As mobilizações anti-Troika organizadas por Die Linke, principal partido antiausteridade do país, também são dignas de menção, mas o espirito geral da política em Berlin é antigrego. (HOFMANN; ET AL, 2005)

A provável eleição da AfD ao parlamento alemão em 2017, apesar de histórica, não fará com que a CDU deixe de representar o grosso da direita nacional. Ela indica, porém, o surgimento de um importante centro de pressão parlamentar por políticas ainda mais extremas na Troika. Possível indicativo deste endurecimento foi a crise cipriota de 2013, em que pela primeira vez um país foi quase expulso da zona do euro.

O caso do Chipre

A crise cipriota revela uma intensificação neoliberal nas demandas da Troika em conteúdo e na forma. Até 2013, o centro das exigências associadas aos empréstimos eram “reestruturar” as economias: privatizações, demissões de funcionários públicos, ataques a direitos trabalhistas e cortes em gastos sociais. O que divide o programa de austeridade cipriota dos anteriores foi a introdução do mecanismo de “auto-resgate”, uma reestruturação do sistema financeiro feito diretamente com o dinheiro da população

“A proposta de ‘resgate’ incluía uma ‘taxa’ única de 6.75% sobre todas as contas bancárias com menos de 100.000 euros [na época, o equivalente a 265.000 reais], e 9.9% de ‘taxa’ sobre as contas com mais de 100.000 euros. O assalto a luz do dia geraria 5.8 bilhões. Como contrapartida, a troika inseriria 10 bilhões de euros nos bancos cipriotas. (OVENDEN, 2013)

Não por acaso, quando a notícia da “taxa única” espalhou-se pelo Chipre, o caos se implantou. Enquanto pequenos protestos contra o governo eclodiram por toda parte, a massa da população correu aos bancos para tentar sacar seu dinheiro. Para impedir um colapso do sistema, foi declarada uma semana de feriado bancário.

Além dos protestos de rua, a burguesia cipriota se opôs ao pacto. Paraíso fiscal e centro de lavagem de dinheiro da oligarquia russa, o país precisava proteger a estabilidade de seu sistema bancário. Sob pressão de manifestantes que cercavam o Parlamento e imaginando poder contar com o apoio político e econômico de Moscou, os deputados do Chipre tentaram resistir à Troika. Segundo o socialista inglês Kevin Ovenden

“Não apenas rejeitou-se o acordo. Não houve um único membro do parlamento que votou a favor dele. 36 deputados votaram contra, e os 19 do partido do presidente se abstiveram.

O voto cipriota foi um divisor de águas. Pela primeira vez em três anos de crise bancária e da dívida soberana na Europa, uma instituição governamental votou pelo não. (…) Além da massa da população, uma instituição política – o parlamento – rejeitou a Troika. Esta pequena criança – o Chipre juntou-se a União Europeia em 2004 e a moeda única em 2008; ele representa apenas 0.2% da economia da UE – avisou aos outros que o imperador está nu.” (OVENDEN, 2013)

Frente a decisão do parlamento, sob comando da Alemanha, deu-se um ultimato ao Chipre. O Banco Central Europeu (BCE) anunciou que caso o país não entrasse em acordo com a Troika, seria cortado seu acesso à moeda única europeia. O BCE colocou o prazo de quatro dias uteis para expulsar o país do Euro.

Após ouvir de Vladmir Putin que a Rússia não lhe ajudaria, o Chipre recuou. Dentro do prazo imposto pelo BCE, renegociou um plano-B. Segundo o jornal The Guardian, “O novo programa poupa os depósitos bancários abaixo de 100.000 euros, ao contrário da proposta da semana passada, que gerou indignação com a ideia de taxar 6.75% de todos os depósitos”. O novo programa restringiu-se aos dois principais bancos do país, Banco Laiki e Banco do Chipre. As contas com mais de 100.000 euros no Banco do Chipre perderam cerca de 30% de seu valor, as do Banco Laiki tiveram mais azar, viraram pó [v]. Apesar de derrotada a proposta mais extrema, a taxa geral de 6.75% sobre todas as contas, abriu-se um perigoso precedente na zona do Euro

“Com a proposta inicial de taxar todos os depósitos em banco, os administradores públicos deixaram claro que, dependendo da circunstância, estavam dispostos a tomar aquele dinheiro. Mesmo não tendo feito-o, isto provavelmente sacudirá a confiança nos bancos caso a crise se acentue novamente em outros países, como Espanha ou Itália.” (OSBORNE, MOULDS 2013)

O impasse grego

A radicalização da Troika no plano de resgate ao Chipre, assim como o crescimento do euroceticismo no norte europeu, ajudam a explicar a dificuldade enfrentada pelo ministro das finanças grego em sua viagem pela Europa. O programa do Syriza, de permanecer no Euro e ao mesmo tempo renegociar a dívida, será de difícil aplicação. Segundo Ilias Milonas, dirigente da esquerda do partido de Tsipras

“No tema da dívida nacional, há uma ideia consolidada na liderança do Syriza de que a União Europeia não expulsará a Grécia da zona do Euro. Esta ilusão foi provada irreal no caso do Chipre – ameaçaram o governo cipriota de que caso não aceitassem seus termos o país seria expulso da zona do Euro, mesmo se o parlamento do Chipre apoiasse a posição do governo. (…) [por isto] temos colocado diversas vezes a necessidade de um Plano B caso a Grécia seja empurrada para fora da moeda única.” (MILONAS, 2014)

A direção do Syriza, porem, evita a discussão sobre um eventual “plano B”, em outras palavras, o retorno ao Drachma. Argumentam que se elegeram propondo a renegociação da dívida com a manutenção da Grécia no Euro. Sustentam-se em dados como os da última pesquisa da Pew Research Center, ocorrida em meados de 2014, que revelam que 69% da população grega quer permanecer na moeda única europeia. (PEW, 2014)

Para superar este impasse o Syriza tem buscado construir um arco de alianças favoráveis à negociação para pressionar os alemães. O recente tour regional de Yannis Varoufakis, que além da Alemanha incluiu França, Itália e Reio Unido, expressou uma tentativa do governo de encontrar apoio nas principais potencias da Europa ocidental para pressionar os países norte. Logo após sua viagem, Varoufakis reuniu-se em Atenas com Daleep Singh, o representante especial para Europa do ministério das finanças norte-americano. (SPIEGEL DONNAN 2015)

A estratégia internacional do Syriza

A estratégia de aliança com os Estados Unidos está expressa, entre outros lugares, em um artigo redigido pelo próprio Varoufakis e publicado no New York Times um ano e meio antes de sua nomeação a ministro da economia

“Se ele [Tsipras] vencer, não haverá nenhuma mudança vital para os Estados Unidos. (…) o problema da Grécia hoje é com a Europa, e o Sr. Tsipras não quer comprar uma briga com Washington.

O setor financeiro global enxergará uma vitória do Syriza com abominação. Mas os bancos e fundos de investimento sabem que a maior parte da dívida grega está sob posse dos contribuintes europeus e o Banco Central Europeu, e o que sobrou está sendo arrebatado por investidores porque eles sabem que serão pagos. A Grande Finança se preocupa com o que pode ocorrer em outros lugares caso um partido de esquerda vença na Grécia. Este instinto é natural para banqueiros. Mas para o governo norte-americano adotar uma posição de medo induzido seria estrategicamente míope.” (GALBRAITH; VAROUFAKIS, 2013)

A tentativa de buscar nos Estados Unidos um possível aliado estratégico, porém, é polêmica. O artigo de Varoufakis no New York Times, por exemplo, afirma que “o Syriza não pretende deixar a OTAN ou fechar as bases militares norte-americanas”. Segundo Stathis Kouvelakis, membro da ala esquerda do partido

“Acredito que a oposição à OTAN está no código genético da esquerda grega radical. Porém, desde o início da crise, a oposição à troika vem superando a tudo. Existem até aqueles, mesmo na esquerda, que veem os Estados Unidos sob Obama como mais benevolente que a Alemanha de Merkel. (…)

Eu fundamentalmente discordo disto, mas preciso reconhecer que, de certa forma, a percepção geral é que as contradições principais existem dentro da Europa deslocaram a questão do imperialismo norte-americano.” (BUDGEN, KOUVELAKIS; 2015)

A política internacional do Syriza, porem, não tem se resumido apenas a uma busca de equilíbrio interimperialista.  Segundo o jornal Londrino Financial Times, a escolha do roteiro das viagens de Varoufakis revelam uma tensão entre o Syriza e os governos pró-austeridade do sul

“A ausência da Espanha [em seu roteiro] é notável porque ela sublinha como a crise na zona do euro girou a geografia política da Europa de ponta-cabeça: quando o tema é ajuda a Grécia, não haverá tal coisa como solidariedade sulista ou patrocínio periférico.

Itália e França podem enxergar benefícios ao se relacionar com o novo governo grego, mesmo que só para colocar pressão sobre os alemães em uma disputa ampla pelos rumos da política econômica europeia. Mas a Espanha tem mais razões que os outros ao reivindicar uma linha dura contra Atenas, assim como a Irlanda e Portugal.

Visto de Madrid, a fronteira que separa a zona do euro não se dá entre o norte próspero e o sul em crise, mas entre aqueles países que fizeram ou não sua lição de casa.” (BUCK, 2015)

Para o horror dos pupilos espanhóis da Troika, o fenômeno Syriza bateu na porta de seu governo dia 31 de janeiro. 300 mil pessoas segundo seus organizadores, 100 mil segundo a polícia, e 153 mil  segundo análises de imagens fotográficas realizadas pelo jornal El Pais lotaram o centro de Madrid (MANETTO, 2015)

“Menos de uma semana depois que a Grécia elegeu um governo violentamente antiausteridade, lideres espanhóis da organização insurgente local, Podemos, em uma demonstração de força, chamaram seus apoiadores as ruas para a preparação de uma agitada campanha eleitoral. “tic-tac, tic-tac” gritavam os milhares que ocupavam as largas avenidas centrais de Madrid, em contagem regressiva para um ano lotado de eleições municipais, regionais e nacionais. Pouco mais de um ano desde sua criação, Podemos saltou ao topo das pesquisas de opinião, ameaçando encerrar o sistema bipartidário que governa a Espanha desde a morte do general Francisco Franco, em 1975.” (KASSAM, 2015)

Apesar de ocuparem o mesmo campo anti-austeridade, Syriza e Podemos são expressões distintas de um mesmo fenômeno internacional. Ambos são liderados por figuras jovens e carismáticas e uma direção majoritária que, nos dois casos, tem sido incapaz de desmantelar a oposição interna. Porém, além de dez anos mais velho, o Syriza tem na sua vértebra uma corrente de tradição marxista, atravessou diversas eleições e possui uma direção com tradição no movimento social. Já o Podemos é muito mais fluido, profundamente atrelado à esfera digital e não reivindica o socialismo em seu programa. Mesmo assim, os dois partidos têm tirado o sono do mercado financeiro por todo mundo. (PODEMOS, 2014)

O desenrolar da estratégia internacional do Syriza também dependerá da dinâmica interna da luta de classes grega. Assim como ocorrido em Madrid, serão as mobilizações de massa, junto à conjuntura internacional, que definirão o futuro do projeto Syriza. Por tanto, o próximo artigo,Syriza: Partido e Governo, discutirá a dinâmica interna dos novos governantes gregos frente ao movimento que os elegeu.

Aldo Cordeiro Sauda

Notas

[i] O presente artigo é o terceiro de uma série de cinco. Além de Syriza: partido e movimento e Syriza: partido e programa os próximos artigos, Syriza: partido e governo e Syriza: partido e marxismo, discutirão a localização da organização dentro da dinâmica da política nacional além da relação do partido com o marxismo grego.

[ii] País de maioria étnica grega, o Chipre foi ocupado militarmente pelo império britânico entre 1878 e 1960. Até então ele era uma colônia do império Otomano, que de meados do século 15 até 1821 controlou também a Grécia. Por conta dos otomanos, uma pequena colônia turca se instalou na ilha cipriota, gerando tensões permanentes entre os colonos e a maioria étnica grega. Em 1974, dezesseis anos após sua independência, um golpe militar organizado pela direita cipriota e apoiada pela ditadura militar em Atenas derrubou o governo de Makarios II. Ao contrário da política relativamente neutra de então, os militares pro-Grécia anunciaram a pretensão de anexar a ilha ao estado grego, iniciando assim uma crise com o governo turco. Cinco dias após o golpe pro-Atenas, sob o argumento de proteger a minoria muçulmana, o exército da Turquia invadiu o norte de Chipre.

Divido em dois desde a invasão turca, a ilha, principalmente a partir dos anos 2000, tem caminhado em direção a reunificação. Mesmo com a integração à União Europeia, no terço da ilha governado por cipriotas pro-Turquia a legislação da EU se encontra suspensa. O governo local é reconhecido apenas por Ancara, enquanto o resto do país mantem relações diplomáticas normais com todo o mundo. Por conta de sua dinâmica geopolítica, o Chipre, assim como a própria Grécia, já foram considerados pelo Departamento de Estado norte americano como parte do “Grande Oriente Médio”.

A ilha do Chipre foi profundamente afetada pela guerra civil libanesa, país com o qual divide sua fronteira marítima. Durante a guerra, transformou-se em entreposto comercial das milícias libanesas. Junto a isto, todo sistema bancário de paraíso fiscal existente antes no Líbano transferiu-se para lá.

[iii] A República Federativa Alemã (RFA), também conhecida então como “Alemanha ocidental”, surgiu apenas em 1949. Durante os 4 anos da ocupação aliada, foi-se lentamente juntando as regiões militarmente ocupadas pelos franceses, ingleses e os norte-americanos em um único “pré-Estado”, a “Tirzone”, firmemente controlado pelos EUA. Todo processo de reindustrialização do país, que rearticulou a burguesia alemã, foi bancado economicamente e politicamente por Washington. Já a parte leste do país manteve-se separada da República Federativa, dando vida a outra uma unidade política, a República Democrática Alemã (RDA). Berlin, principal cidade do país, que também foi dividida, se localizava no meio da zona soviética. Na área sob ocupação militar soviética, a burguesia foi expropriada e ergue-se lá um estado operário burocraticamente deformado sob direção de um partido stalinista.

[iv] Nacionalmente, o CDU intervém na política através de uma frente conhecida como “a união”. Durante a formação do partido, Adenauer deparou-se na Bavaria, uma província com traços regionais particulares, com a União Social Cristã (CSU) uma organização conservadora que tentava produzir, regionalmente, um projeto similar ao dele. Ao invés de disputar o espaço ou incorpora-lo a seu partido, Adenauer tornou o CSU partido-irmão da CDU na Bavária, onde eles representam o projeto da Democracia Cristã. Apesar de ser o único estado com o título de “livre”, o Estado Livre da Bavária possui status nacional igual aos outros estados alemães.

[v] O segundo maior banco da ilha, o Laiki foi dividido em dois: uma parte “boa”, com todas as contas abaixo de 100 mil euros, além de depósitos do estado e da igreja; e uma parte “má”, com todo o resto. A parte “boa” fundiu-se ao Banco do Chipre, o maior do país, a parte “má” foi a falência.

¹Na primeira versão publicada, fui alertado a ressaltar no inicio do texto o tema da OTAN. De fato, é importante dar luz ao papel a ser desempenhado pelo Estados Unidos de Barak Obama em uma possível medida de compra dos papeis do governo grego descritos pelas agencias de “rating “do capitalismo financeiro como em “zona de especulação”. Esta formulação deve passar pela mente de muitos no Syriza.

²No texto original, super-estimei o numero de países em que o Euro foi eleito democraticamente. Mesmo assim, não deixa de ser curioso que um suposto populista de direita busque inspiração na revolução francesa e na cultura plebiscitária francesa. Um populismo “refinado” no liberalismo.


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