O director do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, José Luís Cardoso, decidiu suspender na terça-feira, a publicação do novo número da “Análise Social”, em nome da dignidade da instituição e daquela revista.
A razão para esta decisão foi o ensaio visual “A luta voltou ao muro” 1, por Ricardo Campos, investigador do Cemri – Universidade Aberta 2, que tem o graffiti como uma das áreas de investigação. A edição online já se encontrava disponível e a versão em papel já estava a ser impressa quando a ordem de suspensão surgiu, obrigando à sua destruição.
A polémica
O ensaio, de apenas duas páginas, contém de seguida fotografias de graffitis em centros urbanos que expressam o descontentamento face ao Governo, às políticas de austeridade e a outros agentes económicos, como banqueiros. O autor pretende assim “retratar esta dinâmica de manifestação popular”, afirmando que as paredes estão a “servir cada vez mais para expressar não apenas uma revolta difusa, mas para acicatar o poder político, satirizar a classe partidária e afrontar o status quo”.
Para José Luís Cardoso o ensaio é de “mau gosto e uma ofensa a instituições e pessoas que eu não podia tolerar” 3. Argumenta também que este ensaio visual não tem enquadramento e que não passou pela avaliação científica por especialistas da área. Porém as normas escritas e públicas da revista estipulam que os ensaios visuais não são sujeitos a tal avaliação, bastando-lhes a aprovação do conselho redactorial. Assim se justifica ter sido publicado sem que antes José Luís Cardoso o tivesse impedido.
Contrariando os argumentos de José Luís Cardoso, Pina Cabral defende que “a preservação e publicação de material desta natureza não fere em nada a seriedade científica da revista”. Pelo contrário, “existe mesmo uma volumosa e respeitável tradição nas ciências sociais de estudar e preservar as formas públicas reprimidas de manifestação de insatisfação popular”, acrescenta.
O que se esconde facilmente se revela
O texto, apesar dos fins académicos, é perfeitamente compreensível. O emprego de imagens exemplificativas é também um elemento que o torna acessível a grande parte da população. Mas é o tema e o tratamento que lhe é dado que impulsionou o conflito. Há de facto a transmissão de um conjunto de críticas ao governo e às elites económicas que não agradou ao director do ICS. Se o ensaio fosse mais complexo e profundo, talvez o tivesse deixado passar, por não pretender chegar a tantos leitores, mas apenas a uma elite intelectual e mais esclarecida.
Fora o “lápis azul”!
Estamos perante um claro caso de censura que deve ser repudiado sem demora. Engane-se quem pense que a censura do fascismo acabou. Esta continua, mais branda e dissimuladamente, por exemplo nas redacções jornalísticas, controladas por grupos económicos cujos interesses são defendidos pelo governo de direita. Assim, durante muito tempo, se difundiu a ideia única do “vivemos acima das nossas possibilidades” e da necessidade de empobrecer. Por sua vez, aqueles com diferentes linhas de pensamento são excluídos e desacreditados. De qualquer forma, os murais continuam onde estão. Só esperamos que esses, não desapareçam.
A nossa solidariedade para Ricardo Campos!
Contra a censura pública e privada, sob qualquer forma!
Pela liberdade total de pensamento, crítica e de criação artísticas e científicas!
Diogo Trindade
Notas
1 Para ler o artigo, ver http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/AS_212_EV.pdf
2 Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais – Universidade Aberta