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Como podemos combater o populismo?

As críticas desproporcionadas e a atenção exagerada da parte do BE é um elogio a qualquer estreante. Na política sobretudo.

Carlos Carujo, militante do Bloco de Esquerda conhecido por se dedicar à teoria política neste partido, acaba de tecer um destes elogios ao MAS: há que agradecer-lhe (http://linhasdaira.blogs.sapo.pt/responde-um-populismo-de-esquerda-a-65529). Num artigo que parece querer criticar o antigo aliado do Bloco de Esquerda, Marinho e Pinto, principal vencedor das últimas europeias, Carujo dedica-se a criticar longamente o MAS, que obteve um resultado mais modesto. Agradecemos a atenção.

A crítica de Carujo não é original. É a repetição das críticas que vários sectores de esquerda tradicional e “revolucionária” têm vindo a fazer ao MAS sobre alguns aspectos da sua política. Estes senhores, do alto da sua cátedra bloguística, insistem em criticar o MAS por defender “o fim dos privilégios dos políticos” – ou seja a redução para metade dos salários dos deputados europeus e nacionais, entre outras mordomias. Criticam-nos por defender “prisão para quem roubou e endividou o país” – ou seja que os banqueiros e políticos corruptos, como Duarte Lima, Oliveira e Costa ou Ricardo Salgado – parem de fugir à justiça, não vejam os seus crimes prescrever, sejam punidos e seus bens confiscados.

A crítica de Carujo mais não é que uma versão de esquerda da crítica que os comentadores da praça – Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes e afins – fazem às manifestações populares espontâneas, como a “Geração à Rasca” ou o “Que se lixe a Troika”, que também se levantavam “contra os políticos” e a corrupção. Na verdade repetem a crítica que foi feita ao Bloco de Esquerda quando este punha o dedo na ferida e combatia a corrupção. É natural, as ambições políticas acarretam sempre mimetismo político, quem se vê como comentador iluminado é iluminado pelos comentadores.

Porém isso é o que menos interessa. Reparemos que Carujo milita num partido, o BE, que se uniu a António Costa na Câmara de Lisboa, que apoiou Manuel Alegre, lado-a-lado com Sócrates em 2011, que votou a favor do primeiro “empréstimo” da Troika à Grécia. Sobre isso Carujo não fala muito, mas crítica o MAS “ pela ausência do conflito social e de classe”. Presunção e água benta, cada um toma a que quer…

Uma posição incoerente

É normal que de um partido que se alia a Sócrates e Costa mas sistematicamente vira as costas a uma unidade com o PCP, custe criticar os privilégios dos políticos.Honra seja feita ao falecido Miguel Portas: foi ele o primeiro a defender a redução dos salários dos eurodeputados (como se pode ver aqui: http://www.youtube.com/watch?v=TDuKYdfHMNs). Não conhecemos que crítica Carujo dedicou na altura ao seu camarada, mas ainda vai a tempo, caso queira ser consequente. Mais, é interessante que o epíteto que Carujo nos dedica – “populismo de esquerda” – é o mesmo que o jornal Público usa para criticar o fenómeno eleitoral espanhol Podemos (http://www.publico.pt/mundo/noticia/podemos-o-populismo-de-esquerda-que-emerge-em-espanha-1637853).

O Bloco de Esquerda nada tem a ver com o Podemos. O Bloco recusa a unidade de esquerda, o Podemos é a favor, Pablo Iglesias, porta-voz do Podemos, é contra o euro, os líderes do Bloco são a favor, o Podemos é contra os privilégios dos políticos e o BE é… a favor? Não sabemos a posição de BE e de Carujo sobre o assunto, sabemos que o BE procura usar o prestígio do Podemos como bóia eleitoral, porém Carujo a ser honesto teria de escrever um artigo a associar Iglesias a Marinho e Pinto.

Porém, vindo destes lados, coerência é incomum. É que Iglesias e o Podemos são muito mais populistas que o MAS: enquanto nós propúnhamos a redução para metade dos salários dos eurodeputados o Podemos quer uma redução maior. Aliás Iglesias ficou famoso por criticar a “casta” (não a classe) dos políticos e banqueiros. O Podemos é progressivo? Haver um fenómeno eleitoral que dá voz à raiva contra este regime a que “llaman democracia pero no es” (como cantavam nas manifestações em Espanha) é bom ou mau? Para Carujo é mau, está visto.

E sobre política concreta, o que defende Carujo?

Resta saber, sem divagações bloguísticas, o que acha Carujo das propostas concretas do MAS. É a favor, ou contra, reduzir os salários de deputados e euro deputados? Está com o MAS, Miguel Portas e Iglesias ou contra o “populismo”? Carujo é a favor do fim das prescrições dos crimes económicos? Está com o MAS ou com João Rendeiro, chefe do BPP, que pediu a prescrição do seu crime? Carujo acha que pedir a prisão e confisco dos bens de Oliveira e Costa, Duarte Lima e Ricardo Salgado nada tem de “conflito de classe”? Não serão todas as divagações de Carujo fórmulas que, inconscientemente ou não, levam a defender a impunidade destes senhores? Como pode um intelectual que, estando profundamente errado, não deixa de ser honesto, tomar este tipo de posições?

Acreditamos que é mais simples do que parece. O Podemos espanhol pode ter muitos defeitos, mas ao contrário do PCP e BE cá e a Esquerda Unida em Espanha, não vive financeiramente do estado. Isso pode mudar, mas hoje é assim. Aliás, o sucesso do Podemos é ter conseguido dar voz às mobilizações, chamadas de “indignados” em Espanha e Geração à Rasca/Que Se Lixe a Troika cá, que punham em causa a falsa democracia. “Le llaman democracia pêro no lo es” cantavam em Espanha, “Criminalização de todos os políticos” dizia uma grande faixa no 15 de Setembro de 2012 em Lisboa. A raiva contra o regime democrático-burguês (já que Carujo quer marxismo a sério aqui o tem) pode ser historicamente canalizada pela esquerda radical ou pela extrema-direita, ou até por outros fenómenos. O que nunca pode é ser canalizada pelos partidos que vivem de e para esse regime. O Podemos pode vir a ser engolido pelo regime mas o BE já o foi há muito. Todos fazemos política, mas “políticos”, aqueles que o povo odeia, não são os que se dedicam a derrubar este sistema, mas o que vivem dele. Só estes últimos podem ter medo do “populismo de esquerda”. E é esse medo do “populismo de esquerda” que abre alas à extrema-direita, o NPA francês, tão caro à área política de Carujo, que o diga.

Sobre coligações com Marinho e Pinto, o MAS não quis dar abébias ao ex-bastonário. Exigimos-lhe que escolhesse um lado, a esquerda ou o centrão, parece que já escolheu. Mas Carujo e o Bloco têm pouco de que se queixar, eles são os pais políticos de Marinho. Não apenas porque o promoveram como aliado diversas vezes – de resto têm um historial de grandes aliados como José Sá Fernandes ou Fernando Nobre. Louçã, Semedo e Carlos Carujo por atacado são os pais de Marinho e Pinto sobretudo porque ao oporem-se a uma unidade PCP-BE contra o centrão fazem com que a frustração com os partidos do centro se canalize noutra direcção e porque, ao se recusarem a atacar os privilégios dos políticos e a corrupção, dão espaço a quem o faz.

Conclui-se que os pruridos político-teóricos de Carujo assim como a ambiguidade dos deputados bloquistas em pôr em causa o centrão e em atacar os privilégios dos políticos e banqueiros são os melhores amigos de Marinho e Pinto e de populismos vários. Ironicamente foi a política de BE e PCP que abriu portas a Marinho e é por haver Podemos em Espanha que não há lá nem Marinho nem Beppe Grillo. Cá também PODEMOS fazer diferente, MAS é preciso uma esquerda de coragem.

Manuel Afonso

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