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Espanha: a nova situação aberta após as eleições europeias

PP e PSOE, os grandes partidos do regime, golpeados gravemente

No quadro de uma grande abstenção (que alcançou os 54% dos eleitores e não foi maior pelo aumento na Catalunha, devido ao processo soberanista), os resultados das eleições europeias [no Estado Espanhol] foram, em primeiro lugar, um tremendo golpe nos dois grandes partidos do regime, o PP e o PSOE perderam entre os dois 5,15 milhões de votos e passaram de 81% para 49,87%, ficando por debaixo, pela primeira vez, dos simbólicos 50%. O bipartidarismo vigente desde a Transição e um dos pilares do regime de 1978 ficou gravemente tocado.

O PP foi golpeado durissimamente, perdendo 2,6 milhões de votos e 16 pontos percentuais (de 42 a 26%). As maiores perdas deram nos seus principais feudos, Madrid e Valência, onde as maiorias absolutas passaram à história, e a isto há que acrescentar o desastre que sofreu na Catalunha. Rajoy quis dar volta ao texto dizendo que “o PP ganhou as eleições”, argumentando que teve mais votos que o PSOE. É um miserável consolo frente a um PSOE afundado e quando a votação do PP alcançou apenas 11,4% do conjunto do eleitorado. O resultado deixa o Governo no pelourinho, com uma legitimidade completamente pelo chão.

A bancarrota do PSOE é, se possível, maior que a do PP. Além de ter sido incapaz de recuperar-se frente a um PP enormemente desacreditado depois de dois anos e meio de governação selvagem, afundou-se ainda mais, obtendo os seus piores resultados desde a Transição. Perdeu mais de 2,5 milhões de votos e 16 pontos percentuais. Só em Madrid baixou 400 mil votos. Na Catalunha afundou-se literalmente, ficando pelos 14%. O mesmo ocorreu no País Basco, com o caso concreto de Navarra, onde ficou atrás de EH-Bildu.

O eixo da campanha do PSOE era diferenciar-se do PP (“não somos o mesmo”), mas são já muitos anos de experiência para que a população dê crédito a slognas como este, que só duram o tempo da campanha eleitoral. A demissão de Rubalcaba deu origem a uma digestão penosa da crise, de resultados incertos. Em qualquer dos casos, o velho e poderoso PSOE jamais voltará.

 

Uma viragem à esquerda marcada pelo fenómeno do PODEMOS

A revelação e, sem dúvida, o dado mais espectacular das eleições foi o ascenso do PODEMOS, a plataforma que encabeçava Pablo Iglesias e que se converteu num fenómeno eleitoral. Formada faz quatro meses e com uma estrutura organizativa muito débil nos territórios, conseguiu 1.240.000 votos (quase 8%) e 5 deputados, ficando a apenas dois pontos e um deputado da Izquierda Plural (a candidatura hegemonizada pela Izquierda Unida – IU). Em lugares como Madrid, Aragão, Astúrias, Ilhas Baleares e Cantábria, superou aquela e foi a terceira força.

Ainda que o seu programa pouco ou nada se diferencia da IU, PODEMOS apareceu como a expressão política do 15M e como uma candidatura de ruptura enfrentada ao regime e seus partidos (“não nos representam”). Apoiado na figurada mediática de Pablo Iglesias, numa campanha baseada em slogans gerais, um amplo eco mediático em algumas cadeias de televisão e uma forte presença nas redes sociais, PODEMOS arrastou a base social dos “indignados”, muitos jovens e sectores de trabalhadores em ruptura com o PSOE. Após as eleições, a campanha contra PODEMOS por parte do PP e personagens como Felipe González está a contribuindo para fortalecê-lo mais. Agora abre-se um período em que o PODEMOS deverá definir-se ante os problemas políticos e económicos mais candentes, fixar a sua política de alianças e configurar a sua organização interna.

A IU através da Izquierda Plural conseguiu um importante avanço. Ganhando quase um milhão de votos, 6 deputados e 10% da votação. Representantes da IU declararam, no entanto, que não estão satisfeitos com o resultado, que ficou abaixo das suas expectativas. Isto, junto com a aparição do PODEMOS, parece apontar aos limites eleitorais da IU, uma força política cuja aspiração é repetir, em escala ampliada, a sua aliança andaluza de governo com o PSOE. A consciência dos seus limites eleitorais da IU e suas relações com o PODEMOS estão chamadas a provocar importantes tensões internas no seu seio.

 

Fortalecem-se os processos soberanistas na Catalunha e País Basco.

O notável incremento da participação na Catalunha em relação a anteriores eleições europeias (mais 10%) foi a consequência directa do processo independentista e veio acompanhado pela grande vitória eleitoral da ERC (Esquerda Republicana Catalã), que superou a CiU (Convergência e União) pela primeira vez desde a Transição, convertendo-se, com 600 mil votos (24%), na primeira força política catalã. O êxito da ERC é o resultado, antes de tudo, da radicalização do movimento soberanista catalão, perante o qual apresenta-se como garantia de que o movimento seguirá para a frente. É, ao mesmo tempo, mais combustível que se atira para a radicalização soberanista, que tem uma data chave na próxima Diada [Dia Nacional da Catalunha] e, mais ainda, a 9 de Novembro, a data prevista para o referendo que o Governo proibirá.

Também vimos no País Basco como EH-Bildu superou, pela primeira vez, ao PNV, ultrapassando-o em Araba e Guipúscoa e, o que dizer, em Navarra, onde EH-Bildu converteu-se na segunda força, com 20% dos votos. O triunfo das forças bascas, a grave derrota paralela sofrida pelo PSOE e PP e o processo catalão alimentam um ressurgimento com força do movimento nacionalista basco.

 

A nossa candidatura [da Corriente Roja]

Enquanto a nossa candidatura, como nos apresentámos pela primera vez a eleições, queremos em primeiro lugar agradecer a todos os companheiros e companheiras que nos ajudaram a desenvolver a campanha eleitoral. Queremos dizer também que nos sentimos muito orgulhosos da presença de lutadores da clase trabalhadora e da juventude que integraram a lista e que representavam várias das lutas mais importantes dos últimos tempos (UPS, limpeza de rua em Madrid, Corralas sevilhanas, mineiros, trabalhadores dos municípios do Pinto e Alcorcón, estudantes…).

A campanha serviu-nos para difundir a luta e solidariedade com os companheiros/as da Panrico e para fazer chegar a um sector de trabalhadores e jovens uma alternativa de luta e classe, que defende a ruptura com a UR e o Euro, e uma Europa dos Trabalhadores e dos Povos. Apreciamos em todo o seu valor os votos obtidos (5.084) e reconhecemos, ao mesmo tempo, que não foram um bom resultado e esteve, sem dúvida, condicionado pelo fenómeno eleitoral do PODEMOS, que actuou como um autêntico aspirador do voto crítico à esquerda da IU.

 

Que Rajoy se vá embora! Eleições antecipadas já!

O repúdio instintivo à UE e aos partidos do regime que se transluz na abstenção mas, sobretudo, a combinação entre a descomunal pancada recebida pelo PP e PSOE, e ascenso dos votos da Izquierda Plural e do PODEMOS, assim como, a outro nível, da EH-Bildu e da ERC, mostram uma clara viragem à esquerda, deixam o Governo a intempérie e dão um empurrão aos movimentos soberanistas na Catalunha e no País Basco.

Após as eleições, a exigência de que o governo Rajoy, carente de toda a legitimidade, se vá embora e se convoquem eleições antecipadas é algo generalizado. Não pode ser que continuem mais um dia que seja, atacando os nossos direitos mais elementares. Há uma forte pressão social a favor da unidade para correr com o PP e por fim ao bipartidarismo. O próprio Cayo Lara chamou claramente à demissão do Governo. Mas trata-se de que esta exigência não se fique apenas por palavras antes que se expresse, e com força, nas ruas. Trata-se de impulsionar uma mobilização social unitária e imediata que, dando continuidade às grandes mobilizações da Marche pela Dignidade e ao repúdio mostrado nas eleições, ponha o centro a exigência da demissão do governo e a convocatória de eleições antecipadas. Uma mobilização que, se o Governo não cede, deve encaminhar-se para a preparação de uma greve geral.

No que toca à crescente exigência de se fazer um acordo eleitoral da esquerda para correr com o PP, nós Corriente Roja queremos dizer duas coisas: a primeira, que estamos dispostos a ajudar, na medida das nossas forças e, a segunda, que para que um acordo assim seja útil deve apoiar-se num programa mínimo comum que, entre outros, recolha estes três pontos básicos: a auditoria e suspensão do pagamento da dívida, a revogação da reforma laboral e o direito dos povos a decidir, reivindicação que vai estar com máxima actualidade pela consultada que reclama uma ampla maioria de catalães.

 

A extrema-direita europeia capitaliza o descontentamento, o Estado espanhol e a Grécia viram à esquerda e o projecto imperialista da UE recebe um forte golpe

A viragem à esquerda no Estado espanhol e a acentuação da crise do regime de 78 integram-se nuns resultados europeus complexos e com importantes desigualdades entre os diferentes países, mas com traços comuns. No meio de uma grande abstenção (que no leste europeu foi espectacular, chegando inclusive aos 80%) vimos uma polarização cujos extremos foram, de um lado, o triunfo da extrema-direita da Frente Nacional de Marine Le Pen (que conseguiu 25% à base de grandes doses de demagogia social e chauvinismo) e, no outro pólo, o do Syriza (25,57%) na Grécia: num lado uma extem-direita nacional-imperialista e xenófoba e noutro um partido de esquerda que pense que pode tirar a Grécia da ruína social sem repudiar a dívida, e dentro da UE e do Euro.

Com excepções como a Alemanha e Itália, os diferentes governos foram severamente castigados e em alguns casos, como o francês, com encarniçamento. O voto contra a austeridade, a UE e o Euro, foi em geral capitalizado pela extrema-direita nacionalista e por forças populistas como Grillo em Itália, com as excepções mencionadas da Grécia e do Estado espanhol. Também há que notar que, junto à extrema-direita nacionalista. Vimos a entrada, ainda que minoritária, de partidos directamente fascistas, como Aurora Dourada na Grécia ou Jobbik na Hungria.

Estes dados acentuam a instabilidade política na Europa e trazem importantes elementos de crise ao projecto europeísta do grande capital europeu. O crescimento de sectores burgueses de extrema-direita que chamam a sair da UE como o UKIP britânico e, sobretudo, que uns 25% dos franceses, à volta de Marine Le Pen, reclamem a saída da França do Euro e da UR são factos de grande transcendência pois, não em vão, não pode haver UE sem França.

Mas se alguma coisa fica claro é a necessidade de se levantar uma alternativa internacionalista a partir da classe operária europeia para unir as forças dos trabalhadores e dos povo do continente contra o ajuste estrutural da UE, acabar com esta máquina de guerra do capital financeiro que é a UR e abrir o caminho a uma Europa Socialista dos Trabalhadores e dos Povos.

 

Escrito por Corriente Roja partido irmão do MAS no Estado espanhol

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