Luta contra opressão mobiliza a Universidade de Coimbra

A Lista R – Reset à AAC para a Associação Académica de Coimbra criou um grupo de discussão e combate ao machismo, ao racismo, à homofobia e à xenofobia.

Há quem diga que a questão das opressões é algo secundário, um tema ultrapassado e que não se justifica no ambiente universitário. Não há discussão sobre o papel da mulher na academia, e propostas como paridade são chumbadas em Assembleia Magna (assembleia de estudantes).

Há quem diga que os casos de xenofobia são pontuais e a homofobia simplesmente não existe! Porém, a realidade é bem diferente. A opressão da mulher e das minorias é uma realidade atual, longe de estar erradicada, mesmo quando muitos acreditam no contrário.

Nas últimas eleições para os corpos gerentes da Associação Académica de Coimbra, a Lista R – Reset à AAC, composta por diversos ativistas e também militantes do MAS, criou um grupo de discussão e combate a todas as formas de discriminação, sejam elas de género, raça, etnia ou orientação sexual, e fez desse combate um dos eixos principais da sua política. Durante a campanha foram feitas diversas ações de consciencialização e também de denúncia de situações experienciadas por estudantes da Universidade de Coimbra (UC).

Repercussão

As primeiras reações foram sintomáticas: de todo o lado recebemos ataques ao nosso projeto, acusando-nos de pôr em primeiro plano problemas menores e que os problemas atuais dos estudantes eram de outra natureza, como a precariedade, falta de bolsas e cantinas, isto apesar de os dirigentes estudantis dos últimos anos estarem comprometidos com os governos que esmagam a juventude e os estudantes com esses mesmos problemas.

O que talvez gerou mais polémica e atenção foi exatamente o conjunto de denúncias de casos de discriminação que divulgámos nas redes socais e que puseram em causa a imagem que é muitas vezes vendida, de uma UC sem preconceito e igual para todas e todos. A campanha terminou com a vitória de outra lista, dirigida pela JS, mas os problemas de opressão e discriminação permanecem e a nossa luta não se encerra nas urnas.

A repercussão das denúncias foi muito além fronteiras. A quantidade de críticas que recebemos foi superada pela quantidade de pessoas e entidades que entraram em contacto connosco por se reverem na nossa mensagem, para darem o seu contributo ou para pedirem esclarecimentos quanto ao projeto.

Reação da UC

O alcance desta atividade foi tal que própria UC se viu obrigada a emitir uma nota informativa negando a existência de xenofobia na universidade, qualificando o sucedido como “discordâncias e desentendimentos pontuais” e afirmando que, após ouvir os estudantes, algumas acusações eram falsas e que nenhum estudante apresentou uma queixa formal.

Ora, a maioria das vitimas reside fora do seu país, está dependente de uma bolsa de estudo e, muitas vezes, não sabe onde e a quem recorrer para o fazer. Se nem quem vive permanentemente em Portugal acredita na eficácia da justiça portuguesa, pelos seus elevados custos e burocracias, como exigir que estes alunos recorram a ela sem qualquer apoio jurídico e habilitando-se a sofrer represálias?

Muitos dos estudantes que foram alvo de atitudes discriminatórias, alguns vítimas de ameaças, perseguições e até de agressões físicas, viram na nossa campanha uma forma de se expressarem, e a grande adesão só prova que estamos no caminho certo. O preconceito é recorrente e usual, quer no âmbito institucional quer social, o que obriga estes estudantes a procurar espaços onde se sintam confortáveis.

Capitalismo e opressão

Após a difusão da campanha nas redes sociais, estudantes de outras universidades e antigos estudantes de intercâmbio solidarizaram-se e vieram partilhar as suas experiências também.

A opressão não é exclusiva da UC e não afeta apenas estudantes oriundos do Brasil, é um problema da sociedade capitalista que usa as diferenças entre a maioria explorada para a enfraquecer. As várias formas de opressão são reproduzidas no sistema de educação e são ampliadas no mercado de trabalho, onde os patrões usam as diferenças entre homens e mulheres, nacionais e estrangeiros, negros e brancos para pagar menos a uns e assim rebaixar o salário de todos e todas.

Em Portugal, há uma elevada diferença salarial entre géneros que se situa na ordem dos 17,8%, sendo que essa desigualdade se acentua no caso de trabalhadores qualificados, mesmo existindo uma maior taxa de mulheres com nível de escolaridade superior – em cada 100 licenciados 59 são mulheres e 41 são homens – dados da Comissão para a Igualdade de Género.

No discurso, a igualdade entre homens e mulheres aparece como um valor adquirido. Mas é só no discurso. A crise financeira e económica que a burguesia quer resolver através de medidas de austeridade só retira direitos aos trabalhadores, especialmente às mulheres, enfraquecendo a toda hora as políticas de igualdade de género e potenciando atitudes xenófobas e racistas, resultando na expulsão de imigrantes e ciganos e na perseguição de minorias.

Não tolerar a discriminação

Ainda assim cremos que a UC e também a Associação Académica de Coimbra deveriam, ao invés de agitar as velhas declarações de princípios, que são na sua essência inócuas, não tolerar este tipo de preconceitos e combatê-los ativamente.

Dispomo-nos a lutar contra todo o tipo de opressão, pois não adianta fechar os olhos à realidade e fingir que tudo é perfeito, enquanto milhares de pessoas continuam a sofrer em silêncio. A campanha irá continuar nas ruas, e não só. Queremos que se estenda a outras universidades do país e do mundo.

Em Coimbra está a ser preparada uma reunião geral de alunos da universidade para expandir o debate e alertar para a necessidade de uma resposta mais eficaz por parte de todos, que passa pela criação de um órgão específico que dê resposta a este tipo de ocorrências, divulgada junto da comunidade estudantil, para que quando alguém se sinta oprimido/a, tenha o devido apoio.

Não toleramos discriminação, nem dentro das universidades nem em qualquer outro lugar!

Rebeca Moore, estudante universitária, e Alexandra Correia, presidente da Lista Lista R – Reset à AAC

Anterior

Eusébio: um dos maiores desportistas de sempre

Próximo

Destruição da Colina de Santana é mais um vergonhoso caso de especulação imobiliária