A guerra social que o Estado e os grandes grupos económicos pretendem mover contra os mais desfavorecidos conheceu um episódio sintomático no final da semana passada num bairro do Porto. Um grupo de técnicos da EDP, acompanhado por um assinalável dispositivo policial, cortou o fornecimento de energia elétrica em treze prédios do bairro do Lagarteiro.
O assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã, citado pelo jornal Público, fala na retirada de 84 contadores, pelo que um número superior a 300 pessoas ficou sem luz nessa manhã. A distribuidora de eletricidade insere esta medida em ações de combate à fraude, o termo utilizado para classificar o facto de alguns moradores, a quem foi cortado o fornecimento por faturas em atraso, terem restabelecido a energia à revelia da operadora.
Revolta
Os habitantes, por seu lado, manifestaram a sua revolta pela forma como a EDP se movimentou no bairro, não dispensando a companhia de um forte aparato policial que incluiu elementos do corpo de intervenção da PSP. Assumem as dívidas, mas declaram não terem condições financeiras para a sua regularização recusando, por isso, serem tratados como delinquentes.
As visitas da EDP ao bairro do Lagarteiro não são novidade, mas assumem um carácter atroz quando se sabe que os seus residentes têm estado na linha da frente do empobrecimento sem retorno. Os dias de austeridade acentuaram o desemprego de longa duração e trouxeram os cortes no subsídio de desemprego, no rendimento social de inserção, empurrando a população para um abjeto dilemas: pagar as contas, ou garantir a sua alimentação e a dos seus.
Não deve, por isso, causar espanto o aumento, assinalado pela EDP, das ligações clandestinas no bairro do Lagarteiro. Aliás, este fenómeno tem uma relação íntima com o brutal aumento da eletricidade, cifrado em 23 % entre 2007 e 2013, e com o crescimento dos lucros auferidos por cada acionista, situado nuns escandalosos 48% entre 207 e 2012.
Novo guetos
Convém lembrar que o mesmo Estado, que colabora com a EDP no corte de energia, sem apelo e sem agravo, àqueles que têm dívidas ou estabelecem ligações clandestinas, fixa um preço estranhamente elevado para a eletricidade produzida pela EDP a partir da energia eólica, uma diferença que se traduz em eletricidade mais cara para o consumidor.
Eis um exemplo evidente de uma renda excessiva que o Estado tem mantido intocável, contrariando a letra do próprio memorando da troika. Fica demonstrado, se dúvidas ainda existissem, o carácter desigual na aplicação da austeridade, acendendo os holofotes sobre o emprego, os salários e as prestações sociais, alvos de ataques cada dia mais ferozes, e deixando na sombra os grandes grupos económicos, a quem o Estado cria condições de favor.
Ficam igualmente claros os objetivos desta guerra social: o de condenar vastos setores da classe trabalhadora à pobreza e mesmo à miséria, acantonados em gaiolas de betão, novos guetos sociais, onde até as mínimas condições necessárias à subsistência estão em risco.
José Pereira