Ricardo Cunha é coordenador da Comissão de Trabalhadores da STCP (Sociedade de Transportes Colectivos do Porto) há sensivelmente 2 anos, trabalha na empresa há 12 anos e é motorista de serviços públicos. O MAS entrevistou-o aquando da vigília que realizaram a 11 de setembro. Ricardo fala-nos da luta no interior da STCP e das consequências das políticas da troika e do governo nos serviços públicos de transporte.
MAS: Quais são as razões que vos levaram a realizar esta vigília?
Ricardo Cunha (RC): A principal razão é a falta de palavra dos nossos governantes e do nosso conselho de administração. Inicialmente, desde que tomaram posse, propuseram-nos uma restruturação em que se provássemos que éramos mais produtivos ou mais eficazes do que os operadores privados, a STCP nunca iria fugir das nossas mãos e do sector público. O que não é o caso, recebemos notícias do conselho da administração de que realmente somos eficazes, nós vemos os dados da empresa a melhorar todos os dias e vemos essencialmente o sr. Secretário de Estado dos Transportes publicamente a anunciar que vamos ser privatizados, concessionados chamem-lhe o que quiserem, o teor é o mesmo, e já no próximo ano. O que nos leva a crer que estamos a ser governados por pessoas sem palavra.
MAS: A STCP quantos trabalhadores tem? Quantos precários há? Quantos contratados? Quantos motoristas?
RC: A STCP já foi uma empresa com 4500 trabalhadores, no entanto, hoje, tem cerca de 1200 funcionários. Destes, há 130 motoristas que estão com contrato a prazo, ou seja termo precário, quando a essência do contrato a prazo é para funções que não são efectivas, e se há alguma função efectiva numa empresa de transportes é de motorista, de condutor ou de maquinista, se for o caso. Mais grave ainda é, por exemplo, o que se passa nas linhas do carro eléctrico, que são conduzidos por guarda-freios, e em que o número de guarda-freios é completamente insuficiente para o serviço regular, tanto que eles suspendem várias vezes a operação dos mesmos por não terem guarda-freios suficientes, quando ao mesmo tempo, contratam a recibos verdes guarda-freios para fazerem viagens turísticas para o museu da STCP. Ou seja, contratam mão de obra barata, aproveitando-se da situação precária que a sociedade está a viver, para efectuar esse tipo de contratos.
MAS: Em que medida se tem prejudicado a população com estes cortes e com o projecto de privatização da empresa?
RC: Os prejuízos para os utentes são reais e notórios, exemplo disso é que, nos últimos três meses, pela falta de efectivos que temos, 4 mil serviços não foram efectuados. Se tivermos em consideração que muita das vezes os serviços são bipartidos, isto é, enquadram-se duas linhas na operação de um só serviço, temos mais de 10 mil viagens que não são realizadas, viagens essas que são prometidas aos utentes, nomeadamente quanto este compra o seu passe mensal. O que no nosso entendimento é defraudá-los e defraudar a mobilidade da área metropolitana do Porto.
MAS: Ultimamente têm saído notícias sobre os chamados contratos “swap”, e uma das empresas badaladas é precisamente a STCP. Qual é o vosso sentimento em relação a todo este processo?
RC: Nós aqui podemos dizer que fomos pioneiros. Porque a quando da celebração dos contratos (e ninguém falava dos “swap”), a empresa dizia que os contratos davam lucro à STCP. Posteriormente, segundo notícias vindas a público, afirmava-se que a STCP estava com valores, enganosos, de 1,8 milhões de lucros. Nesse momento, nós, desde logo, questionamos o conselho de administração da altura. E quando nos informaram que esse valor era potencial e não um lucro efectivo, contestamos esses contratos “swaps”. Porquê? Porque o contrato “swap” é “jogar na bolsa”, com uma garantia do Estado em favor dos bancos. E isso no nosso entendimento é um crime público. Quer dê prejuízo quer dê lucro. O dinheiro do Estado é para ser aplicado em função do povo e não para ser aplicado em função dos banqueiros que nos estão a governar neste momento.
MAS: Qual é a dimensão dos cortes nos salários da STCP?
RC: Quando intitulamos salário referimo-nos a tudo o que nós recebemos quer em espécie quer em valor monetário, estamos a falar de um corte no valor de 40%. Explico, porque para além dos cortes que estamos a sofrer enquanto funcionários públicos, quando juridicamente não o somos, além dos cortes que estamos a receber do sector privado (que também o somos), temos ainda um corte redobrado que foi a suspensão dos títulos de transporte para a família e para os filhos. Que era um pagamento em espécie, que foi atribuído em troco de um aumento salarial no passado. Tendo em consideração que temos a nossa carreira congelada, o valor de diuturnidades e o valor de dispensas que temos estão-nos a reduzir no mínimo mais 30%.
MAS: Como e até onde desejam levar esta luta?
RC: Esta luta é uma inovação. Nós temos em consideração que uma luta, uma greve, uma paralisação, pelo tipo de serviço que prestamos (de transportes públicos), vai obrigatoriamente causar danos aos nossos utentes. Nós tentámos inovar, chamar a atenção da opinião pública dos perigos que aí vêm com uma possível concessão, com uma possível privatização. Isto porquê? A essência do negócio privado é que ninguém investe para ter prejuízo. Se tivermos em consideração que muito do serviço da STCP é um serviço social, não é um serviço comercial, esse serviço vai ser aniquilidado por qualquer privado. Nós acreditamos, que após a privatização/concessão ou aumentam as tarifas ou aumentam as indemnizações compensatórias, do Estado à STCP, quem pagará sempre será o português. Ou seja todos os portugueses serão prejudicados gravemente.
MAS: Como pensam criar laços de unidade com outros sectores para a luta?
RC: Nós somos uma empresa pública, nós interagimos com todo o tipo de associações, com todo o tipo de partidos políticos, nós interagimos com a sociedade em geral. Logo estamos totalmente abertos para que consigamos estabelecer laços para que a luta e a unidade quebrem de vez estas políticas de direita e quebrem de vez estas políticas que nos estão a levar à ruína.
MAS: Como é que os trabalhadores vêem a troika e a sua intervenção em Portugal?
RC: Portugal com o 25 de Abril tornou-se um país que se orienta por linhas socialistas, não podemos aceitar que políticas de direita, do capitalismo e do fascismo se implementem cá. E é o que a troika está a fazer. Ou seja, já que não consegue através dos seus meandros, dos seus mandatários de direita implementar essa medidas em Portugal, estão obrigatoriamente com a nossa necessidade financeira a obrigar-nos a implementar medidas que só prejudicam o povo, só prejudicam Portugal.
MAS: Que mensagem quer deixar ao povo trabalhador?
RC: Nós sentimos na STCP o que a sociedade sente no geral. Os trabalhadores sentem-se pressionados a não lutar, os trabalhadores sentem-se obrigados a não lutar para manter os seus postos de trabalho face aos seus vínculos precários. A palavra que deixo como coordenador da comissão de trabalhadores, como pessoa, é que ninguém desista, que lute, lute pelos seus manifestos, lute pelas causas que acredita, e acima de tudo lute por ser um bom português.
11 de Setembro 2013
MAS – Porto