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Função Pública e reformados são os bodes expiatórios do governo

Entrevista a Vasco Santos, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPS – Norte).

Como vês as recentes medidas do governo na função pública e quais as principais alterações que apontas como preocupantes?

Mais uma vez o governo usa a função pública e os reformados como bode expiatório das suas medidas: mais cortes nos vencimentos; aumento do horário de trabalho de mais 20h por mês, o que provoca uma ainda maior perda salarial, pois o facto de essas horas, não serem pagas, faz com que o valor/hora auferido seja menor; e despedimentos de 30 mil pessoas nas carreiras de assistente técnico e assistentes operacionais.

O primeiro-ministro afirma que os despedimentos fazem todo o sentido porque esses profissionais são perfeitamente dispensáveis, esquecendo-se que são eles a acompanhar cada utente durante 70% do tempo que gasta numa repartição pública. E este exemplo é apenas um para fazer cair por terra a fraca argumentação do governo para tentar explicar o inexplicável. O que está em causa é a vida das pessoas, afetada pelo desemprego e pela queda na qualidade dos serviços públicos.

Em 2008 já tinham alterado o vínculo laboral, transferindo a quase totalidade dos trabalhadores (auxiliares, professores, administrativos, médicos, enfermeiros, etc.) do Estado para o regime de contrato em funções públicas e não como funcionários públicos, como até então. A esta reformulação apenas escaparam juízes, militares, polícias e algumas carreiras de fiscais. Note-se que são quem mantém o regime e por isso não convém mexer muito nessas carreiras…

Os que agora vão ser despedidos pertencem a esse conjunto de trabalhadores que sofreram a mudança de vínculo há poucos anos, trabalhadores esses que têm as progressões nas carreiras congeladas e estão sem aumentos salariais há muitos anos. Posso dar o caso de muitos trabalhadores que, apesar de já estarem há 17 anos no Estado, recebem hoje 487 euros, apenas mais 2 euros que o salário mínimo.

Achas que todas estas medidas estão ligadas e foram tomadas tendo um objetivo final?

Claro que sim. Todas têm em vista a desresponsabilização do Estado perante as funções sociais que deveriam ser para si fundamentais. Saúde e educação são dois pilares essenciais de qualquer sociedade e delas dependem todas as gerações e o desenvolvimento do país.

Em relação aos auxiliares, foram fundidas cerca de 540 carreiras (pintores, operários, motoristas, cozinheiros, vigilantes, etc.) numa só – assistente operacional, o que vem de encontro ao que afirmei anteriormente.

O objetivo das políticas do governo é privatizar serviços: torna-os disfuncionais, o que leva ao descontentamento da população, que, por sua vez, passa a aceitar melhor a sua privatização. Mesmo os serviços que não sejam privatizados serão realizados por pessoas contratadas para fazer o mesmo trabalho, mas em condições precárias e sem direitos.

Alguns hospitais estão na mira do governo para serem entregues à Santa Casa da Misericórdia. O que achas disso?

A entrega de hospitais à Santa Casa da Misericórdia, como é o caso do Hospital de Barcelos, é outro exemplo da desresponsabilização do Estado das suas funções essenciais. Significa mais despedimentos, menos serviços e saúde mais cara e até com menos qualidade. O que se torna insuportável para a maioria da população que sofre também com o aumento dos impostos e do custo de vida e com os cortes nos apoios sociais. Insuportável e injusto, pois não foram elas que contribuíram para este estado de coisas!

O que pode ser feito?

Só a luta dos trabalhadores, utentes e população em geral pode travar este ataque. Os sindicatos têm também de se unir em torno da defesa do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública e da Segurança Social Pública, para impedir a sua entrega a bancos e seguradoras. Todos os sindicatos devem pôr de lado as questões particulares que possam existir e fazer uma luta conjunta, pois aquilo que afeta hoje uma classe profissional, mais cedo do que tarde será aplicado às outras. Exemplo disso é o facto de o sindicato dos médicos ter aceitado as 40h semanais, ou seja, o aumento de 20h mensais de trabalho, o que influenciou o alargamento arbitrário do horário de trabalho de todos os outros funcionários. Enquanto o SIADAP, o novo sistema de avaliação dos funcionários do Estado, estava a ser aplicado apenas aos assistentes técnicos e operacionais, o sindicato dos professores agia como se nada fosse com eles, mas depois esse sistema também foi aplicado a essa classe. E mais exemplos podiam, infelizmente, ser dados.

De referir, ainda, que ao contrário do que se “vendeu” na opinião pública, os funcionários públicos sempre foram avaliados, trocou-se foi um sistema que não era perfeito por um que não pode funcionar e altamente injusto pois pressupõe quotas para os níveis de avaliação.

Por esta e por todas as razões é que a luta dos trabalhadores deve ser uma luta de união e sempre com a ideia de que um ataque a um trabalhador é um ataque a todos os trabalhadores, independentemente da sua categoria profissional; de que nesta luta todos os sindicatos devem lutar unidos e não preocupados com interesses corporativos ou diferentes daqueles que são os dos trabalhadores. Aproveito para fazer um apelo a que a Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública (constituída por 31 sindicatos: médicos, enfermeiros, professores, autarquias locais, federação de sindicatos da função pública, entre outros) funcione mesmo e deixe de ser algo que existe só no nome.

Entrevista de Joana Machado

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