Em finais de janeiro, Portugal regressou ao mercado da dívida de longo prazo, naquilo que foi anunciado em grandes parangonas como um sucesso da política de austeridade deste governo, e até um sinal de recuperação da nossa “soberania financeira” (Diário de Notícias, 21/1).
A primeira constatação que faz qualquer trabalhador ou pensionista é que este aparente sucesso nada significa para o seu dia-a-dia, pois não se vislumbra nenhuma inversão nas medidas de austeridade. Pelo contrário, já se anunciam novos cortes e sacrifícios! Em segundo lugar, vemos que esta nova colocação de dívida (porque é disso que se trata, mais um empréstimo de milhões para continuar a afundar o país) resulta, não do exercício da tal soberania, mas sim da intervenção duma instituição externa ao país: o Banco Central Europeu (BCE).
De facto, desde setembro que o BCE decidiu assumir a função de garante das dívidas soberanas no mercado secundário para todos os países da zona euro em processos de ajustamento (não só Portugal, portanto não tem sequer a ver com o facto de Passos Coelho ser “o bom aluno” que tanto gosta de ser).
O BCE assumiu que, em caso de necessidade, compraria os títulos de dívida soberana desses países no mercado secundário. Foi por causa desta garantia que os chamados “investidores” se sentiram confiantes para comprar mais títulos de dívida, o que conferiu ao leilão de 23 de janeiro o tal sucesso, logo bem explorado pela propaganda do governo.
Mas, afinal, porque se mostrou o BCE tão generoso? Tornou-se de repente amigo dos países em dificuldades?
Tudo para salvar o euro
O endividamento dos estados, empresas e famílias é hoje uma forma privilegiada de acumulação de capital, não só devido ao mecanismo dos juros, mas também à especulação que os grandes do mundo financeiro fazem com os títulos de dívida. Compram títulos aqui, vendem-nos acolá, e com este jogo perpétuo acabam realizando lucros extraordinários.
Ao intervir neste mercado para dar garantias aos compradores de dívida, o BCE teve sobretudo como objetivo assegurar que os títulos de dívida em euros não se depreciariam. Se a confiança dos tais credores caísse abruptamente, então eles iriam desfazer-se das suas carteiras de títulos em euros – provocando uma desvalorização geral do euro – e tenderiam a refugiar-se em moedas mais fortes (dólares, ienes, etc.).
Por isso o BCE tomou medidas para garantir que a confiança no euro não se evapore (o que é um risco real face à cada vez maior dificuldade de os estados pagarem as suas dívidas) e que o euro continue a ser “atrativo” para o capital financeiro.
Foi esse o verdadeiro significado da intervenção do BCE no mercado da dívida, e não um qualquer impulso benemérito dirigido aos países sujeitos à austeridade…
Soberania é quando o povo mais ordena!
Afirmar que o regresso de Portugal aos mercados, ou seja, que a decisão do governo de continuar a endividar-se (mesmo que a juros mais favoráveis) é o mesmo que “recuperar a soberania financeira”, como titulava o DN, não lembra ao diabo… Soberania financeira é no mínimo o poder de emitir e gerir a sua moeda, coisa que o país não faz desde que aderiu ao euro. Soberania é não ter Bruxelas a dirigir a nossa economia, a mandar privatizar, fechar empresas e queimar produtos da terra e do mar, como acontece desde a adesão de Portugal à União Europeia (UE) em 1986. A verdadeira soberania é quando a economia está ao serviço das necessidades do povo, e não dos capitalistas que jogam na bolsa o dinheiro de todos nós.
Soberania é quando o povo mais ordena, e o povo português está farto de ter a vida “ordenada” pelos senhores da UE e do FMI!
Ana Paula Amaral, com colaboração de J. A. Dias