Nas últimas semanas as “Grandoladas” que por todo o país silenciaram ministros e secretários de estado, assim como outras lutas, com as greves da CP e dos estaleiros de Viana do Castelo, antecipavam o tamanho massivo das manifestações convocadas para dia 2 de Março sob o mote “Que Se Lixe a Troika, O Povo é Quem mais Ordena”.
De facto as manifestações foram enormes, das maiores já se viram desde a revolução de Abril de 1974. É difícil calcular números exactos e dado o tamanho incontornável das mobilizações, é desnecessário entrar numa guerra de números, seja para os empolar, seja para os diminuir. Se em Lisboa a manifestação, apesar de enorme, não chegou aos números do passado 15 de Setembro, no Porto e em Braga, por exemplo ultrapassaram claramente. A verdade insofismável é: a contestação ao governo e à austeridade aprofunda-se e os protestos do final de 2012, desde o 15 de Setembro à Greve Geral, não foram excepcionais, mas pelo contrário, tiveram continuidade nas manifestações de dia 2 e irão perdurar. É ainda assinalável que desta vez não houve – devido aos cuidados cobardes do governo – uma medida que detonasse o descontentamento, com as alterações da TSU em Setembro, pelo que os protestos demonstram uma oposição ao conjunto da política do Governo e da Troika. O corte nos recibos de salários em Fevereiro é certo que deram uma ‘ajuda’ para que muitos saíssem à rua e ainda bem. Se havia quem duvidasse, demonstrou-se que o governo já não tem sustentação e que é odiado pela população. Se o Governo ainda não caiu não é por falta de vontade popular, mas por não haver nenhuma organização ou partido com grande influência que se proponha a levar essa tarefa às últimas consequências. E as que estiveram presentes no ‘comando’, em várias cidades do País, estiveram mais empenhados em após se cantar a Grândola convidar a ‘volta’ a casa, o que é contrário às aspirações da grande maioria dos manifestantes.
O povo saiu à rua em cerca de 40 cidades. A tónica geral da manifestação era – mais ainda que no 15 de Setembro – contra o governo. “Demissão” foi o grito que ecoou no país inteiro. Desta vez, convergindo com as manifestações nas principais cidades, surgiram também as “marés”, da educação, da saúde, dos reformados, da cultura ou outras. Se por um lado estas iniciativas visavam, e bem, representar diversos sectores profissionais e serviços públicos que o governo ataca, a verdade é que contribuíram também para retirar alguma espontaneidade que tem marcado este tipo de protestos, aproximando-o em alguns aspectos das manifestações tradicionais da CGTP. Outro elemento assinalável nestas manifestações foi o grande peso que os protestos a norte (Braga, Porto…) tiveram, alcançando um tamanho muito significativo, demonstrando que toda essa região está simultaneamente muito esmagada e revoltada com as políticas de austeridade. Houve outras regiões em que até há pouco tempo dificilmente haveria manifestações autónomas que mantiveram ou cresceram na mobilização face ao 15 de Setembro, como Faro ou Portimão. Esquecendo a guerra dos números, é indubitável que foram manifestações gigantescas e que retiraram margem de manobra para que o governo apresente novas medidas de austeridade. Essa foi a novidade: ao contrário do 15 de Setembro, que respondeu a novas medidas de austeridade, o 2 de Março antecipou-se a elas. Assim Passos Coelho terá de comprar uma guerra com o descontentamento popular, respondendo a manifestações com austeridade, cavando ainda mais o carácter moribundo do governo.
Manifestações “Orgânicas” ou “Inorgânicas”?
Depois do fenómeno da “Geração à Rasca”, nas notícias e jornais, começou a separar-se as manifestações “orgânicas” – convocadas pelos sindicatos, com forte presença dos partidos de esquerda, com hora para começar e acabar, com discursos oficiais dos dirigentes e sem dar a palavra aos manifestantes – das “inorgânicas” – muito mais espontâneas, convocadas através das redes sociais, em que não há dirigentes para mandar os manifestantes para casa e em que é dada a voz aos populares em assembleias ou “microfones abertos”. Os comentadores do regime, como Medina Carreira ou Marcelo Rebelo de Sousa, até assinalaram as primeiras, as manifestações “orgânicas” como preferíveis às “inorgânicas”. O 2 de Março teve elementos das duas coisas. Sobretudo em Lisboa, em que as organizações sindicais e os partidos parlamentares são mais fortes, a manifestações foi mais semelhante a uma manifestação da CGTP do que à “Geração à Rasca” ou ao 15 de Setembro. Havia palco, discurso oficial, ordem para desmobilizar e a presença dos partidos parlamentares em colunas que controlavam e canalizavam a manifestação. A forte presença de BE e PCP no movimento organizador – “Que se Lixe a Troika” – não é obviamente alheia a esse facto. Não queremos com isto dizer que estes partidos não devam estar nas mobilizações: deviam até fazê-lo abertamente. O problema é estes partidos adiaram o derrube do governo e se recusarem a dar continuidade às lutas, para irem engordando eleitoralmente com o olho posto em futuras eleições. A organização também não é um problema. O problema é quando se organiza com o objectivo de retirar radicalidade às manifestações e liberdade aos manifestantes. O problema era que a organização tinha em vista dar apenas voz a dirigentes e não a manifestantes, tinha em vista desmobilizar o protesto às seis e cercear as iniciativas mais radicais, como foi a ida de milhares de pessoas para S.Bento no 15 de Setembro, à revelia do movimento Que Se Lixe a Troika (que, mais tarde, se encarregou de censurar essa continuação da manifestação). Há que organizar as lutas, há que dar mais corpo aos movimentos sociais e convocar os partidos de esquerda, mas com o objectivo de impulsionar a luta em vez de a conter. A necessidade de derrubar o governo não pode ficar refém de cálculos eleitorais.
Continuar nas ruas até o governo cair
Centenas de milhares de pessoas por todo o país cantaram em uníssono a “Grândola Vila Morena”. Foi um momento histórico. Mas a manifestação de dia 2 almejava mais que isso, segundo a convocatória, o objectivo era “demitir o governo”. No rescaldo da manifestação há que ser honesto: por agora, o objectivo não foi cumprido. Deu-se um passo essencial mas de que nada serve se não for rapidamente seguido de outros semelhantes. Os organizadores da manifestação remetem a continuação da luta para o mês de luta que a CGTP anima este Março. Deverá uma manifestação enorme que juntou vários sectores dividir-se em dezenas de acções sectoriais? Ou deveria ser seguida de novos protestos unitários como novas grandes manifestações e uma greve geral de mais de um dia? Cada activista tem de reflectir porque é que os protestos “orgânicos” que a CGTP organiza, e que os comentadores do regime elogiam, há muito que não obtém vitórias, enquanto o 12 de Março de 2011 levou à queda de Sócrates e o 15 de Setembro derrotou a TSU. Canalizar a mobilização para o mês de luta da CGTP não chega. Isso não é continuar nem radicalizar a luta. É afunilá-la. É transformar a raiva popular em oposição calendarizada segundo as necessidades das cúpulas sindicais e parlamentares. Que o mês de luta da CGTP tenha toda a força e sucesso, mas a continuação do 2 de Março tem de ir mais além. Há que convocar novas manifestações, sobretudo quando o governo apresentar novas medidas de austeridade. E há que fazer nas empresas, escolas, hospitais e locais de trabalho, assembleias e plenários, como tem feito os ferroviários, os trabalhadores do metro, os operários dos estaleiros de viana ou os estivadores, para dar corpo a uma nova greve geral que pode ter de se prolongar até que o governo se demita.
Continua a fazer falta um novo 15 de Setembro, nas empresas e nas ruas!
Nenhuma trégua ao Governo!