Seja qual for o chapéu de chuva justificativo (relatório do FMI com aval do governo ou proposta do governo com aval do FMI) já é claro para muitos que aquilo que Passos/ Portas e a troika estão a preparar com o tão falado relatório é praticamente o fim do que resta do Estado social no nosso país e o agravamento ainda mais profundo das condições de vida e de exploração do povo trabalhador.
De facto, as receitas do famigerado relatório do FMI [um dos seus autores é um aldrabão espanhol do PSOE pego recentemente com a boca na botija] de não podiam ser mais claras (1):
o Redução permanente dos salários na Função pública (FP) entre 3% e 7%;
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o Aumento do horário de trabalho na FP para as 40h semanais;
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o Menos 60 mil a 120 mil funcionários públicos, através de despedimentos ao fim de 2 anos na mobilidade especial ou de saídas voluntárias;
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o Menos 50 mil a 60 mil professores;
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o Aumento da idade legal da reforma para os 66 anos;
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o Redução geral do valor de todas as pensões entre 10% e 20%, incluindo a redução das pensões acima das mínimas em 15% (ou seja, todas as que ultrapassem € 256, 80!);
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o Redução da duração do subsídio de desemprego para 10 meses, após o que o trabalhador desempregado passaria a receber apenas o subsídio social de desemprego (320€/ mês);
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o Perda do abono de família para 280 mil crianças, por força da eliminação do 3º escalão deste abono;
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o Aumento das propinas no ensino superior;
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o Aumento das taxas moderadoras para 1/3 do custo do ato médico (ex., a consulta no hospital passaria de 20€ para 40€ e no centro de saúde de 5€ para 13€).
O conjunto das medidas elencadas não deixa dúvidas: o que está em preparação é afinal mais do mesmo desde que a troika entrou em Portugal, em meados de 2011. Mais despedimentos, mais reduções nos salários e pensões, mais reduções nas prestações sociais, maiores custos nos serviços públicos. Hoje na Função Pública, amanhã no setor privado.
Mais do mesmo para nos roubarem €4000 milhões, quando ainda mal começámos a perceber os efeitos dos €7500 milhões de cortes do Orçamento de Estado deste ano! Mais do mesmo para o poço sem fundo dos juros da dívida e para que os bancos continuem a receber do Governo generosas injeções de capital.
Nem menos endividados, nem mais soberanos
Entretanto, surgem notícias aparentemente contraditórias que parecem convir às mil maravilhas à propaganda do governo. No passado dia 23 de janeiro Portugal “regressou aos mercados”. Soa quase a prémio Nobel pelo bom comportamento do governo de Passos/Portas. Internamente, as parangonas têm por objetivo demonstrar que a austeridade funciona e consegue bons resultados. E talvez montar o cenário para as pessoas aceitarem as medidas do relatório do FMI sem resistência…
Falta dizer que nem o endividamento do país abrandou nem se trata de regresso nenhum aos mercados. O governo português nunca deixou de lá ir para endividar o Estado – mesmo após o empréstimo da troika. Fê-lo todos os quinze dias, às 4ª feiras, através da emissão de títulos de dívida/obrigações do Tesouro, portanto endividando-se constantemente; com a única diferença que só tinha condições para pedir empréstimos a maturidades (2) relativamente curtas: 6 meses, 1 ano, 2 anos.
A grande “novidade” do regresso triunfal aos mercados da 4ª feira dia 23 é que o Estado emitiu dívida a um prazo de …5 anos. Vejam só que maravilha! Que vitória do ajustamento! Que bela prova da confiança dos investidores! Até Portas saiu da toca e veio aplaudir.
O DN desse dia titulava: “Portugal recupera parte da soberania financeira”. Soberania?? Que soberania pode haver em o país continuar a endividar-se e a depender financeiramente de empréstimos, seja lá qual for o prazo?
A tão cara “confiança” dos investidores…
Mas quem são afinal esses investidores tão acarinhados pelo governo, e o que significa a confiança de que ele tanto se vangloria? “Investidor” é apenas o nome fino dado ao especulador, ao banco ou à sociedade financeira que saca do trabalhador a mais-valia por este produzida para a aplicar na venda e compra de títulos de dívida, em créditos, alguns bem duvidosos, etc., etc., com o fim de obter lucros fabulosos no mais curto espaço de tempo.
Que esta gente ache que Portugal é um país de confiança só nos pode fazer… desconfiar. Pois fácil é verificar que a confiança de que eles falam é aquela suficiente e necessária para obterem os seus lucros com um mínimo de segurança e um máximo de acalmia social. Se hoje esta burguesia parasitária e rapace “confia” e “acredita” em Portugal, isso só pode querer dizer que eles “confiam” e “acreditam” na eficácia dos planos de ajustamento/empobrecimento. Ou seja, quanto mais explorados e pobres formos, melhor para o seu enriquecimento.
… para prosseguirem a sua economia de casino
Os bons resultados dos planos de austeridade significam pois a garantia de que o capital financeiro continua a rentabilizar-se e a sacar do povo trabalhador fatias cada vez maiores de mais-valia para seu beneficio direto e imediato. Contrair dívida a longo prazo em vez de a curto prazo não representa nenhuma viragem na economia, nenhum abrandar dos sacrifícios que nos estão a ser impostos.
Vivemos numa crise profunda do capitalismo, causada pelas próprias contradições do sistema, daí que os capitalistas procurem recuperar os seus investimentos rapidamente e sem o mínimo obstáculo ou concessão. Eles não vão “virar a agulha” e colocar a economia a produzir. Vão especular, jogar o nosso dinheiro no casino mundial e continuar a endividar todo o mundo.
É por essa razão que falar atualmente da necessidade de uma política “virada para o crescimento económico” – como faz o PS e até o PCP e o BE – sem colocar o dedo na ferida – qual a classe que deve comandar esse crescimento – é como fazer votos piedosos para que o capital se desvie do seu curso e se converta à necessidade dum outro tipo de economia, produtiva e criadora de emprego, planeada para dar satisfação às necessidades da maioria.
Organizar o povo para correr com a troika e o governo!
Quanto à “soberania”, também não se entende como se pode utilizar esta palavra impunemente, quando o FMI continua a mandar no nosso país e a ditar a política para todos os aspetos da vida do cidadão comum, como se vê pelo conteúdo do relatório que lhe é atribuído.
O que tem feito a troika em quase dois anos de ocupação do país é uma verdadeira guerra contra a classe trabalhadora portuguesa, pela mão do seu odioso e submisso governo PSD-CDS. Cada dia que cá estão já é um dia a mais. Está mais do que provado que não se importam que haja mais e mais recessão, desde que os mercados continuem a rolar e os especuladores a fazerem os seus negócios chorudos. Não se importam que cada vez mais famílias tenham que optar entre pagar prestações bancárias e comer ou tomar remédios, desde que a banca continue a receber os seus retornos. Não se importam com o fecho de milhares de pequenas empresas, lojas e restaurantes, desde que os grandes empresários continuem a encher os bolsos.
Só com métodos de grande resistência e organização – tudo o que é preciso numa guerra – conseguiremos pôr cobro a esta tragédia. Afinal, somos nós que produzimos tudo, são os trabalhadores que organizam o dia-a-dia do país, que o põem a funcionar. Somos nós que enchemos os cofres do Estado, dos bancos e das empresas com os nossos salários e impostos. Muitos de nós estamos revoltados e angustiados por não vermos saída imediata. Mas estamos dispostos a usar a nossa força coletiva, a organizarmo-nos para a luta e a avançar.
Discutamos em toda a parte – nas empresas, nas escolas, nos bairros, nos sindicatos – como sair desta situação, em direção a um novo 15 de Setembro que corra com Passos e a troika de vez, e que rasgue todos os seus abomináveis memorandos e relatórios.
Ana Paula Amaral
Colaboração de J. A. Dias
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Dados do estudo de Eugénio Rosa de Janeiro/2013 (em www.eugeniorosa.com)
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Maturidade é o prazo de reembolso dum empréstimo. Por exemplo, um título de dívida de € 1000 emitido em janeiro de 2013 com a maturidade de 3 anos implica que o seu titular receba do Estado (o devedor) o reembolso desses mil euros em janeiro de 2016. Além disso, o titular recebe todos os anos o valor do juro contratualizado no título (taxa nominal fixa).