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Passos Coelho ainda é primeiro-ministro. Porquê?

A maior surpresa do ano que findou não foi a razão porque Paulo Portas, o rei da camuflagem e do oportunismo político, não tirou o tapete ao PSD e provocou eleições antecipadas em Portugal. Não teríamos muito que escrever de tal modo evidente os vais e vens deste dirigente demagógico da direita portuguesa. O que mais intrigou toda a gente foi qual a razão ou quais as razões porque Passos Coelho, apertado por gigantescas manifestações de massas em 15 de Setembro de 2012, ainda não se demitiu?

É certo que se viu obrigado a recuar e retirar uma medida governamental (a redução da TSU para os empresários), algo nunca visto na Europa, pelo menos desde 2008. Mas consegue fazer sobreviver o seu governo sem sequer remodelar os ministros mais incompetentes, trapaceiros e odiados pela população (e até por sectores da própria base de apoio dos partidos do governo) como é o caso gritante do ministro Miguel Relvas.

A que se deve esta enorme capacidade de sobrevivência? A méritos próprios? À teimosia habitual de quem se encontra no poder e se torna autista diante dos protestos populares? Ao apoio inequívoco da troika e do presidente Cavaco Silva que não mexeu uma palha para acelerar a convocação, como se impunha, de eleições antecipadas? Ou à necessidade intrínseca de continuar a aplicar as furiosas medidas de austeridade contra praticamente toda a população menos os 1% de banqueiros e super ricos da sociedade portuguesa?

Há, sem dúvida, um pouquinho de todas estas variantes supra mencionadas, mas, de facto, em nossa opinião, não foram as causas fundamentais da manutenção no poder do inefável Passos Coelho. Por incrível e paradoxal que possa parecer é “à esquerda” no espectro político-partidário,que radica o segredo da longevidade do atual governo.

Nem sequer às limitações das massas, sempre invocadas de quem quer sacudir “água do capote”. Segundo foi consensual por toda a comunicação social, Portugal assistiu a manifestações de mais de um milhão de pessoas, de operários a comerciantes, de jovens a idosos, de desempregados a precários, de pequenos empresários da restauração a estivadores, de trabalhadores dos mais variados sectores sócio profissionais a reformados, centenas de milhares de pessoas saíram à rua e até consumaram de forma expressiva mais uma greve geral, em novembro de 2012.

Eleições, sim, mas lá mais para adiante

Mas porque razão responsabilizamos a esquerda em Portugal da longevidade do atual governo? Então não interessaria à esquerda, apoiada na contestação social, precipitar a queda de Passos Coelho e regressar, no caso do PS, rápido ao governo? Sim e não. Não negamos que a esquerda deseje a convocação de novas eleições, nas quais seguramente a direita sairia claramente derrotada. Aliás quer o BE quer o PC já o reclamaram explicitamente. No entanto, parece-nos que esta nossa esquerda, o que deseja acima de tudo, é que sim se convoquem novas eleições mas … lá mais para diante. Senão teriam, feito tudo, mas tudo o que estivesse ao seu alcance para agigantar a contestação do último semestre do ano que agora terminou e obrigar as forças do poder a se desunirem, tornando inevitável a convocação de novas eleições ou a garantia de que o país passaria para um período bastante semelhante a um novo PREC (Processo Revolucionário em Curso), como aquele que lhe deu o nome entre 1974/75.

Se tal não aconteceu, desculpem-nos por avivar a memória de todos, é da clara responsabilidade destes três partidos que falam em nome da esquerda em Portugal. Senão recordemos. O PS nem sequer apresentou uma moção de censura ao atual governo, nem após o 15 de Setembro. Aliás, o PS é o partido mais hipócrita da situação política, anseia de novo o governo, esconde que tem enormes responsabilidades na crise atual, mas só quer governar depois que o PSD fizer todo o trabalho sujo.

O BE e o PC (bem como a CGTP, fortemente influenciada por este último partido) têm também sérias “culpas no cartório”. É certo que o BE apelou à manifestação do 15 de setembro (ao contrário do PC, que só convoca e se empenha nas suas “próprias” manifestações); é certo que todos os dias ambos contestam o governo; é certo que apresentaram uma moção de censura a Passo Coelho (ainda que, note-se, por separado, a divisão da esquerda sempre a funcionar…); e é certo que se empenharam na greve geral de Novembro de 2012. Mas também é certo que deram fôlego (!) para o inimigo se repor.

O BE nunca deu continuidade (séria) à mega manifestação de 15 de Setembro, pelo contrário rapidamente aconselhou os seus apoiantes e demais setores da população a acudir às manifestações rotineiras da CGTP. Ora é sabido que as últimas quedas de governos se devem, ou são claramente influenciadas, pelas megas manifestações por fora do aparelho do PC ou da CGTP, na verdade por fora de qualquer aparelho político institucional. Exemplo acabado do que afirmamos foram as gigantescas manifestações da Geração à Rasca, em março de 2011, que contribuíram para a queda de Sócrates, e as do último 15 de setembro.

Mas a divisão que permanece no seio da esquerda (apesar da retórica atual dos dirigentes do BE e do PC favoráveis a alguma unidade) também se revela um contributo estimável para a permanência da direita no poder. É que ninguém vê uma alternativa ao tradicional rotativismo ao centro entre um Passos Coelho ou um governo de António José Seguro. Na verdade, está na hora de novos acontecimentos. Novas mobilizações de massas contra os cortes de salários que aí vêm no final deste mês de Janeiro para acelerar de novo as possibilidades de queda do governo e, no plano político, o surgimento de uma nova alternativa para renovar a esquerda em Portugal. Não é presunçoso afirmar que, no curto período de tempo que se pode mostrar ao país (e sem eleições), o Movimento de Alternativa Socialista (MAS) se tem revelado uma força política a ter em conta e que já fazia falta.

Gil Garcia

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