No começo de dezembro, uma estudante de 23 anos foi violada durante quase uma hora dentro de um autocarro em Nova Deli, na Índia. Ela e um amigo que a acompanhava foram agredidos com barras de ferro e atirados do autocarro em movimento.
A jovem foi internada num hospital de Singapura onde permaneceu até o dia 28 de dezembro, quando veio a falecer. Segundo os médicos, ela teve, além dos ferimentos externos, uma paragem cardíaca, infecção no pulmão e no abdómen e dano cerebral. O caso teve grande repercussão e, além de dar visibilidade à situação de violência a que estão expostas as indianas, gerou inúmeros protestos no país e nas redes sociais pelo mundo.
No dia 27 de dezembro, outro caso de violação coletiva foi divulgado, o de uma adolescente de 17 anos. A violção aconteceu em novembro, num festival, mas provavelmente só veio à tona agora por conta dos protestos. Na época, três pessoas foram detidas, dos quais dois seriam os violadores de uma mulher que teria sido cúmplice, mas ninguém foi preso ou indiciado. Os próprios polícias tentaram convencê-la a não registar queixa. Segundo a irmã da vítima, em entrevista a uma rede de televisão, propuseram à adolescente que aceitasse uma quantia em dinheiro para esquecer a denúncia ou casar-se com um dos agressores. No dia, 26, ela foi encontrada morta, suicidara-se.
Estes dois casos ilustram a forma como são tratados os crimes contra as mulheres na Índia. Nova Deli é a capital do país, onde mais de um caso de violação é registado a cada 18 horas. Números oficiais mostram que dos 256.329 crimes violentos que ocorreram na Índia no ano passado quase 230 mil foram contra as mulheres. No entanto, estima-se que esse número seja bem maior, pois a rotina de impunidade e a humilhação a que as mulheres são submetidas pelas autoridades fazem com que a maioria se sinta desencorajada em denunciar.
Protestos
No país em que as mulheres viveram durante milhares de anos escondidas atrás do casamento infantil e da servidão ao marido e à família, vendidas pela miséria, algo começou a mover-se com força. No país inteiro, centenas de pessoas saíram às ruas para protestar e pedir pena de morte para os violadores. A polícia respondeu ao pedido de justiça com violência contra a população. O acesso à região do palácio presidencial foi fechado e determinado que os protestos só poderiam ocorrer fora da região central da capital.
Numa das principais manifestações em Nova Deli, no monumento Porta da Índia, cerca de 60 pessoas ficaram feridas e um policial morreu. A indignação obrigou o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, ir à televisão para pedir calma à população. Ele prometeu que vai instituir a pena de prisão perpétua para os acusados e novas leis contra ataques às mulheres. Também disse que vai colocar mais patrulhas noturnas e proibir cortinas e vidros escuros nos autocarros que circulam na cidade.
Pode-se dizer que, ao tratar-se da Índia, o simples facto de ter sido arrancada uma declaração do primeiro-ministro significa um pequeno feixo de luz no fim do túnel. Porém isso está a ser possível porque o mundo inteiro revoltou-se com o que viu e, principalmente, porque as mulheres e o povo indiano levantaram-se em gigantescas manifestações . As crescentes campanhas de combate ao casamento infantil já vinham sendo um ensaio importantíssimo.
Agora, resta que os criminosos destes casos sejam exemplarmente punidos, abrindo caminho para uma legislação dura contra os crimes contra as mulheres, sobretudo os sexuais. No entanto, o que vai realmente mudar a situação de barbárie da Índia é uma permanente mobilização pela mudança de consciência nas relações de género, mas principalmente, nas relações de classe, que deixam as mulheres na miséria e na vulnerabilidade completa.
Luciana Cândido, PSTU