Dois factos políticos tiveram uma especial relevância nas últimas semanas no sentido de apontar uma saída para a luta dos trabalhadores portugueses e europeus contra os ataques da troika e dos patrões. Um deles foi protagonizado pelos estivadores em seu combate à nova lei do trabalho portuário; o outro, a atitude da Comissão de Trabalhadores da RTP ao exigir um rigoroso inquérito para apurar as responsabilidades pela presença da PSP nas instalações da emissora para visionar e gravar imagens não editadas da manifestação da greve geral de 14 de novembro.
No primeiro caso, trata-se de uma luta iniciada em setembro deste ano, com uma greve às horas extraordinárias e a enfrentar uma violenta campanha por parte do governo, com ressonância na comunicação social, para denegrir a imagem dos trabalhadores portuários junto à população. O objetivo da luta é barrar uma lei, encomendada pelos patrões e exigida pela troika, que retira conquistas históricas desses trabalhadores, implantando a precariedade e o desemprego nos portos.
No dia 29 de novembro, essa lei foi aprovada na Assembleia da República pelos partidos do governo e o PS, unidos mais uma vez para desferir novo golpe nas conquistas populares. Não é preciso recordar que a Mota Engil, uma das principais entidades patronais do setor portuário, tem como CEO o socialista Jorge Coelho.
Do lado de fora do parlamento estavam os estivadores, não só os nacionais, como também cerca de uma centena de outros de vários portos europeus. Estivadores de Espanha, Dinamarca, Suécia, Bélgica, Alemanha, Chipre, Finlândia e França vieram ao nosso país para solidarizar-se com os seus camaradas portugueses. E tem mais: por duas horas muitos portos europeus pararam nesse mesmo dia para demonstrar que esta também é a sua luta.
À agência Lusa, um dos estivadores presentes, Ole Nors, da Dinamarca, disse que o protesto dos estivadores portugueses era “muito importante porque o novo regime dos portos em Portugal pode acabar por destruir todos os acordos, todos os valores e todo o trabalho dos portos”. “Qualquer um poderá trabalhar sem direitos, mal pago e sem se poder queixar. Se o governo português tiver sucesso vão fazer o mesmo na Espanha, Bélgica, Alemanha e acabaremos por deixar de ter direitos”, concluiu.
Este exemplo de internacionalismo deve ser destacado, pois faz parte da herança da luta dos trabalhadores em todo o mundo. A burguesia faz de tudo para que ele não exista, combate-o de uma forma ora violenta, através da repressão, ora mais suave, através da tentativa de cooptação das suas direções sindicais e políticas. A solidariedade internacional é essencial para sermos vitoriosos em nossa luta contra esse que é um dos mais violentos ataques da burguesia contra a classe trabalhadora em toda a história. É neste exemplo dos estivadores que devemos ter os olhos postos.
A manifestação foi organizada pelo Sindicato dos Estivadores do Centro e Sul e pela Federação Internacional dos Estivadores. Participaram do protesto mulheres de estivadores, a Plataforma 15 de Outubro, o Movimento Sem Emprego e militantes de várias organizações de esquerda, entre as quais o Movimento Alternativa Socialista (MAS).
Uma CT que faz diferença
No dia 15 de novembro, membros da PSP entraram nas instalações da RTP para visionar e gravar imagens não editadas da manifestação de 14 de novembro feitas pela emissora, num ato claramente ilegal. Conforme parecer da Procuradoria-Geral da República de 1996, as polícias não podem pedir às televisões imagens não emitidas.
No dia da greve geral, a polícia reprimira violentamente os milhares de manifestantes que se concentravam em frente à Assembleia da República, com o pretexto de reagir ao lançamento de pedras sobre os seus agentes executado por um pequeno setor dos que ali estavam. Dezenas de pessoas ficaram feridas como resultado da ação policial e outras foram detidas, impedidas de terem contacto com advogado e coagidas a assinarem papéis em branco. Nove dos detidos foram constituídos arguidos e serão julgados em processo comum.
Ao saber que a PSP estivera na RTP para visionar imagens não editadas da manifestação, a Comissão de Trabalhadores da RTP reagiu prontamente. Num comunicado de 22 de novembro, caracterizava os acontecimentos em frente à Assembleia da República no dia 14 como “uma grande operação de guerra psicológica”, com o objetivo de “intimidar as centenas de milhares de pessoas que nos últimos meses têm participado em protestos contra o Governo e em dissuadi-las de voltarem à rua”.
E alertava, frente a manifesta intenção do governo em fazer render a operação lançando mão das imagens da TV pública: “Aqui enganou-se. A cada passo que dava dentro da RTP, o pedido governamental tropeçava na resistência dos trabalhadores”. A CT exigiu que toda a história fosse esclarecida e apuradas as responsabilidades políticas pelo episódio: “(…) o ministro Miguel Macedo deverá saber que nem nós somos figurantes da sua encenação, nem a RTP é uma manifestação onde possa colocar impunemente os seus peões infiltrados”.
“Não pode tolerar-se” – concluía o comunicado – “que homens de mão do ministro entrem na televisão pública como numa quinta sua, sem mandado judicial, para visionar e requerer cópias de imagens destinadas exclusivamente ao trabalho jornalístico. E não pode tolerar-se um Ministério da tutela que tolera toda esta intromissão e dela se faz cúmplice, por ação ou omissão. A hora é de apurar também as responsabilidades políticas.”
A CT quer ver esclarecidas várias questões, entre elas quem deu a ordem para ser efetuado o pedido de acesso às imagens à RTP no dia 14. Há a suspeita de que a PSP tenha utilizado ou venha a utilizar as imagens como meio de prova em tribunal.
A atitude firme da CT fez gorar a manobra do Conselho de Administração da emissora que instaurou um inquérito pouco credível com a finalidade de encerrar rapidamente o caso e propiciou a abertura de mais dois inquéritos, um no Parlamento, a pedido do Bloco de Esquerda, e outro feito pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Ambos vão ouvir todos os envolvidos, da polícia aos advogados dos detidos, do Conselho de Administração da RTP à sua CT.
Desta forma, vê-se como uma entidade sindical independente e combativa consegue resgatar não só a dignidade dos seus profissionais como expor atitudes que atentam contra a democracia e visam facilitar a venda de um bem público, como é o caso da RTP.
Cristina Portella